A gente não está caminhando na direção correta”, alerta Gabriel Aguiar

Em entrevista ao EntreFios, o vereador de Fortaleza pelo Psol destaca a urgência no engajamento coletivo em prol da causa ambiental

Por Adelia Wirtzbiki, Gabriele Felix, Júlia Vasconcelos,
Lara Silva, Levi Macêdo e Gabriel Matos

O vereador Gabriel Aguiar no estúdio de TV do curso de Jornalismo da UFC / EntreFios

Em 2020, então aos 25 anos de idade, Gabriel Lima de Aguiar concorreu pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) à Câmara Municipal de Fortaleza. Eleito, tornou-se um dos vereadores mais jovens a compor a Casa Legislativa.

Com formação em Ciências Biológicas e mestrado em Ecologia e Recursos Naturais, ambos pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Gabriel tem desempenhado há mais de uma década — muito antes de seu ingresso no mundo da política — um trabalho relevante em prol da causa ambientalista cearense.

“Gabriel Biologia”, como é popularmente conhecido, utiliza sua voz para alertar sobre a importância da conservação ambiental, denunciando irregularidades e atendendo a chamados da população não somente em Fortaleza, mas em outros municípios cearenses. Por conta de sua atuação, chegou a receber ameaças de morte em redes sociais.

A equipe do EntreFios recebeu o vereador em 21 de novembro de 2022, no estúdio de TV do curso de Jornalismo da UFC, para uma conversa sobre o papel das Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, as principais ameaças ambientais no Ceará e sua atuação parlamentar, entre outros tópicos.

Confira a entrevista em vídeo e acompanhe a transcrição logo abaixo.

Gabriele Félix: Atualmente, você é um dos parlamentares mais jovens a compor a Câmara Municipal de Fortaleza, tendo assumido o cargo com apenas 25 anos. Quem o inspirou a entrar na vida pública?

Gabriel Aguiar: Eu acho que, mais do que “quem”, é um momento, né? A gente sente que precisa fazer alguma coisa, sente que existe uma lacuna. Um momento, um recorte histórico do momento que estamos passando. Tinha uma demanda muito grande de gente ocupando esse espaço. Aí a gente entendeu que, aquela frase que circula por aí: “Se não a gente, quem? Se não agora, quando?”. Aí nos juntamos, um grupo de amigos, desenhamos que ações a gente ia tomar e colocamos a candidatura pra população avaliar. Então, eu não acho que foi alguém, um nome em específico, uma pessoa, foi mais um cenário todo e a coletividade que nos colocou nesse contexto.

Adelia Wirtzbiki: O ativismo ambiental esteve presente em sua vida desde sempre. Você esteve envolvido, por exemplo, na ocupação do Parque do Cocó, em protesto contra a construção do viaduto nos cruzamentos das avenidas Engenheiro Santana Júnior e Antônio Sales. Durante a graduação, você também participou das ocupações estudantis que protestavam contra a PEC [Proposta de Emenda à Constituição] do teto de gastos. De que maneira o ativismo e a formação acadêmica refletem sua atuação parlamentar?

Gabriel Aguiar: Refletem de forma direta, ambos, tanto a academia quanto o ativismo ambiental. Primeiro, falando da academia, eu sempre tive o sonho, a vontade de cursar Biologia, de ser biólogo. Isso porque desde criancinha, ali, 5, 6 anos, eu já assistia àquelas fitas cassetes de documentários sobre a vida selvagem, sobre a fauna, sobre tudo e descobri que aquelas pessoas que estavam no documentário eram biólogas e eu queria estar fazendo exatamente aquilo. Então, lá pros 7 anos de idade, eu disse que queria fazer biologia e assim segui até o terceiro ano. Fiz o Enem e entrei no curso. Só que a visão que eu tinha de academia era… a vontade era de me trancar num laboratório, contribuir com novas descobertas, publicar artigos, descobrir espécies novas, ir pra mata, para campo. Eu não tinha a conexão com as pautas socioambientais. A partir da ocupação do Cocó, que foi colocada, e outros cenários que a gente viu, eu vi como uma [atuação acadêmica] tem necessidade da outra [ativismo ambiental]. As pautas socioambientais, as diversas lutas da cidade, do estado, do país também e precisam ter o estanque da ciência, da técnica, também do conhecimento racional, para você poder se posicionar. E da mesma forma também, o ativismo, que antes de ser vereador eu sou um ambientalista, [eu sou] ativista há uns 12 anos, dez anos… Eles são o sentido de ser do nosso mandato. As pautas que a gente toca hoje como mandato… As que a gente pode escolher, porque muitas vezes a gente não pode escolher, né? Mas as que a gente escolhe são as pautas que a gente sempre tratou nessa década de luta ambiental. Um dos principais trabalhos de um parlamentar, de um vereador, é fazer a ponte entre a sociedade civil e o Poder Executivo. No caso do município, é a prefeitura. Então, estar com o mandato de portas abertas para todos os movimentos, ambientais, sociais, ouvir aquelas demandas e concretizar aquilo em propostas legislativas ou em reunião com prefeito, com secretários, seja com quem for do Poder Executivo, é o nosso dia a dia de trabalho no mandato. Hoje, a gente pode estar nesse meio de campo, entre os movimentos e o Poder Executivo, e também entre a academia, os movimentos e o Poder Executivo. A gente não pode dizer que algo degrada o meio ambiente, ou afeta a saúde da população se a gente não tiver a ciência nos amparando. A gente precisa mostrar pareceres, artigos, publicações, coletar depoimentos de cientistas para tudo que a gente for defender. Então, essas três coisas — ativismo, academia e o parlamento — se misturam numa política baseada em evidências, que é o que a gente defende.

