Declarações de Ciro Gomes ao Canal Livre transitam entre verdadeiras e questionáveis

Murizete Cavalcante
EntreFios - tecendo narrativas
9 min readMay 24, 2022

O site EntreFios checou cinco declarações do pré-candidato à Presidência Ciro Gomes em entrevista ao programa Canal Livre, da Band

Por Ikero Antunes, Karizia Marques,
Maria Clara Lima, Murizete Cavalcante e Ryan André

Ciro Gomes em entrevista para a Band / Reprodução/Band

A equipe do EntreFios checou cinco declarações feitas pelo pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) durante entrevista concedida ao programa Canal Livre, da emissora Bandeirantes, em 8 de abril.

No decorrer da entrevista, comandada por Fernando Mitre, Eduardo Oinegue e Adriana Araujo, o presidenciável discutiu a respeito da atual situação socioeconômica vivenciada pelo país, criticou o presidente Jair Bolsonaro e o pré-candidato Lula e comentou sobre alguns de seus planos de governo caso seja eleito presidente da nação.

Ciro Gomes é advogado formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e possui uma longa trajetória na política brasileira. O atual pré-candidato à Presidência já ocupou os cargos de deputado estadual pelo Ceará (1983–1989), prefeito de Fortaleza (1989–1990), governador do Ceará (1991–1994), ministro da Fazenda no governo Itamar Franco (1994), ministro da Integração Nacional no primeiro governo Lula (2003–2006) e deputado federal (2007–2011). O pedetista já concorreu à Presidência nos anos de 1988, 2002 e 2018, sendo esta sua quarta candidatura.

Entre as declarações analisadas, duas foram classificadas como verdadeiras; uma como verdadeira, mas (quando a informação está correta, mas o leitor merece um detalhamento); uma exagerada (a informação está no caminho correto, mas houve exagero de mais de 10% e de menos de 100% frente ao total real) e uma falsa.

A equipe do EntreFios utilizou as etiquetas e o método de checagem da Agência Lupa para efetuar essa checagem.

Confira, a seguir, a checagem em maiores detalhes:

VERDADEIRO

“[…] precisamos entender a causa. Por que o Brasil faz dez anos que não cresce nada? É a primeira vez em 120 anos […]”

Para averiguar essa afirmativa, a equipe do EntreFios buscou colher dados sobre o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também foram utilizados como base dados fornecidos pelo Gazeta do Povo.

A declaração é definida como “verdadeira” porque o Brasil, na década de 2011–2020, realmente não apresentou crescimento econômico, sendo essa a primeira vez, em 120 anos, que o Brasil não cresceu em relação à década anterior. O período de 2011 até 2013 foi o único momento em que houve crescimento na década em questão.

Essa afirmação é reforçada pelo economista Marcel Balassiano, no portal da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “O começo da ‘década perdida atual’ apresentou uma taxa média de crescimento de 3,0% a.a., entre 2011 e 2013. A partir de 2014 que a economia entrou neste processo de enfraquecimento presente até os dias de hoje. Ao se calcular uma média móvel de sete anos (MM7A), o período 2014–2020 é o pior, em termos de crescimento econômico, desde o início dos anos 1900, com uma queda média de 1,3% a.a. neste período”. Após desabar em 2020, o PIB do Brasil fechou 2021 em alta de 4,6%. Esse foi o melhor resultado desde 2010, quando a economia havia crescido 7,5% em relação ao ano anterior.

VERDADEIRO

“O consumo das famílias brasileiras está colapsado […]. O salário mínimo, como é indicador da depressão da renda, é o pior poder de compra dos últimos 15 anos […]”

Com o objetivo de averiguar a veracidade dessa afirmação, a equipe do EntreFios utilizou os gastos com alimentação como critério para analisar o poder de compra do salário mínimo brasileiro. Para isso foram usados como bases os dados dispostos pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em sua nota técnica mais recente e seus levantamentos dos valores das cestas básicas no Brasil. Dentre as informações apresentadas nesta nota publicada pela entidade, a tabela que relaciona as cestas básicas e o salário mínimo, foi o dado principal utilizado nesta checagem.

