Carla Zambelli faz declarações questionáveis em entrevista ao UOL

Guilherme Martins
EntreFios - tecendo narrativas
7 min readJul 20, 2021

EntreFios verificou afirmações feitas pela deputada federal pelo PSL-SP; foram três declarações “verdadeiras, mas”, uma “falsa” e uma “exagerada"

Por Carolina Galvão, Guilherme Martins,
Julia F. Fraga, Letícia Farias e Nara Santos

A deputada Carla Zambelli / Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O EntreFios checou a veracidade de cinco declarações feitas pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) em entrevista concedida ao site UOL, em 24 de junho.

Na ocasião, a deputada comentou sobre questões relacionadas à compra de vacinas e às acusações contra o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

Diante de tais declarações, nosso time de checagem categorizou três das afirmações como “verdadeiras, mas” (quando há ponderações quanto ao que é dito), uma como “falsa” e uma como “exagerada”.

O EntreFios se utilizou do método de verificação da Agência Lupa para checar as declarações da deputada Carla Zambelli e, assim, atribuir marcadores às afirmações da entrevistada.

Confira a seguir a checagem das declarações selecionadas pela equipe do EntreFios.

VERDADEIRO, MAS

“[A vacina que Eduardo Pazuello começou a comercializar por 40 dólares, conseguindo baixar para dez dólares] foi a Pfizer. Na medida em que os e-mails foram sendo trocados, etc., a vacina baixou para dez dólares”

Carla Zambelli comentou, em entrevista ao UOL, uma situação envolvendo o depoimento do ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello na CPI da Covid-19. A situação citada pela deputada, na verdade, tratava sobre a aliança internacional, Covax Facility, projeto que consiste na reunião de vários países para a compra de diferentes vacinas aprovadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Essa iniciativa inclui a compra de pelo menos seis diferentes vacinas e teve seu valor iniciado em 40 dólares por vacina e posteriormente reduzido para 10 dólares por vacina. Diante disso, a fala da deputada não é completamente verdadeira, pois a vacina da Pfizer era apenas uma entre diferentes vacinas que estravam sendo negociadas em conjunto.

VERDADEIRO, MAS

“O [ministro do STF] Alexandre de Moraes, de ofício, decretou uma prisão [do deputado federal Daniel Silveira, do PTB-RJ] sem ação aberta”

Ao ser questionada sobre as investigações sobre o caso da compra da Covaxin pelo governo federal — a pauta mais quente da CPI da Covid, no Senado — , a deputada estende a discussão e chega a fazer comparações com o caso da prisão de Daniel Silveira, decretada por meio de decisão monocrática do ministro do STF Alexandre de Moraes, sendo confirmada dias depois pelo plenário do órgão.

De fato, a prisão de Daniel Silveira foi determinada de ofício por Alexandre de Moraes. No entendimento do ministro, trata-se de um flagrante delito por crime inafiançável. Dessa forma, a afirmação configura-se como verdadeira, mas a utilização da expressão “sem ação aberta” abre margem para uma interpretação distorcida, visto que sugere uma noção de desrespeito a um processo que, em caso de flagrante de crime inafiançável, não se sustenta.

VERDADEIRO, MAS

“[Daniel Silveira] Foi preso sem investigação, sem direito à defesa, sem o devido processo legal, sem acusação da Procuradoria-Geral da República, sem participação da Polícia Federal”

O trecho “sem o devido processo legal” não foi checado por se tratar de uma afirmação mais subjetividade, que aponta para uma interpretação dos fatos. Os demais foram devidamente checados.

A deputada afirma que não houve investigação, ignorando o fato de estar configurado o flagrante crime inafiançável, o que garante a emissão da ordem de prisão. Silveira já estava sendo alvo de duas investigações no STF. Uma delas, arquivada no começo deste mês, apurava a convocação de atos autoritários que pregam o fechamento do Supremo e do Congresso Nacional, o chamado “inquérito dos atos antidemocráticos”. Já a outra investiga a divulgação de ataques e notícias falsas contra os ministros da Corte nas redes sociais, o inquérito 4.781/DF, a partir do qual Moraes determinou a prisão em flagrante do deputado.

Quanto à afirmação de que não houve defesa, há que se considerar o caráter contestável da declaração, isso porque o deputado apresentou sua defesa por meio de sua assessoria jurídica, que refuta os argumentos utilizados pelo ministro e a prisão por flagrante delito por meio de uma nota compartilhada pelo próprio deputado.

A decisão foi de ofício, sem provocação da PGR ou da PF, como acontece de costume. Segundo o ministro, as afirmações proferidas configuraram crime, haja visto o atentado contra “a honra do Poder Judiciário e dos ministros do Supremo Tribunal Federal”, crime previsto pela Lei de Segurança Nacional — Lei nº 7.170/73 (artigos 17, 18, 22, I e IV, 23, I, II e IV e 26).

