A colheita de seu Pedro

Gustavo Ferreira
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readApr 29, 2021

Aos 80 anos, o engenheiro agrônomo Pedro Jorge segue na ativa e colhe os frutos de uma trajetória pautada no respeito ao próximo e ao meio ambiente

Por Gustavo Ferreira

Seu Pedro no trabalho de campo / Arquivo pessoal

Nascido na Botija, localidade de Pacoti, na verdejante serra cearense de Guaramiranga, em 26 de junho de 1940, Pedro Jorge Bezerra Ferreira Lima é, como bom avô longevo, um colecionador de histórias. Daqueles que, quando começa a falar, toda a família imediatamente se cala para ouvi-lo, seja para narrar mais um episódio marcante de sua vida ou compartilhar um pouco de seu rico repertório. Dono de uma memória quase sobre-humana, ele ainda consegue reproduzir, integralmente e com absoluta precisão, sua primeira fala ao telefone quando criança, para se ter ideia.

Seu Pedro, como é hoje chamado, era o mais velho dos três filhos do agricultor José Albany Ferreira Lima e da servidora pública Valdívia Bezerra de Menezes. Em torno dele, já se criavam algumas expectativas e responsabilidades. Desde cedo, por exemplo, ajudava os pais na distribuição do leite que chegava da fazenda do tio e era entregue nas portas das casas dos amigos e familiares — uma renda extra para a família. Em pouco tempo de vida, já havia conhecido as três principais paisagens do Ceará: do clima ameno e úmido da serra, viajava periodicamente com a família para o semiárido seco do sertão, onde aprendeu a andar a cavalo e fazia passeios inesquecíveis, e aos cinco anos foi morar em contato com a brisa fresca da praia, em Caucaia. Finalmente, aos sete, mudou-se para Fortaleza, estabelecendo-se no bairro Monte Castelo. Pedro Jorge faz questão de salientar que viveu uma infância muito feliz e rica em experiências, as quais relata com visível prazer.

Foi crescendo e tornando-se um jovem responsável, sério, contido, reto. Obcecado por futebol, a paixão nacional, não se contentava em torcer para um único time: o Ferroviário dividia espaço em seu coração com Vasco e Palmeiras. Teve o privilégio de ver jogar, de dentro do estádio, um craque que atendia pelo nome de Pelé. Como um bom apreciador de longa data do esporte, seu Pedro é hoje uma enciclopédia futebolística viva, capaz de recitar escalações inteiras de equipes que já viu jogar. Além de praticar o futebol, gostava de encontrar os amigos, mas não deixava de ajudar o tio, o padre Abelardo, servindo como coroinha nas missas de domingo da igreja de São Gerardo.

Após concluir o colegial, foi aprovado no vestibular para o curso de Economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), mas logo o abandonou para cursar Engenharia Agronômica na mesma instituição, por influência de um grande amigo da época. Formou-se e teve uma vida profissional intensa dedicada à pesquisa e ao trabalho de campo, quando, em 1979, junto com a ex-prefeita de Fortaleza Maria Luiza Fontenele, fundou a ONG ESPLAR, onde até hoje trabalha. Passou a ter como marca uma grande paixão e zelo pela natureza, que se evidencia em sua preferência por produtos de origem orgânica e um apreço evidente por falar de plantas.

Casou-se, aos 25 anos, com Terezinha Meireles de Freitas, com quem teve cinco filhas, talvez na esperança de um dia vir um menino. Posteriormente, entre términos, desposou ainda mais duas mulheres, com as quais não deixou descendentes. Hoje, está solteiro e a prole é grande: tem dez netos.

Prestes a completar 81 anos, Seu Pedro encontra-se hoje recolhido, cumprindo à risca o isolamento social em razão da pandemia de covid-19. Embora já tendo tomado as duas doses da vacina contra o coronavírus, permanece cauteloso e fazendo sua parte, em respeito ao lockdown decretado pelo governador. Permite-se receber poucas visitas: uma filha lhe traz o almoço da semana, outra passa para deixar o dinheiro da faxineira, recebe outra para o almoço, um dos netos agenda uma entrevista para o trabalho da faculdade, e assim os dias vão se passando.

Nas horas vagas, consegue dar uma caminhada na área comum do condomínio, e, do 8º andar do seu apartamento, ele se permite contemplar da janela a vizinhança, percebendo os cheiros, os ruídos e até consegue avistar a serra, lá longe. Sua rotina é recheada de afazeres. Afinal, ele ainda está na ativa. Sua atividade intelectual, aliás, permanece intensa. Dias e dias participando de lives, entrevistas, seminários, elaborando relatórios e projetos.

Em junho de 2020, em meio à pandemia, a família se reuniu remotamente para celebrar os 80 anos de seu Pedro. As filhas montaram um painel de fotos e recordações, homenagens e depoimentos de amigos e familiares. O painel recebeu o nome “A Colheita”.

Como homem da terra que sempre foi, ele conhece como poucos o sentido da expressão “quem planta colhe”. E hoje seu Pedro recebe de volta o carinho, o cuidado, o zelo e o amor que plantou entre os seus familiares e amigos queridos.

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