Esta tabela apresenta um estudo da quantidade de cestas básicas que poderiam ser adquiridas em São Paulo pelo salário mínimo durante o período de 1995 até 2022, considerando o valor anual médio da cesta e o salário mínimo respectivo de cada ano. Contudo, a tabela só segue com precisão até o mês de novembro de 2021, sendo os valores de dezembro de 2021 e janeiro de 2022 apenas estimativas feitas pela entidade com base nos dados que esta já havia recolhido. Considerando isso, a equipe do EntreFios realizou uma análise da tabela de modo a chegar no cálculo utilizado na sua formação. Este cálculo consiste, basicamente, na divisão do valor do salário mínimo pelo valor anual médio da cesta do respectivo ano a ser checado, e no caso da checagem dos meses aplica-se exatamente o mesmo cálculo, mas trocando o valor valor médio anual da cesta básica por seu valor normal do mês a ser checado naquele ano. Conhecendo, então, esta operação matemática usamos os levantamentos mensais do custo das cestas básicas feitos pela DIEESE para calcular os valores restantes. Desta ação foram obtidos os seguintes valores: Dezembro de 2021–1,59; Janeiro de 2022–1,70; Fevereiro de 2022–1,69; Março de 2022–1,59; Abril de 2022–1,50. Levando em conta esses dados e aqueles expostos na tabela, ao analisá-los juntos é perceptível que dentro desses exatos quinze anos ditos por Ciro Gomes, os quais devem equivaler de 2022 a 2007, o valor de Abril de 2022 é o menor com relação aos outros. Portanto, a fala do pré-candidato à presidência a respeito do salário mínimo se configura como verdadeira dentro dessa análise dos exatos últimos 15 anos.

Figura 1: Tabela retirada da nota técnica publicada pelo DIESSE.
Figura 2: Tabela elaborada pela equipe do EntreFios com o resultado dos cálculos

VERDADEIRO, MAS

“Onde eu posso fazer alguma coisa para inverter a lógica é no crédito colapsado das familias. 77,8, vamos fazer aqui 78 famílias de cada 100 famílias brasileira estão super endividadas. Isso é recorde!”

Ao ser questionado durante a entrevista sobre qual seria a mudança fundamental para inverter a atual política econômica que não deixa o país crescer, o candidato menciona o endividamento da população.

A equipe do Entrefios analisou a fala do presidenciável e confirma como sendo verdadeira, mas com algumas consideraçoes. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que fazem a pesquisa de endividamento e inadimplência do consumidor (PEIP), onde realiza mensalmente desde 2010 o levantamento do endividamento no país. Segundo a última verificação, em abril de 2022, o percentual de familias que relataram ter dívidas ainda para vencer é de 77,7%. Ou seja, não chegaram a ser inadimplentes para serem consideradas “super endividadas”. Ainda de acordo com a mesma pesquisa, o total de famílias com dívida em atraso é de 28,6% e 10,9% não têm condições de pagar.

Figura 3: Tabela da pesquisa de endividamento e inadimplência do consumidor/Fonte: pesquisa CNC

EXAGERADO

“65 milhões de brasileiros estão inadimplentes ou seja com nome sujo no SPC e, portanto, banidos do crédito”

Na referida entrevista do candidato à presidência do Brasil para as eleições de 2022, no Canal Livre, após a pergunta do jornalista Fernando Mitre sobre quais serão os próximos passos para restaurar a situação econômica do país, Ciro traz alguns dados a respeito da quantidade de brasileiros inadimplentes no SPC Brasil. Aos 12min e 08s da entrevista, o presidenciável faz a seguinte afirmação: “65 milhões de brasileiros estão inadimplentes ou seja com nome sujo no SPC e banidos do crédito.”

Em relação ao excerto acima citado, a equipe do EntreFios utilizou para a checagem da fala de Ciro Gomes e a sua classificação como “EXAGERADO”, a pesquisa mais atual realizada entre a CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), juntamente com o SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito), que é do dia 16/05/2022, como também, levou de igual modo em consideração a data da entrevista do presidenciável (08/05/2022), para, deste modo, relacionar as informações de forma correta e chegar a uma etiqueta que classifique a fala do candidato. Assim sendo, a dita pesquisa aponta que, quando comparado a abril do ano anterior, houve um crescimento de 5,59%, chegando à marca de 61,94 milhões de brasileiros inadimplentes com o SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) em abril de 2022. De acordo com o presidente da CNDL, José César da Costa, a pandemia causou um grande impacto no crescimento econômico e, consequentemente, ocorreu um aumento de inadimplentes.

