A busca pela perfeição cede lugar ao realismo

vanessa alves
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readSep 2, 2021

Por Vanessa Alves

Casa de Dança da Ópera da Rua Le Peletier (Le Foyer de la danse à l’Opéra de la rue Le Peletier), obra do pintor impressionista Edgar Degas. Fonte: Jornal Tornado

Estética. Disciplina. Braços e mãos. Pés. Postura. En dehors. Fundamentos. Essas palavras são apenas algumas das que estavam escritas no meu histórico de avaliações de balé e vinham acompanhadas de notas. Peguei o papel de uma pasta para ler no último fim de semana. Balé é parte da minha vida desde que eu tinha três anos. Depois de uma lesão horas antes de uma apresentação, doei todos os meus materiais. Jurei que nunca mais ia querer saber de balé na minha vida.

Eu não cumpri a promessa e me arrependi amargamente da decisão de ter parado de dançar após o incidente. Olhando aquele papel em minhas mãos, pensei que poderia ter obtido notas melhores, se nunca tivesse parado. Mas, por que isso era importante? Eu queria seguir carreira de bailarina profissional? Na verdade, nunca quis, embora ame o balé. O fato é que eu senti (spoiler: ainda sinto, porém menos) que ter notas perfeitas em tudo não é nada além de minha obrigação. Inclusive, quando esse texto for finalizado, com toda a certeza, eu encontrarei alguma imperfeição e me culparei por isso.

Mesmo balé profissional não sendo o meu sonho, entrei numa turma assim há quase um ano e, nela, permaneci até poucos dias atrás. Método russo (Vaganova) impecável, aplicado por alguns dos melhores professores de dança que Fortaleza já conheceu. Mas…a que preço para mim? A um preço alto, se levarmos em consideração a dedicação a um sonho que nunca foi meu. Não que seja a primeira vez.

Antes disso, tentava competir com estudantes que sonhavam com Medicina, ITA, IME…Nenhum desses era, de fato, meu sonho, que, no fundo, sempre foi trabalhar com escrita. Mas isso não importava. Eu sentia que precisava estar em primeiro lugar no ranking da classe, o que não aconteceu. O máximo que consegui foi uma segunda colocação num concurso de Língua Portuguesa. Depois da premiação, fui para casa arrasada, chorando quando fiquei sozinha, no carro, com meus pais. Afinal, segundo lugar não é primeiro.

Queria dizer que consigo me contentar com o que tenho. Detesto parecer ingrata. Mas a verdade é que ainda estou aprendendo a lidar com imperfeições. Faço o curso dos meus sonhos, porém, mesmo assim, nem sempre tiro notas máximas. Esse é um fator que me faz, às vezes, duvidar da minha capacidade e do meu futuro como jornalista. Hoje mesmo, fiquei pensando se outras pessoas poderiam fazer melhor proveito da minha vaga na universidade.

A última semana foi intensa. Fins de semestres letivos sempre são agitados. Além de os trabalhos da faculdade serem tantos que não me permitem alcançar sempre a excelência, saí do lugar onde praticava balé. Na quinta-feira, voltei a dançar num local que me fez feliz durante alguns meses. Não sou capaz de deixar o balé, não imagino minha vida sem ele. Eu me permiti tentar fazer aula de balé adulto, que não exigiria tanto de mim quanto o profissional, de formação.

Como eu disse, tentei. Não havia vaga nessa turma, apenas numa mais técnica, mais voltada à formação. Ironicamente, nela me encontro. E me encontro bem até então, pois as exigências técnicas são mais realistas. E eu também sou. Talvez Beyoncé esteja certa quando canta que a perfeição é a doença de uma nação. Não só de uma. Há pessoas ao redor do mundo todo que também exigem muito de si. Saber que não somos os únicos a ter certos sentimentos e sensações pode ser reconfortante.

Com a pandemia, a excessiva autocobrança ficou clara para mim enquanto defeito. Forçados a desacelerar a vida de antes, passamos a ter mais tempo para pensarmos sobre tudo, principalmente sobre nós mesmos. Não vou mentir para você, leitor, e dizer que não sou mais uma severa crítica de mim mesma. Contudo, hoje, lido melhor com a questão: percebi, testando, que, quando estou mais relaxada, menos preocupada com perfeição absoluta e inalcançável, meu desempenho, não só no balé, costuma melhorar. Aos poucos, busco me apegar a isso para me esquivar de pensamentos repetitivos e irreais. Enfim, preciso ir. Já é hora de vestir o collant e calçar as sapatilhas para dançar. Dessa vez, pura e simplesmente, por amor.

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