Júlia Vasconcelos: Você esteve presente na 26ª Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas, a COP 26, ocorrida na Escócia, em 2021. Como foi a experiência de representar a Câmara Municipal de Fortaleza em um evento desse porte ?

Gabriel Aguiar: Primeiro, gratidão muito grande pela Câmara por conceder essa missão. Uma grande responsabilidade de você ir com crachazinho representando, no caso, o Brasil pela Câmara [Municipal de Fortaleza]. É uma experiência muito única, porque eu nunca tinha ido. Então, têm dois lados da moeda, na COP. E eu sei que essa também foi assim e as passadas também. Tem um lado muito bom, uma espécie de congresso ambiental, em que você vai ter as maiores lideranças, políticos, movimentos sociais, representantes de povos originários, indígenas, todos ali, reunidos para tratar da mãe de todas as lutas, que é a luta pela mãe Terra. Então você poder estar nesse espaço com essas pessoas, conversar, ouvir, contribuir também é muito enriquecedor e fortalecedor para o que a gente defende. Esse é o lado bom. O lado ruim é uma frustração com quase sempre o que é o resultado das COPs. Comparando com o tamanho do enfrentamento que a gente precisa fazer com o cenário de emergência climática em que a gente tá hoje, os resultados das COPs sempre são muito aquém do necessário. Tanto é que o berço das COPs foi aqui, no Brasil, na Rio-92, e, de lá pra cá, 30 anos se passaram, e a gente duplicou as emissões de gases de efeito estufa. Considerando que a gente já deveria ter zerado [tais emissões], o mundo todo reduziu 7% de alguns anos pra cá, o Brasil aumentou 9% nos últimos anos. O mundo, como um todo, duplicou da primeira COP pra cá. Então a gente não está caminhando na direção correta. A gente se frustra em ver cada COP — primeiro era “mudanças climáticas”, depois virou “crise climática” — , cada COP vai atualizando. Depois virou “emergência climática”. Nessa COP, o presidente da COP falou em “inferno climático”. Os termos vão se aprofundando e ficando mais sérios; mas as ações, não. Então, o lado ruim é o lado da frustração que vem sempre depois da COP, de sentir que ela não deu a contribuição que precisava.

Levi Macêdo: Vereador, qual você acredita que foi o saldo da COP-27 para o Brasil?

