Bom dia, Sr. Elias!

Gabriele Félix
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readDec 7, 2022

Rostinho de 70 e vigor que deixaria qualquer universitário com inveja. Aos 92 anos, Elias Félix de Sousa compartilha sobre as vivências e as saudades de um quixeramobinense desassossegado pela solidão, mesmo entre os mais afetuosos amigos

Por Gabriele Félix

Sr. Elias Félix esperando os vizinhos para mais uma tarde de conversa / Arquivo pessoal

Risadas frouxas e calorosos “bom dia”. Essa costuma ser a rotina matinal de Elias Félix de Sousa, ou Sr. Elias, como é conhecido na vizinhança. Identidade, aliás, arranjada às presas pela mãe e pelo padre, que recusou o batismo enquanto o nome escolhido fosse igual ao de um dos sacerdotes mais populares da igreja católica: Cícero.

Pode não ter conseguido adotar a alcunha, mas quem conhece o Sr. Elias garante que a simpatia e o prestígio social certamente devem ter sido bênçãos de Padim Ciço. Engana-se quem pensa que a longa caminhada pela vida lhe cansou as pernas. Sr.Elias faz questão de se manter na ativa e, para isso, passeia pela cidade diariamente, atividade que rende grandes histórias e muitos novos amigos.

Aos 92 anos, gosta de resolver suas coisas sozinho, sem depender de ninguém. Independência essa que começou a ser exigida logo aos 4 anos de idade, quando começou a trabalhar no roçado para ajudar a família humilde. “Meu livro era uma enxada e a caneta uma foiça”, reflete.

Sem a oportunidade de ter tido uma educação formal e tendo parado os estudos ainda na Cartilha do ABC, Elias viu a necessidade de se mudar de Quixeramobim para Fortaleza no intuito que seus filhos, Hélio e Adail, tivessem um destino diferente. E a decisão rendeu recompensas. Hoje, orgulha-se dos filhos e netas formados. Dois professores na família, a propósito.

Inscrição 270. Um número comum para muitos, mas memorável para Elias. O valor corresponde à validação de seu comércio, uma pequena mercearia que serviu de palco para boas conversas e o sustento de uma família. A profissão de comerciante foi inspirada pelo pai, Antônio Félix, que ocupou o filho como despachante de seu pequeno fundo de cimento, em Quixeramobim. A partir daí, foi tomando gosto pelos afazeres e, quando a necessidade surgiu, viu naquele aprendizado a oportunidade de seguir sua própria vida.

Já em Fortaleza, começou a despachar produtos e vender fiado aos vizinhos. Era a deixa para que a mercearia voltasse. Desde então, tornou-se o grande Sr. Elias! Um dos personagens mais marcantes do bairro onde mora até hoje. Um homem digno de abraços, acenos simpáticos e cafés da tarde patrocinados pelas vizinhas e amigas.

Porém, nem só de sorrisos vive o homem. Com o avanço da idade, vem também as perdas. Hoje, mora sozinho. Perto de muitos familiares e amigos, claro. A solidão, contudo, é uma companheira inevitável. Viúvo e com os filhos já vivendo suas respectivas histórias, o sentimento de exílio parece implacável.

Para quem vê de fora, o afável Sr. Elias parece inabalável. “O que mais marca é a gente ficar só. Porque a vida sozinho não é boa. Não tem graça a vida só”, a resposta rápida traduz o sentimento mais marcante para ele ao longo dos anos. Não tarda para o sorriso voltar ao rosto e, mais uma vez, a gratidão tomar conta. Quando perguntado sobre o segredo para viver tanto, ele revela: trabalhar e ter amigos. Enquanto tiver saúde. Sempre.

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Gabriele Félix
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Aspirante a jornalista. Divagadora nas horas vagas - que são raras.