A brasileira Rose Falcão

Sarahmelo
EntreFios - tecendo narrativas
5 min readOct 21, 2020

Nascida em Lajedo, no agreste pernambucano, Rose Falcão é diretora do Centro Cultural Brasil-Peru da Embaixada do Brasil em Lima

Por Sarah Melo

No ponto de conexão entre alas da galeria Tarsila do Amaral, em Lima, a atenção de todos se volta para uma figura vestida em púrpura, que se aproximava do púlpito ali descansado.

Nascida em Lajedo, cidade do agreste pernambucano, Rose Falcão foi a segunda de quatro irmãos. Sua mãe, por ser educadora, fez o trabalho prévio de alfabetização dos filhos em casa. Seu pai foi comerciante e fazendeiro. “Juntos, eles sempre confiaram muito em nós, sempre apoiaram nossos sonhos e metas e sempre deram muita importância à nossa educação”, lembra Rose.

Teve uma infância rica em contato familiar, período em que fez parte do coro infantil da igreja, criado por um sacerdote holandês, tornando-se líder do grupo mais tarde. Foi seu primeiro contato próximo com um grupo musical.

Junto com o irmão mais velho, no final do ensino fundamental, fez teste para uma escola estadual na cidade de Garanhuns, passando em primeiro e ele em segundo lugar. Deixaram a cidade natal que ficava a poucas horas de distância, passando a morar com primas da família materna.

Estando em Garanhuns, fez parte de um grupo de jovens com o irmão, no qual faziam trabalhos artísticos e sociais. Aqui a paixão pela música se desenvolveu ainda mais. No lado social do movimento, Rose lembra um dos trabalhos mais marcantes, que consistia em ir para prisões aos domingos tocar para os detentos.

“Esse grupo foi muito importante, nos sentíamos úteis com as obras. Estávamos dentro de uma estrutura maior, éramos parte de algo grande”.

Veio, então, a época do vestibular. Novamente com o irmão, foi aprovada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde cursaria Nutrição e Teologia. “Foi uma mudança bastante forte”, já não estavam a poucas horas da cidade natal. E, chegando à capital, foi morar em uma república para meninas, não mais com o irmão.

Concluindo a universidade, em 1984, passou dois anos trabalhando com projetos vinculados à UFPE na área de saúde pública, com pesquisas de campo nacionais em saúde materno-infantil. Em 1987, passou em primeiro lugar em concurso público para ser responsável pelo serviço de orientação religiosa da rede pública da Fundação Guararapes, da Secretaria de Educação da Prefeitura do Recife, sendo eleita coordenadora do grupo no mesmo ano. Um ano mais tarde, como exigência da Fundação para revalidação do título de teologia, iniciou o curso de Filosofia.

Em 1990, passou a lecionar filosofia na Fundação Guararapes, deixando o cargo anterior. Em 1991, ciente da situação com as creches da Prefeitura, ofereceu os seus serviços como nutricionista, seguindo na Secretaria da Educação, onde fez parte de uma equipe multidisciplinar de profissionais para desenvolvimento de projetos pedagógicos, nutricionais, sociológicos, psicológicos nas creches. Com apenas uma outra profissional, geriu o programa de acompanhamento nutricional de 50 creches municipais.

No início de 1994, prestou concurso para o Hospital das Clínicas de Pernambuco, onde trabalhou como nutróloga por mais de um ano. Em 1995, estando em um relacionamento com Jaime Lores, peruano que estudava no Brasil, tomaram juntos a decisão de ir morar no Peru, a próxima grande mudança em sua vida.

“Foi difícil deixá-los porque sempre fui apegada a eles”, lembra Rose sobre sua família no Brasil. “Mas recebi todo o apoio dos meus pais. ‘Vá e seja feliz, mas saiba que, se for preciso, estamos aqui para você’, disseram sempre”.

Chegando ao Peru, “encontrei um país que tentava sair do terrorismo, das garras do Sendero Luminoso [grupo guerrilheiro peruano]. A nação se reconstruía, tornava-se mais segura com uma economia mais estável, mas ainda estava muito machucada por esses tempos”.

Ao recordar sua chegada ao país, comenta: “Por ser brasileira, sempre me senti valorizada, mas foi necessário em cada um dos trabalhos provar a minha capacidade antes de ser efetivada na equipe, apesar de nunca ter sido necessário comprovação com diploma do que dizia meu currículo sobre minha formação superior”.

Seu primeiro emprego, onde ficou por três anos, consistia no acompanhamento e controle de qualidade, do momento da produção até a entrega, de um produto que fazia parte do programa do governo central peruano em parceria com uma ONG que recebia recursos americanos, uma bebida láctea enriquecida entregue em escolas da periferia de Lima, capital do país.

Posteriormente, foi convocada para integrar uma equipe na Fundação para o Desenvolvimento Agrário, que avaliaria o impacto do programa de merenda escolar para as crianças e comunidades onde atuou, trabalho que gerou relatórios importantíssimos para o governo, úteis na análise do desenvolvimento do país até os dias de hoje.

Com o passar dos anos e por causa dos filhos, que atingiam idade escolar, precisou procurar uma forma de ocupação que lhe permitisse passar mais tempo em casa. “O país começava a se abrir para o mundo, instituições internacionais notavam a posição estratégica do Peru na América Latina. Com isso, muitos eventos internacionais passaram a acontecer aqui”.

Após breve capacitação na área, começou a trabalhar como intérprete e tradutora, área na qual seu nome passou a ser referência. Em 2010, levando mais de uma década no país, procurou o Centro Cultural do Brasil como forma de manter contato com a língua e cultura maternas, onde criou e dirigiu um grupo de canto.

Mais tarde, paralelamente ao seu trabalho como tradutora e intérprete, passou a dar aulas no Centro, ensinando português por meio da Música Popular Brasileira. “Foram tempos de malabarismo!”, brinca Rose.

Em 2012, a Embaixada Brasileira lançou edital para contratação de um novo diretor para o Centro. Com o conhecimento de que tinha o perfil procurado, candidatou-se. Sendo aprovada em todas as etapas do concurso, foi contratada para o posto de diretora do Centro Cultural Brasil-Peru da Embaixada do Brasil em Lima.

Assumindo o cargo com um plano de metas claras para o desenvolvimento da instituição, cuja missão é a promoção da língua e difusão da cultura brasileira no estrangeiro, transformou a instituição em um centro de referência no país no ensino da vertente brasileira do português, e mais tarde em referência entre os 24 Centros do Itamaraty, espalhados por diversos continentes no mundo.

Hoje, segue no posto de diretora da instituição. Para aos brasileiros que pretendem tentar a vida no estrangeiro, aconselha: “Conheçam a idiossincrasia do povo do país de destino. Não basta saber a língua, por mais importante que ela seja, sem dúvida. Embora seja difícil estar longe da pátria, tentem, pelo menos no início, fazer uma imersão total na cultura do país de destino, isso ajudará a não ficar na interlíngua e a superar problemas de adaptação. E, por mais que saibamos que concebemos o mundo a partir de nossa cultura, ampliem a tolerância, estejam abertos um modo de ser diferente.

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