Gabriel Aguiar: A COP teve dois dias a mais de prolongamento. Era pra ter terminado na sexta, esticaram para o sábado e esticaram para o domingo, porque eles estavam debatendo um assunto muito aquecido, que é o assunto central das últimas COPs e que nunca tinham conseguido bater o martelo e, dessa vez, conseguiram. Ainda que parcialmente, mas é uma decisão um tanto quanto revolucionária, que é no artigo que vai tratar de perdas e danos. A gente fala muito que a natureza está machucada, está doente, pela forma como a humanidade trata ela. Só que falar isso é muito reducionista, a humanidade não trata a natureza de forma homogênea. A gente tem países que estão industrializados há mais de 100 anos e têm outros países que nem iniciaram ainda sua industrialização; países muito ricos que têm sua riqueza construída em cima de muitos milhões de toneladas de gases de efeito estufa e países — que, inclusive, muitas vezes, foram usados como escada pro desenvolvimento de outros — que não emitiram gases de efeito estufa nessas quantidades e que são os primeiros a sofrer com as mudanças climáticas: deslizamentos extremos, secas prolongadas, enchentes, elevação do nível do mar, falta de alimentos, refugiados climáticos e por aí vai. Ou seja, as nações têm que ser tratadas de forma diferente no debate sobre justiça climática e quem vai pagar a conta do que foi causado. Dentro desse cenário, havia sido discutido por muito tempo uma espécie de fundo climático em que os países mais desenvolvidos pagassem pra transição energética dos menos… Aliás, não é nem legal falar “menos desenvolvidos”… Desses que são mais empobrecidos. E, aí, o tempo foi passando. Em 2009, foi assinado no relatório da COP um fundo de 100 bilhões ao ano para ser pago até 2020; nenhum centavo foi pago. O tempo passou, não dá mais tempo de pagar pra transição energética de outros países. Então, agora, o assunto é perdas e danos: os países mais ricos pagarem para os países mais empobrecidos pelos danos sociais e ambientais que estão sendo causados pelas mudanças climáticas. Foi confirmado isso, está no relatório assinado ontem, está nesse relatório final da COP que os países desenvolvidos vão pagar. O valor vai ser debatido na COP do ano que vem. Ainda não sabemos o valor, mas deve ser algo em torno de 250, 300 bilhões de dólares ao ano a ser pago para esses países não precisarem passar pela fase, pelo “lado sujo” do desenvolvimento, que é esse que degrada suas florestas, que emite toneladas de carbono, elimina povos originários, causa esse cenário todo que os países desenvolvidos causaram e causam hoje nos outros países. Além dessa questão do fundo de perdas e danos — que foi, sem dúvida, o maior ganho da COP — em outros, a gente, mais uma vez, deixou a desejar. Não foi colocado que os países devem caminhar para eliminar seus gases de efeito estufa, isso nem é citado. A única coisa que é citada no relatório final é que os países devem reduzir os incentivos fiscais incoerentes aos combustíveis fósseis. Ou seja, não é parar de usar, não é nem reduzir o uso do petróleo, do gás e do carvão, é só reduzir os incentivos fiscais, ou seja, os abatimentos de impostos que vários governos dão pra quem quiser explorar combustíveis fósseis. Então, está totalmente desconectado do tamanho da demanda que a gente tem, que é eliminar os combustíveis fósseis pra ontem. O limite de 1,5ºC a mais do que os níveis pré-industriais foi mantido. Então, esse é o teto que se entende que passar disso significa, de fato, entrar nesse — como foi dito no início da COP — “inferno climático”. A perspectiva, infelizmente, é de que dentro de 10, 15 anos a gente passe desse 1,5ºC.

Gabriele Félix: Vereador, em O Dragão Nuclear, filme lançado este ano por você e sua equipe, há o alerta para o risco de extração de urânio em Santa Quitéria, que afetaria não só [o município de] Santa Quitéria, mas todo o Ceará. Quais seriam as possíveis consequências a partir da violação dos protocolos desse projeto?

