Capítulos marcantes do livro da vida

Júlia de Andrade
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readAug 11, 2022

Fran Vasconcelos relembra momentos marcantes da sua carreira e como a História fortaleceu e faz parte da sua jornada

Por Júlia de Andrade

Francineide Vasconcelos / Arquivo pessoal

Do sofá da sala, num domingo tranquilo, Francineide conta os desafios de crescer em Tianguá, cidade no topo da serra da Ibiapaba, no interior do Ceará. Sem muitas opções de lazer, era quase impossível fugir das fofocas, especulações e julgamentos, afinal, ali todo mundo se conhece e sabe um da vida do outro — “as chamadas detrações”, complementa a advogada.

Durante sua infância e juventude, vir passar as férias na capital, Fortaleza, sempre foi motivo de festa. Além da fuga do cotidiano interiorano, ver o mar e conhecer as novidades da cidade grande sempre lhe caíram muito bem. Foi como percebeu que era apaixonada por viajar. Quando voltava para casa, permanecia quase dois meses com a mala ainda feita . “A depressão pós-viagem demorava a passar”.

Aos 18 anos, começou a cursar enfermagem na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral. Na época, o polo universitário da região se concentrava na cidade. Por um longo período, fazia diariamente o trajeto de 180 quilômetros para ir e voltar das aulas para casa, tal qual vários outros colegas de outras regiões do estado.

Ela conta que a graduação foi tranquila. No começo, como qualquer estudante da área da saúde, ficou impactada com o contato direto com cadáveres nas aulas de anatomia. Nos estágios, passou pelas aulas práticas e lidava bem com pacientes.

Quando se formou, finalmente teve a oportunidade de se mudar para Fortaleza e fazer sua especialização. Foi no Hospital do Coração de Messejana onde viveu seus primeiros plantões noturnos e lidou diretamente com a agilidade que a Emergência Hospitalar exige. Lidou, cara a cara, com a incubência de salvar vidas, bem como com a morte.

Anos depois, foi aprovada em um concurso para atuação na Secretaria de Saúde do Distrito Federal, o que lhe proporcionou contato direto com o Sistema Único de Saúde (SUS).

“Foi uma experiência muito gratificante, de muito aprendizado. Quando você estuda o SUS, vê que é um projeto belíssimo e que, se funcionasse de acordo com o que tá no papel, seria o que o mundo poderia ter de melhor em relação à saúde.”

Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), na região administrativa de São Sebastião, em Brasília, trabalhou na classificação de risco, uma espécie de triagem, e lidou diretamente com pacientes. O cotidiano era agitado e contava sempre com “acidentes com arma branca, acidente com arma de fogo, tentativa de suicídio… A região era muito violenta”, relata.

Aos poucos percebeu que as condições de trabalho comprometeram, por longos anos, a sua saúde física e mental. Aos 34, com dois filhos pequenos e agitados plantões noturnos na rotina, a moça de mechas loiras percebeu que o cotidiano hospitalar não era mais a sua praia e deu início à mudança de carreira: prestou vestibular, foi aprovada e matriculou-se em Direito.

A sua idade era muito diferente da maioria dos outros alunos da classe. Era um “sentimento de que eu não deveria estar ali, tipo um peixe fora d’água”. Ainda havia uma cobrança e pressão extra em relação às notas e conhecimento, situação que foi contornada com comprometimento e determinação.

Logo nos primeiros semestres, apaixonou-se pelo curso. Amante da História, fascinou-se pelo Império Romano, que originou todo o Direito. O encanto era tão grande que a sensação foi de o tempo ter passado muito rápido, mesmo com a rotina que lhe exigia a conciliação entre o trabalho, os estudos e as crianças.

Fran, como prefere ser chamada, emociona-se ao contar do dia em que foi aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Estava desacreditada devido a um erro que pensava ter cometido durante a prova. Mesmo assim, abriu a lista de aprovados para verificar se uma colega havia passado e se deparou com seu próprio nome. As lágrimas caem: “Foi a maior emoção da minha vida”. O sonho se realizou com nota 9.

Terminou o curso com bons resultados, sem reprovações e conciliando bem todos os eixos de sua vida. Após a graduação, manteve o hábito da leitura como um hobby.

Ela menciona a sua grande afeição por biografias e tudo o que envolva História. Eduardo Galeano e Rodrigo Alvarez são alguns dos autores que mais aprecia. Acredita que o olhar de jornalista lhes confere uma maneira especial de contar suas histórias. Por isso, ficou muito satisfeita quando sua filha optou pela carreira.

Além dos livros, gosta de séries que abordam temáticas históricas. Adorou assistir a O Grande Guerreiro Otomano, na Netflix, e mal pode esperar pelo lançamento da próxima temporada de The Last Kingdom, adaptada das Crônicas Saxônicas.

Seu apreço pela História também reverbera nos seus sonhos e planos futuros. Quer ir a Portugal, onde mora seu filho mais novo, e iniciar um passeio pela Europa. Pretende começar a jornada pelo caminho de Santiago, no norte da Espanha.

Certamente, não irá deixar de ir à Alemanha e ver os campos de concentração do holocausto de perto. E, claro, quer ir à Itália conhecer os cenários de tudo aquilo que lhe fascinou nos tempos de graduação. Afinal, isso é viver a História enquanto escreve a sua.

--

--