“O desemprego elevado é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes desafios a serem enfrentados pelo país e isso está ligado diretamente ao retorno do crescimento econômico, que ainda não alavancou. A renda da população foi fortemente afetada pela pandemia, e isso, somado ao aumento da inflação, contribui para a piora da inadimplência”, aponta o presidente da CNDL, José César da Costa.

Ainda mais, é importante salientar que a maior concentração de devedores por faixa etária se encontra com os brasileiros que possuem por volta de 30 a 39 anos de idade, isto é, cerca 15,36 milhões de pessoas, o que contabiliza 44,89% da população desta faixa etária. Outrossim, a classificação de inadimplência por gênero encontra-se bem equilibrada; 49,14% (Homem) e 50,86% (Mulher).

Em acréscimo, para a realização dessa checagem, é importante ressaltar que o setor credor que mais possui inadimplências é o bancário com uma participação total de 57,93%. Na sequência, aparece Comércio (14,01%), o setor de água e Luz (11,29%) e Comunicação (9,60%).

De acordo com a pesquisa da CNDL, juntamente com o SPC Brasil, houve, na passagem de março para abril de 2022, um crescimento de 0,46%, logo, infere-se, a partir disso, que o dado mais recente acerca da quantidade de brasileiros inadimplentes no SPC para o presidenciável ter se baseado em fontes oficiais, seria por volta de 61.655 milhões de brasileiros inadimplentes e não de 65 milhões, como colocado por ele na entrevista. Assim sendo, a partir dos dados aqui elencados e das datas tomadas como referência, a colocação do candidato à presidência do Brasil para as eleições de 2022 se enquadra como “EXAGERADA” por conta da desproporcionalidade entre o dado que Ciro Traz (65 milhões de brasileiros inadimplentes) e àquilo divulgado no mês de março no site da CNDL (pesquisa anterior à utilizada nesta checagem, haja vista que foi o último dado divulgado antes da entrevista, do qual o candidato poderia ter se baseado). Há, dessa forma, na fala de Ciro Gomes, um aumento por volta de 3.344.924 de brasileiros inadimplentes, marca ainda não atingida de acordo o SPC Brasil e a CNDL.

FALSA

“[…] aproveitando o cartel de bancos […] 5 bancos acumulam 85% de todas as transações financeiras […]”

Durante a entrevista, Ciro Gomes (PDT) foi questionado qual a mudança fundamental que deveria ser feita para inverter a política econômica que não deixa o país crescer, a primeira mudança que o pré-candidato á presidência da república sugere seria no credito colapsado das famílias, e alega que um dos motivos para esse colapso seria essa concentração nas transações financeiras do Brasil na mão de poucas instituições, mais especificamente dos 5 maiores bancos do país.

A equipe do EntreFios checou a fala dita por Ciro consultando o site oficial do Banco Central, mais especificamente os Relatórios de Economia Bancária divulgados pelo órgão. Após a checagem, foi constatada que a informação dita pelo presidenciável é classificada como “Falsa” por dois motivos, segundo os critérios adotados pela Agencia Lupa.

O primeiro seria que o pré-candidato falou na entrevista de transações financeiras, quando se trata desse assunto deve se falar dados referentes aos depósitos totais feitos pelos bancos e o número citado por Ciro não é referente a esses depósitos, mas sim as operações de credito feitas por essas instituições. O segundo motivo é que o dado dito pelo presidenciável é referente ao fim do ano de 2018 e apesar da informação ser verdadeira já que as operações de credito do RC5 (nomenclatura usada para designar os 5 principais bancos do país) eram sim na faixa de 85% (84,8%, mais precisamente), não é atual. A informação correta seria a que; segundo os últimos dados divulgados, que se referem a dezembro de 2020, publicados em agosto de 2021 no último Relatório de Economia Bancaria, os 5 maiores bancos da nação Brasileira ( Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil S.A, Itaú Unibanco S.A, Banco Bradesco S.A, Banco Santander Brasil S.A) acumulam cerca de 79,1% das transações financeiras no país.

Figura 4: Tabela com a síntese dos indicadores das séries temporais/Fonte: Relatório da Economia Bancaria 2020

O jornal também buscou dados em outros sites que se especializam em economia bancária, o site da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) e o da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), porém não foram encontradas outras informações sobre o assunto .

A equipe do EntreFios entrou em contato com a assessoria de Ciro Gomes para que ele se posicionasse acerca da checagem, porém até o presente momento da postagem não obteve retorno.

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