Gabriel Aguiar: Bom, essa, hoje, eu considero a maior ameaça ambiental ao estado do Ceará. A gente está falando da maior jazida de urânio do Brasil, uma das maiores do mundo. São 68 milhões de toneladas de minério enterrados ali embaixo da serra de Santa Quitéria, um município no nosso semiárido, extremamente seco, que sofre com a escassez hídrica o tempo todo e que tem ainda um bioma da Caatinga preservadíssimo com espécies de grande porte, como a onça-parda e várias espécies ameaçadas de extinção e que tem, na sua comunidade rural, as principais fontes de renda como a criação de animais e a agricultura. A exploração de urânio lá em Santa Quitéria já é uma vontade de certos grupos há quase seis décadas, se não me engano. Já tentaram, diversas vezes, iniciar. Essa vai ser a terceira tentativa formal, que estava recebendo integral apoio do governo que, agora, está apagando a luz e fechando a porta. A extração de urânio significa utilizar cerca de 150 carros-pipas por hora. A cidade inteira utiliza cerca de 125 carros-pipas por mês. Então, tem uma insegurança hídrica profunda. Significa dinamitar algumas das cavernas que existem lá, abrigando espécies ameaçadas de extinção, morcegos. As dezenas de milhares de morcegos que polinizam toda a Caatinga também seriam eliminadas com essas explosões. Desmatar uma área massiva e retirar do solo 4.600 toneladas de urânio por ano, no yellowcake, que é o concentrado de urânio; licor de urânio, que seria transportado da mina de Santa Quitéria até o Porto do Pecém, aqui do lado [na cidade de São Gonçalo do Amarante, no litoral oeste do Ceará], [atravessando] Caucaia e São Gonçalo do Amarante. E o fosfato, que separa do urânio, viria para Fortaleza — dizem eles, sem contaminação radioativa. O urânio emite partículas alfa, beta e radiação gama, que alteram o DNA de células que entram em contato com isso, causando diversos tipos de câncer e várias outras doenças. O índice de câncer na região já é muito alto. Em outros lugares, como em Caetité, na Bahia, em que já foi explorado urânio, o índice de câncer aumentou em 30%, com a extração de 430 toneladas por ano; e não 4.600 [toneladas por ano], como seria a daqui [de Santa Quitéria]. Então, a ameaça é muito brutal para toda a população de Santa Quitéria, para todo o trajeto até Fortaleza e São Gonçalo do Amarante. E isso sem falar de potenciais acidentes, né? Como você falou, se protocolos forem violados e acidentes ocorrerem, a gente pode estar falando de desastres gravíssimos, como o licor de urânio vazando no oceano Atlântico, no rio Acaraú, nas nossas estradas. Então é muito grave. De todas as perspectivas que você analisar a exploração de urânio aqui, a gente espera que essa ideia fique enterrada junto com o urânio.

Adelia Wirtzbiki: Como aponta o plano plurianual de Fortaleza, apenas 6,7% do território da cidade é composto por áreas verdes. Valor esse que, de acordo com o documento, é insuficiente para a manutenção da qualidade de vida. No ano passado [2021], também vimos um incêndio consumir 46 hectares de vegetação do Parque do Cocó. Em suas redes sociais, Gabriel, você denuncia os perigos da especulação imobiliária sobre uma área de quase 50 hectares na Mata do Miriú, nas Dunas da Sabiaguaba. De que maneira seria possível garantir a maior preservação dessas áreas?

Gabriel Aguiar: Fortaleza foi uma cidade que se instalou no território muito rapidamente. Um território que, no passado, era conhecido como Marajaitiba. Aqui era terra dos povos Tremembés, Tarairiús. Aqui se tinha uma vegetação abundante de complexo vegetacional costeiro com manguezais, Mata Atlântica, vegetação de dunas, Caatinga, Cerrado também. Isso desapareceu. Esses pouco mais de 6% de área verde, muitos são praças. Às vezes, contam até campos de futebol, dependendo. Não são vegetação original. De vegetação original, em 2015, a gente tinha 1,9%. Hoje, isso, com certeza, é bem menor, dadas essas várias degradações que você citou e outras que estão querendo fazer. Então, a cidade, por muito tempo, cresceu com o paradigma… as cidades, né? De que elas precisariam se afastar, ao máximo, da estética da paisagem natural, preservada. Então, o bonito era um shopping, um viaduto, uma avenida grande, postes. Daí vêm as expressões “ali é tudo mato!”, “o terreno tá sujo, vou limpar”; limpar é desmatar. “Vou rebolar no mato!”. Então, é uma cultura que foi transformada, do ponto de vista acadêmico. Hoje, os arquitetos e urbanistas entendem que você tem que fazer soluções baseadas na natureza. Misturar a estética do concreto com a estética verde, mas as cidades não acompanharam ainda. Hoje, você ainda tem um estado-corporação que gere a cidade intrincado com o mercado imobiliário e as vontades da sociedade. Então a preservação da natureza, que é um bem difuso — não é meu; não é de vocês; não é de ninguém que comprar um terreno, é da sociedade como um todo —, ele tem que ser protegido pelo Estado. A gente vê que, hoje, infelizmente, não é. Hoje, o dinheiro é quem manda. Então, a especulação imobiliária, a tendência, se não houver movimentos sociais e pessoas engajadas, é não haver mais qualquer porcentagem de área verde original na cidade. Hoje, a gente tem 84,6% da população brasileira ocupando cidades. As cidades são só 0,6% do território nacional. Então, 99,4% do país não é cidade. Fortaleza, uma metrópole, ela vai ter uma força muito intensa de devastar tudo: lagoas, rios, riachos, praias, manguezais, áreas de preservação permanentes. Se não houver uma contraforça, não sobrará nada. Para a gente viver em uma cidade que não alague, que não tenha extremos térmicos, que tenha uma amortecimento das mudanças climáticas, que não precise gastar uma fortuna com saneamento e drenagens porque ainda existem áreas impermeáveis, que tenha lugares para contemplar fauna e flora, praças, sombra, que consiga descortinar; renaturalizar seus recursos hídricos, ter alguma gota d’água ainda limpa; que hoje não temos, porque todos os recursos hídricos de Fortaleza estão poluídos, a gente precisa repensar o modelo de cidade e fazer uma reforma que direcione a nossa cidade para outro caminho.

