Sem mulheres no rock, só rock!

Anna Bella Bernardes
ENTRE LP
Published in
3 min readJul 13, 2017

Sandra Coutinho, líder das Mercenárias há 35 anos, mudou-se para a Alemanha há quase 30 anos com 30kg de equipamentos nas costas para se dedicar a música instrumental e ao que ela chama de língua fantasia, grunhidos em um idioma imaginativo. Da queda do muro de Berlim à queda das torres gêmeas, Sandra experimentou música por lá. Com a volta para casa, ela volta com as Mercenárias (que bom!).

Xotas Mortais, uma das experimentações musicais de Sandra na Alemanha

Gang 90 e as Absurdettes é outro famoso grupo musical da década de 80. Sandra também tocou na Gang, bem como Taciana Barros (hoje Pequeno Cidadão), que entrou no grupo aos 17 anos e precisou da autorização dos pais para tocar no Programa do Chacrinha em uma época que as bandas independentes precisavam pagar jabá pra tocar. Em troca de aparições em programas de TV, elas tinham que fazer vários shows na periferia. Em troca de aparições nas rádios, que só tocavam sertanejo ou bandas americanas enlatadas, elas precisavam gravar compactos ou compactões e tentar a sorte.

A vida do artista independente hoje é bem diferente. Rakta, aquele tipo de banda/ritual que te coloca em transe (e sem guitarra!), viajou pra mil lugares antes de tocar na 89. A internet basicamente atinge quem te acessa. É uma faca de dois gumes: expande, mas não é democrática.

Rakta apresentando sua bruxaria pro centrão de sp

O machismo no rock é o machismo na vida. Sempre tivemos mais homens se apresentando e na equipe técnica não é diferente. Os homens duvidam da nossa capacidade e precisamos nos impor mais de uma vez. Não é questão pra ter cota feminina. Ainda há muita falta de conhecimento do mercado, mas felizmente estamos em fase de mudança.

Rakta foi espontaneamente feminista desde quando começou. O som se coloca por si só como um ato politico e feminista de forma natural. Há muita cagação de regra e autoritarismo ao se pensar/falar em feminismo. Discute-se mais sobre o ser mulher na música do que sobre o próprio trabalho, mas é preciso fortalecê-lo para que ele fale por si só.

Rakta antes de tudo é som. Não é estar preso em pós-punk psicodélico ou qualquer outro gênero. Rótulos funcionam mais pro mercado. Rakta é vermelho e expansão (em sânscrito). Paula Rebellato (teclado e vocal) e Carla Boregas (baixo e vocal) querem romper com a razão e afetar as pessoas com o som do Rakta pelo corpo e inconsciente, criando uma bruxaria física e emocional. O show do Rakta, após o debate “Mulheres no Rock”, que contou com Sandra, Taciana, Carla, Paula e mediação de Claudia Assef (Women’s Music), foi uma grande comunhão. O degrau que separava o palco da plateia no Centro Cultural São Paulo desapareceu para a criação de um campo energético entre banda e público. O som transcendeu.

Luz vermelha, plateia em transe e energia palpável ontem no show do Rakta

Que ano que vem tenha mais mulheres para falar/fazer rock. Mas sem mulheres, só rock.

--

--

Anna Bella Bernardes
ENTRE LP

Jornalista das Gerais perseguindo São Paulo. Comms leader do @museudapessoa e Co-founder da @entrelp. www.instagram.com/annagramizando