Caranguejos com Cérebro” 1º Manifesto Movimento Manguebeat (1992)

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Ormando zhiOmn
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5 min readApr 13, 2020
Chico Science e Fred Zero Quatro, os expoentes do Manguebeat. — Fonte: petsociaisufpr.wordpress.com

Este texto, escrito por Fred Zero Quatro, foi publicado no ‘Jornal do Comércio’ de Recife em 1992. A intenção do autor é que ele fosse um release para divulgar a coletânea “Caranguejos com Cérebro”, mas ao mesmo tempo incluiu nele críticas sociais e reflexões. A potência do texto fez com que a imprensa o entendesse como um manifesto, e ele ficou conhecido como “Manifesto do Mangue — Caranguejos com Cérebro”.

Mangue — Fonte: estudopratico.com.br

MANGUE - O CONCEITO

Estuário. Parte terminal de um rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram os manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo, apesar de serem sempre associados a sujeira e podridão.

Estima-se que duas mil espécies de microorganismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados às 60 plantas de mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para 2/3 de produção anual de pescado do mundo inteiro. Pelo menos 80 espécies comercialmente importantes dependem dos alagadiços costeiros.

Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos e mutucas, inimigos das donas de casa, para os cientistas os mangues são tidos como símbolos de fertilidade, diversidade e riqueza.

Recife, a “Manguetown” — Fonte: flickr.com/photos/leodomiro-neto/3443279114

MANGUETOWN - A CIDADE

A larga planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada, é cortada pelos estuários de seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex) cidade “maurícia” passou a crescer desordenadamente a custa do aterramento indiscriminado e da destruição dos seus manguezais, que estão em via de extinção.

Em contrapartida, o desvario irresistível de uma cínica noção de “progresso”, que elevou a cidade ao posto de “metrópole” do Nordeste, não tardou a revelar a sua fragilidade.

Bastaram pequenas mudanças nos “ventos” da História para que os primeiros sinais de “esclerose” econômica se manifestassem, no início dos anos 60. Nos últimos 30 anos a síndrome da estagnação, aliada à permanência do mito / estigma da “metrópole”, só têm levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano.

O Recife detém hoje o maior índice de desemprego do país. Mais da metade dos seus habitante moram em favelas e alagados. E segundo um instituto de estudos populacionais de Washington, é hoje a quarta pior cidade do mundo para se viver.

Chico Science e Fred Zero Quatro — Fonte: interdependente.com

MANGUIE - A CENA

Emergência! Um choque, rápido, ou o Recife morre, de infarto. Não é preciso ser médico pra saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruir suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como Recife é matar os seus Rios e aterrar os seus Estuários. O que fazer então para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Há como devolver o ânimo / deslobotomizar / recarregar as baterias da cidade? Simples, basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.

Em meados de 91 começou a ser gerado / articulado em vários pontos da cidade um organismo / núcleo de pesquisa e produção de ideias pop. O objetivo é engendrar um “circuito energético” capaz de conectar alegoricamente as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama. Ou um caranguejo remixando “ANTHENA” do kraftwerk, no computador.

Fonte: Imagens do Original Manifesto Manguebeat

Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em: Teoria do Caos, World Music, Legislação sobre meios de comunicação, Conflitos Étnicos, Hip Hop, Acaso, Bezerra da Silva, Realidade Virtual, Sexo, Design, Violência e todos os avanços da Química aplicada no terreno da alteração / expansão da consciência.

Mangueboys e Manguegirls freqüentam locais como o “Bar do Caranguejo” e o “Maré Bar”.

Mangueboys e Manguegirls estão gravando a coletânea “Caranguejos com Cérebro”, que reúne as bandas Mundo Livre S/A, Loustal, Chico Science & Nação Zumbi e Lamento Negro. O disco será lançado pelo selo Chamagnathus granulatus sapiens.

— Fred Zero Quatro, 1992

Leia o Segundo Manifesto Manguebeat, “Quanto Vale uma Vida”, de 1997, clicando aqui.

Imagens do Original Manifesto Manguebeat:

Imagens do Original Manifesto Manguebeat (1991)— Fonte: manguebizz.wordpress.com

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