Júlia Vasconcelos: Nas redes sociais, além de mostrar a sua atuação enquanto vereador, você também fala muito sobre o trabalho realizado em outros municípios, né? Como nos casos da retirada dos pescadores da cidade do Fortim, do desmatamento na Lagoa do Paraíso, em Jijoca de Jericoacoara, e da já mencionada luta contra a exploração de urânio em Santa Quitéria. Diante dessa atuação no âmbito regional, como é que foi decidida essa candidatura como deputado federal, e não estadual?

Gabriel Aguiar: Perfeito. Bom, de fato, assim, nosso mandato é chamado com frequência para outras cidades, o que é um desafio pra gente porque a gente tem uma jurisdição municipal. Então, como vereador, eu só atuo em Fortaleza. Quando eu passo dos limites de Fortaleza, é uma atuação voluntária, eu acho que mais de ambientalista. Assim como o nosso mandato é composto, sobretudo, por ambientalistas de diversas áreas, é difícil você negar um chamado desse. Aí, geralmente, a gente vai num sábado ou num domingo, quando a gente não tá em expediente, vai fazer esse trabalho em outros municípios. O mandato… A luta por conquistar o mandato federal vem, da mesma forma como o de vereador, de uma necessidade. A gente tem, hoje, sempre dois terços dos parlamentares federais votando contra a natureza. Quando você vai pra votações de unidades de conservação, povos indígenas, crimes ambientais, o próprio sistema nacional do meio ambiente como um todo, sempre o meio ambiente perde nas votações nacionais e todas as grandes legislações e pautas do meio ambiente são definidas a nível nacional. Então a gente precisa, com urgência, principalmente pra falar da pauta climática, ter cadeiras no Congresso Nacional. E não temos. E o nosso partido, aqui do Ceará, o Psol, ainda não tem também um assento representando o Ceará no Congresso Nacional. Então, a gente entendeu que há uma necessidade. Sem dúvida, para deputado estadual tem mais… é mais fácil, digamos assim, você conseguir. Não que seja fácil, é muito difícil também, mas pra federal é… a gente avaliou, é a demanda que se coloca. Assim como pra vereador, todos colocavam como impossível também e a gente conseguiu, com muito apoio e fortalecimento da sociedade, um mandato. E aí estamos nessa luta, continuando, que dessa vez não conseguimos entrar, apesar de ter sido uma campanha muito bonita, que a gente se envolveu muito, mas vamos seguir nessa luta também porque há uma necessidade. Assim como na Assembleia Legislativa também têm e nas câmaras municipais também têm, mas, no contexto que a gente tem, de urgência, a gente precisa ser muito ousado.

Levi Macêdo: Na condição de agente da causa ambiental, você se recusa a distribuir santinhos na sua campanha e adotou a prática de ir às ruas, mostrar seu nome e o seu número com um cartaz, uma placa, sendo essa uma maneira simples de divulgação. Para você, não ter distribuído panfletos na sua campanha pode ter tido algum prejuízo em relação a isso?

