Ciro Gomes apresenta declarações contestáveis sobre indústria brasileira

Milenna Murta
EntreFios - tecendo narrativas
5 min readOct 27, 2023

A equipe de checagem do EntreFios analisou cinco declarações do ex-candidato à Presidência da República e ex-governador do Ceará em entrevista ao canal Arte da Guerra, no YouTube

Por Clarisse Barbosa, Iasmim Melquíades,
Isabelle Barros e Milenna Murta

Na entrevista, foram abordados tópicos desde o campo do desenvolvimento de ciência e tecnologia no Brasil até questões financeiras / Reprodução Ciro Gomes

O ex-candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT) apresentou afirmações contestáveis ao ser entrevistado em 2 de outubro pelo comandante Robinson Farinazzo (PDT), para o canal Arte da Guerra, no YouTube.

Indagado sobre a dinâmica do processo industrial brasileiro, o ex-governador do Ceará apresentou dados quantitativos em defesa da soberania nacional e da reindustrialização.

Para verificar a autenticidade das informações apresentadas, foi utilizado o método de checagem e a etiquetagem da Agência Lupa, agência brasileira que busca averiguar a veracidade de fatos enunciados, investigando dados e documentos públicos por meio do fact-checking.

Confira as checagens das declarações a seguir:

FALSO

“[…] 100% do querosene de aviação, dos nossos aviões civis e militares, são hoje importados dos Estados Unidos”.

Segundo levantamento disponível no Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2023, publicado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP), houve a venda nacional de quase 6 milhões de metros cúbicos de QAV, o querosene utilizado na aviação, por meio de distribuidoras.

Vendas nacionais dos principais derivados de petróleo de 2013 a 2022 / Fonte: Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2023 (página 144), ANP

De acordo com esse anuário, no ano de 2022, a Índia foi o país que mais vendeu esse derivado para o Brasil, com 368 mil m³, de um total de cerca de 1,3 milhões m³ importados. Seguido da Índia, vem os Emirados Árabes Unidos, com 343,1 mil m³; o Canadá, com 258 mil m³; o Kuwait, com 165,5 mil m³; e, fechando a lista dos cinco países que mais exportam esse combustível para o Brasil, a Arábia Saudita, com 77,6 mil m³. O valor exportado pelos Estados Unidos sequer é listado.

Essa quantidade de querosene, entretanto, não supre completamente a demanda nacional, pois o volume de vendas do QAV, pelas distribuidoras, ultrapassa o volume desse produto importado. Ou seja, mesmo com o Brasil importando boa parcela desse derivado utilizado em aeronaves, essa quantidade não chega a 100% do total de querosene utilizado na aviação e, muito menos, advém dos Estados Unidos.

SUBESTIMADO

“O Brasil cresce 2%, que é essa [variação] que nós estamos crescendo há 20, 30 anos […]”.

A porcentagem apresentada se refere à análise da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), prognosticada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A afirmação, entretanto, apesar de ser próxima da média oficial, generaliza os dados, pois vela os cenários socioeconômicos, como as crises financeiras, que afetam diretamente essa variação, como ocorreu durante a pandemia de covid-19, que refletiu em danos estruturais, causando reduções de 5% no PIB.

A estimativa apontada não se comprova quando analisados os dados históricos do PIB, que mostram oscilação desse percentual de 1991 a 2023 (32 anos) e apontam para um crescimento médio de 3,7% ao ano durante esse período. Esse dado oficial representa uma ultrapassagem de 1,7% além da taxa de 2% citada pelo entrevistado.

EXAGERADO

“Se separar a conta do que o Brasil paga em dólar para o estrangeiro, de produtos manufaturados e industrializados, daquilo que o Brasil exporta para o estrangeiro, de produtos industrializados, o ‘buraco’ se aproxima de U$ 130 bilhões”.

Quando se refere ao dado valor de U$ 130 bilhões na importação de produtos industrializados, temos uma superestimação da informação real.

Calculada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a balança comercial se refere à diferença entre as exportações e as importações de bens e serviços. Ela permite compreender a situação econômica do país, analisando o equilíbrio comercial.

Em 2022, houve um superávit de U$ 62,3 bilhões na corrente comercial brasileira, ou seja, o volume de exportação superou o volume de importação em U$ 62,3 bilhões, o que está mais da metade abaixo do valor apresentado pelo ex-governador.

FALSO

“O Brasil, de todos os países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], é o que gasta menos por cabeça no ensino fundamental. […] O mundo gasta entre 10 e 15 mil dólares por aluno ao ano, e o Brasil gasta 7 mil”.

Com base nos dados do relatório Education at a Glance 2023, lançado no dia 12 de setembro, o Brasil investe menos em educação do que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O relatório aponta que a despesa total dos governos com educação cresceu 2,1% entre 2019 e 2020, enquanto, no Brasil, o gasto total com educação diminuiu 10,5%.

No entanto, Ciro Gomes apresenta valores equivocados sobre o gasto por cabeça com alunos. Segundo o relatório, o Brasil gasta anualmente R$ 11,7 mil por aluno no primeiro ciclo do ensino fundamental, ao mesmo tempo em que a média desembolsada pelos outros países da OCDE é de R$ 43 mil.

Durante a entrevista, Ciro afirma, ainda, que o Brasil é o que menos investe em educação de todos os países da organização. No entanto, conforme o relatório, existem seis países que gastam menos com alunos do que o Brasil, entre eles está Argentina, México e Colômbia. Logo, entende-se que ele não apresenta dados precisos.

EXAGERADO

“[…] Olhando o grande quadro, o Brasil não cresce. Pela primeira vez na história, passamos dez anos todinhos, dez anos inteiros [2011 a 2021], crescendo zero, enquanto a população cresceu quase 18% no mesmo período”.

Observando a grande afirmação, o político não está errado quando expõe que o Brasil não cresce, visto que não há especificação sobre o sentido do crescimento. Todavia, faltou esclarecimento e maior coerência de dados, fatores que levaram à constatação do exagero.

O ex-governador Ciro Gomes utilizou-se de dois dados para provar a veracidade de sua fala. De fato, o político acerta ao dizer que o Brasil cresceu zero por um período de dez anos, referindo-se ao Produto Interno Bruto (PIB) do país, mas não aponta para seu declínio na década referida. A análise da Fundação Getúlio Vargas (FGV) expõe que, entre 2010 e 2012, houve um crescimento do PIB per capita, que começa a declinar em 2013 e segue por mais nove anos, fazendo 2021 possuir um valor menor do que 2010. O estudo de Cláudio Considera, coordenador do Núcleo de Contas Nacionais (NCN) do Instituo Brasileiro de Economia (FGV-IBRE), utiliza os dados das Contas Nacionais Trimestrais (CNT) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para os cálculos.

Entretanto, ao afirmar sobre o aumento da população do país, o ex-governador declara um valor quase três vezes maior do que a realidade. O Censo de 2022, divulgado pelo IBGE, contabiliza que, de fato, houve um crescimento no número de habitantes brasileiros durante o período entre 2010 e 2022. Contudo, esse aumento foi de apenas 6,5%. Portanto, verificando que o Censo de 2022 fez a checagem de um período de 12 anos, a estatística de 18% apresentada por Ciro Gomes, enfatizada no intervalo de 2011 a 2021, apenas dez anos, transformou sua fala em um exagero.

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Milenna Murta
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