FALSO

“[…] Se o Lula começar a sair na rua e conseguir sair nas ruas efetivamente, porque ele não consegue… Ele continua vivendo em prisão domiciliar. Porque não se vê esse homem na rua, não se vê esse homem em lugar nenhum

Além de irônica, é falsa a declaração da deputada sobre Lula não ser visto em lugares públicos. Desde a sua saída da prisão, em 8 de novembro de 2019, o petista fez uma viagem por diversas cidades da Europa entre fevereiro e março de 2020, incluindo uma visita ao Vaticano para conhecer o Papa, além de ter marcado presença em Cuba em janeiro deste ano, participando da produção de um documentário feito por Oliver Stone. Em entrevista concedida à CNN, Lula afirmou que em breve irá sair em caravana pelo país, começando pelo Nordeste, para dar início à sua campanha para a corrida presidencial de 2020.

O ex-presidente foi solto, em novembro de 2019, após a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que impede prisões feitas por condenações em segunda instância e garante ao réu o uso de todos os recursos em instâncias superiores. O ex-presidente, que havia sido condenado pelo caso do tríplex no Guarujá, em abril de 2018, teve o pedido da defesa aceito pelo juiz Danilo Pereira Junior. O caso do tríplex continuou sendo investigado e, em 21 de junho, a acusação foi anulada, e Lula foi absolvido, recuperando seus direitos políticos e recebendo autorização para, inclusive, concorrer a qualquer cargo público.

EXAGERADO

“Cientistas dizem que quem tem anticorpos neutralizantes positivos está imune, não transmite e não pega o vírus”. “[...] vários países estão mostrando que, quando as pessoas estão imunes, o uso da máscara não seria mais necessário”

Essa declaração de Zambelli foi dada quando os dois jornalistas do UOL Entrevista questionaram sobre a opinião da deputada em relação à postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em não usar máscara, especificamente no episódio em que o presidente mandou uma repórter “calar a boca”, momento em que a própria deputada estava presente. Carla Zambelli declarou que tanto ela, quanto o presidente constantemente se submetem a testes para detecção de anticorpos, descartando, assim, qualquer irresponsabilidade por parte de ambos.

Embora a fala possua duas partes, elas recaem na afirmação de que pessoas imunes não necessitariam do uso de máscara, por isso o que se verificou foi o entendimento sobre “estar imune”.

De acordo com entrevista de Eurico Arruda, um dos raros especialistas em coronavírus no Brasil e professor titular de virologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) — campus Ribeirão Preto —, “ter anticorpos não é o mesmo que possuir defesas e estar imune à covid-19. […] A resposta imune é complexa e envolve outros componentes além de anticorpos”. O médico acrescenta que “a presença de anticorpos diz que uma pessoa foi exposta ao vírus e produziu uma resposta a isso”. Contudo, não significa que essa pessoa ficou imune, pois “a resposta pode não ser forte ou duradoura o suficiente, e tampouco que ela deixou de ser portadora do vírus”.

Em sua página, o laboratório clínico Brostein explica que a “detecção de anticorpos neutralizantes verifica uma parte da resposta imune do indivíduo (a resposta imune humoral ou mediada por anticorpos), mas existem outros mecanismos imunológicos de proteção não avaliados nos testes sorológicos”. O texto enfatiza “[…] que resultados positivos não liberam os indivíduos das medidas de proteção recomendadas na pandemia, uma vez que não está estabelecido o correlato de proteção (nível de anticorpos necessário para não se contaminar, não transmitir ou não adoecer)”.

Ao jornal Correio Braziliense, o infectologista Alexandre Cunha, coordenador científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, afirmou que, “[…] às vezes, após contrair o vírus, algumas pessoas ficam com uma falsa sensação de segurança”. Cunha garante não haver “subsídio científico para fazer esse tipo de afirmação. As pessoas que tiveram Covid grave” — e não é o caso de Bolsonaro e Zambelli, infectados em 2020 — “concentram maior número de anticorpos, mas não significa que estão 100% protegidas e não precisam das medidas preventivas. Além disso, elas [ainda] podem transmitir a covid-19”.

Nesse sentido, ser vacinado é o método mais eficaz para efetivar a imunidade, concordam especialistas. Em estudo recente, pesquisadores verificaram que os resultados obtidos “ressaltam a importância da vacinação contra o novo coronavírus, uma vez que a imunidade natural parece não ser suficiente para combater as novas variantes do Sars-CoV-2”. Stuart Turville, professor associado do Instituto Kirby, na Austrália, avalia “que [a imunidade natural] geralmente é apenas protetora contra a variante do vírus com que a pessoa foi infectada”, por isso […] não devemos confiar na resposta imune natural do corpo para controlar esta pandemia, mas sim nas vacinas amplamente protetoras disponíveis”.

Portanto, é possível concluir que a deputada Carla Zambelli cometeu excessos em sua justificativa ao comportamento supracitado.

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