Gabriel Aguiar: Bom, é difícil responder com segurança essa pergunta, mas, de fato, a gente adota essa prática de reduzir ao máximo os resíduos gerados na campanha, tentar fazer uma campanha a mais limpa possível. Eu acho que é um consenso em toda a população que no período eleitoral a poluição das ruas é… Ninguém apoia. Você andar e ver aqueles milhares de santinhos no chão, cobrindo bueiro, entupindo, indo parar nas praias, no oceano, é uma coisa que ninguém acha bonito, mas a prática se mantém, porque é, de certa forma, fácil você só estar ali distribuindo. Então, a gente tenta e vamos seguir dessa forma: campanhas com menos papel e mais diálogo. Acho que até, havendo próximas, nas próximas a gente vai usar ainda menos do que usamos nas passadas, cortando mais outros materiais além dos que a gente já cortou. É difícil eu saber o quanto… se houve perda e quanto houve em termos de voto em não usar esse método, porque a gente também atrai muitos olhares e tem um carisma também de você não utilizar. Então, você também ganha votos por fazer uma campanha limpa. Então, é um diferencial da campanha que, se as pessoas se envolverem e elas mesmas se tornarem agentes da campanha, divulgando, falando pra familiares, amigos, o panfleto se torna obsoleto. Então, a gente acredita muito nisso; que uma campanha que tenha diálogo, que as pessoas não apenas votem, mas se envolvam na campanha e divulguem, convençam pessoas próximas, tem um efeito muito maior do que o panfleto. E, de uma forma ou de outra, a gente teve quase 40 mil votos sem usar papel, sem entregar nada, e várias outras candidaturas gastaram milhões de reais com papel, com panfleto, e tiveram uma votação muito abaixo. Em Fortaleza, nós fomos o oitavo mais votado sem entregar um panfleto, então, independente de ter conseguido ou não a cadeira, a gente conseguiu mostrar mais uma vez e provar que dá pra você conseguir uma boa votação sem estar poluindo as ruas. Então, para além do voto e para além da vitória ou da derrota eleitoral, as campanhas têm um caráter pedagógico, tanto porque você vai estar ali dialogando sobre as pautas, colocando propostas, fazendo a população, junto com você, pensar; quanto também você vai estar apresentando uma nova forma de fazer política. Com menos papel e mais diálogo, então a gente entende que foi vitorioso esse método e vamos continuar sempre fiéis ao que a gente adota e entende como correto.

Gabriele Félix: Vereador, além das mais de 300 propostas apresentadas para a Câmara dos Deputados, sua campanha chamou atenção por um motivo, no mínimo, curioso: a promessa de pedalar de Fortaleza até Brasília, caso fosse eleito parlamentar federal. De onde surgiu essa ideia?

Gabriel Aguiar: Bom, eu sempre gostei de bicicleta. Desde criancinha, pedalo, sempre fiz viagens pedalando. Era meu veículo principal na faculdade, no mestrado. Não consigo isso agora por conta da correria das agendas e da roupa social, atrapalha também, mas, sempre que posso, eu estou pedalando e a vontade de fazer uma viagem grande sempre existiu, independente de candidatura, sempre quis atravessar o estado, atravessar o país de bicicleta e, aí, juntei as duas coisas. O símbolo da bicicleta, que a gente entende como um símbolo forte de um mundo melhor, de uma outra relação com as pessoas, com a cidade, com a natureza… é um transporte zero carbono, movido só pela água que o ciclista bebe, ou a ciclista e teria um símbolo muito importante da gente passar nos lugares que a gente passou pedindo voto no nosso estado. Então, a gente fazer uma rota agradecendo às pessoas para, depois, fazer o esforço até Brasília e chegar lá de bicicleta, ir daqui para lá sem nada de gases de efeito estufa é algo que a gente se encanta em propôr. Muita gente achou que era uma promessa e não uma proposta, que era algo… só uma frase solta, mas não, a gente, de fato… Eu inclusive mantenho, já estava me exercitando pensando nisso e continuo o exercício pra quando precisar a gente estar em dia. E estamos, agora, adaptando ao contexto do município. Fizemos um primeiro percurso de bicicleta e vamos seguir fazendo. A gente fez da Lagoa da Messejana até a Barra do Ceará, na foz do Rio Ceará, e vamos fazer percurso pelos Cucas, vamos fazer percurso pelas unidades de conservação, vamos fazer rotas que atraiam atenção pra pautas da cidade né, áreas sem saneamento e por aí vai. Então, ficou o legado da proposta. Não fomos à Brasília, porque não fomos eleitos, mas vamos adotar bicicleta como forma de comunicação aqui em Fortaleza e no estado.

Adelia Wirtzbiki: O Brasil lidera a lista de países que mais assassinaram ambientalistas de acordo com um relatório da Global Witness do ano passado. Em 2020, você relatou ter sido alvo de dezenas de ofensas, ataques pessoais e até mesmo ameaças de morte depois que você denunciou nas suas redes sociais atividades ilegais de off-road nas dunas da Sabiaguaba. Quais os impactos dessa violência na sua vida pessoal e na sua atuação enquanto parlamentar?

Gabriel Aguiar: Bom, de fato, o Brasil é um país muito inseguro para ambientalistas, pelo contexto todo de conflitos aprofundados, sobretudo na zona rural. A gente tem um grande marco, que foi o assassinato do Chico Mendes, com 42 tiros, que era um… provavelmente, o maior ambientalista que a gente tem, não no Brasil, no mundo. Que foi a base dos conceitos de desenvolvimento sustentável, que dá nome ao ICMBio, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, que era um líder sindical, então, presidente do Sindicato dos Seringueiros de Xapuri. Então, ele consegue juntar a luta dos trabalhadores com a luta ambiental, que é uma demanda que a gente tem, que a gente fala a luta que… que junte o problema do fim do mundo com o problema do fim do mês, e ele fazia isso. Então, apesar de ter morrido, nos ensina muito sobre isso tudo. E é um marco de um dos vários assassinatos de ambientalistas, que a gente tem uma lista muito grande aqui no país. As ameaças não são só de morte, tem diversos outros tipos de ameaça, tem também uma perseguição jurídica… processo. Processam muito ambientalistas, perseguem as lutas populares, a gente também sofre alguns processos. Hoje, por conta dessas ameaças de morte, tiveram outras em seguida também. Eu sou assistido pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que é um programa do estado, que tem advogados, assistentes sociais, psicólogos. São conectados com a rede de proteção da polícia né, que fazem o monitoramento e acompanhamento de ativistas que lutam por direitos humanos e da natureza. Então, no momento da ameaça de morte, você tem uma sequência de dias extremamente desconfortáveis, isso é o perigo, isso é o ruim da ameaça, ela é uma violência que não é aquela mensagem, aquela ligação. Ela é uma violência que ela dura enquanto você ainda estiver pensando naquilo, porque as suas atividades do cotidiano, de ir pra um lugar, de ir pra uma reunião, de entrar numa área verde, você passa a sempre estar com essa ameaça ecoando na cabeça. Então, o Programa de Proteção, eu faço questão de defendê-lo, porque ele é muito bom, ele busca tanto dar proteção aos defensores quanto também garantir que eles continuem defendendo os direitos humanos e o meio ambiente, porque existem muitas pessoas que são ativistas engajadíssimas e, com ameaças, se calam né. E eu também não julgo, porque você tem que sempre balancear as duas coisas. Tenho colegas que tiveram que ir embora, ir pra outros estados… daqui de Fortaleza mesmo. Então, a gente tinha uma rede social, a gente tinha visibilidade, de certa forma, uma figura pública, tinha uma rede de apoio, mas isso é exceção. A maioria não vai ter nada disso, a maioria vai estar na luta ambiental na zona rural, no meio da floresta, em áreas que especuladores e o agronegócio avançam com muita violência, então não têm a oportunidade da visibilidade ou ter acesso a um programa. Então, infelizmente, esse cenário ele silencia muitos ambientalistas, ele elimina muitos ambientalistas e ele, com certeza, enfraquece muito a resistência contra a degradação da natureza.

Júlia Vasconcelos: Em fevereiro deste ano, você protocolou, juntamente com o vereador Júlio Brizzi, do PDT, 17 projetos de leis referentes aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que fazem parte da Agenda 2030 da ONU [Organização das Nações Unidas]. As propostas dizem respeito a temas como proteção ambiental, saneamento básico, direitos trabalhistas e cultura e lazer. Como surgiu a ideia de propor, em regime de coautoria, esses projetos de lei?

Gabriel Aguiar: Perfeito. Então, a agenda 2030, ela é uma agenda da ONU, está muito ligada às COPs também, que a gente está conversando, que ela coloca dezessete objetivos globais pro mundo buscar alcançar ou alcançar até 2030. Então, daqui a oito anos. Então, todos eles estão, se você olhar hoje, bem distantes. Erradicação da pobreza, erradicação da fome justiça e oportunidades para meninas e mulheres. São pautas assim que foram colocadas já há um bom tempo, mas que a gente ainda está distante em várias frentes; mas, em várias, avançamos. Então, eu me juntei com o vereador Júlio Brizzi, que é da base da Prefeitura, para a gente conseguir fazer propostas que, de fato, avançassem e que fossem abraçadas por todas as forças políticas da Câmara e do Executivo também, que a gente precisa construir alguns consensos, né? A Agenda 2030 já está em vários documentos da Prefeitura de Fortaleza, dessa e das gestões passadas, então ela já é uma base do Fortaleza 2040, do Plano Diretor e de uma série de outras questões. Então, faria sentido ser abraçada. Então, a gente fez um Projeto de Lei para cada um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, para ser aprovado na Câmara e se tornar lei. Então, a gente ainda está nessa luta lá. Eles ainda não foram aprovados, mas já tramitaram, tiveram pareceres, então estamos aguardando eles avançarem para irem para o Plenário e serem votados. Tem projetos muito bons ali, muito legais, que a gente, conseguindo aprovar, vai mudar várias questões em Fortaleza. Tanto, como você falou, para as áreas de conservação do meio ambiente, quanto para várias pautas socioambientais que estão na Agenda 2030.

Levi Macêdo: Vereador, como podemos incentivar mais jovens a fazerem parte, ativamente, dessas ações com fins ambientais?

Gabriel Aguiar: Explicar para as crianças que elas têm voz. Inclusive, quem está puxando, agora, os movimentos mundiais são os jovens. A Greta Thunberg, quando alavanca como liderança climática, tinha dezesseis anos e já estava há alguns anos na luta ambiental. Então, é um movimento, sobretudo, jovem, de crianças, de adolescentes e de jovens adultos também, que puxam essas pautas. E, claro, não poderia deixar de falar da educação. A gente teve, na COP, inclusive, uma das principais bandeiras: a educação climática. Então, levar para os planos pedagógicos, para o que se ensina na sala de aula, não só, na Geografia, falar de gases de efeito estufa, mas fazer educação climática integrada, porque essa tarefa, esse desafio geracional está no colo deles e delas. Então, o que as gerações passadas fizeram com o planeta, são as novas gerações que vão ter que resolver e a escola é o lugar de aprender essa responsabilidade e também os caminhos para resolver o problema da nossa casa.

Levi Macêdo: Com metade do seu mandato concluído, quais são as suas expectativas para os próximos dois anos de atuação na Câmara Municipal de Fortaleza?

Gabriel Aguiar: Perfeito. De fato, estamos concluindo a metade agora. Dois anos. Foram dois anos muito intensos, de muito trabalho da equipe como um todo. Tanto com o pé no chão, junto às comunidades, que têm visitas diárias do nosso mandato, é um mandato muito próximo da população, quanto no trabalho do Parlamento, com produções legislativas. A gente tem 51 projetos de Lei de autoria do nosso mandato tramitando hoje. Então, deve estar entre as maiores ou a maior produção legislativa da Câmara e temos ainda dois anos de mandato. A gente havia feito duzentas propostas na campanha de vereador e já executamos mais de cento e trinta. Então, em dois anos, a gente já passou bastante da metade das propostas. Queremos concluir, no próximo ano, as duzentas. E as perspectivas, eu acho que, do trabalho parlamentar, estão muito ligadas a cobrar, pressionar, ser ainda mais incisivo nas propostas que nós fizemos nesses dois anos, que a gente não quer propor, a gente que aprovar. Propor é o primeiro passo; a gente quer aprovar e quer ver as transformações no município. Então, o nosso mandato é muito agarrado no resultado, então a gente quer, de fato, conquistar as transformações que a gente foi eleito para conquistar. E a gente sabe que isso é um processo; quatro anos é muito pouco, mas a gente tem que estar agarrado a isso. Então, avançar no saneamento básico de Fortaleza, a gente está nessa luta constantemente, avançar na garantia de direitos e protagonismo dos catadores e catadoras de materiais recicláveis, que são invisibilizados e estão na ponta do saneamento de Fortaleza, conseguir assegurar proteção das áreas de proteção ambiental, renaturalizar riachos, pressionar para a prefeitura fazer isso, conseguir emplacar a ideia do saneamento básico baseado na natureza, não só obras de infraestrutura, mas, às vezes, desfazer alguns erros da urbanização, a garantia de direito para os trabalhadores de diversas categorias, de servidores públicos, que a gente tem lutado também, e várias outras pautas. Criar unidades de conservação; a gente tem, hoje, o Projeto de Lei para criar a unidade de conservação das dunas da Mata do Miriú, que é uma área que estão querendo devastar, a unidade de conservação das tartarugas de Fortaleza, pegando, ali, a Praia do Futuro, a área de desova, e várias outras leis que a gente quer conseguir aprovar de fato. Então, estamos nessa luta, agora, na Câmara e esses dois anos vão ser ainda mais intensos do que esses dois primeiros, que agora a gente aprendeu muito também e vai conseguir agir com muito mais objetividade, para, de fato, aprovar os projetos e conseguir as vitórias para a população.

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