Ciro subestima dados dos governos Dilma e Bolsonaro

Lucas Abreu
EntreFios - tecendo narrativas
6 min readAug 10, 2021

EntreFios checou cinco declarações feitas pelo pré-candidato à Presidência da República em entrevista concedida ao site UOL em 2 de julho

Por Gloria Sampaio, Lara Queiros, Lucas Abreu
Gerdyana Vasconcelos, Richardson Pereira

Ciro Gomes é pré-candidato às eleições de 2022 pelo PDT

A equipe do EntreFios verificou cinco declarações feitas pelo pré-candidato à Presidência da República Ciro Gomes (PDT) durante entrevista ao site UOL em 2 de julho.

Durante a sabatina, o ex-governador do Ceará fez críticas ao presidente Bolsonaro e ao ex-presidente Lula, além de analisar, de modo breve, a sua atuação como ministro da fazenda no governo do ex-presidente Itamar Franco.

Das cinco declarações verificadas, uma foi classificada como “subestimada”, uma como “subestimada e insustentável”, uma como “verdadeira” e duas como “verdadeiras, mas”, sendo essa última etiqueta utilizada quando há ponderações a uma afirmação que é essencialmente verdadeira.

As etiquetas e a metodologia de checagem utilizadas são as mesmas adotadas pela agência Lupa, que também faz checagem de declarações públicas.

Tentamos entrar em contato com a assessoria de comunicação do pré-candidato à Presidência por meio do WhatsApp para obtermos o seu posicionamento diante das declarações, mas não obtivemos resposta até o momento de fechamento deste material.

Veja a seguir a checagem de cada uma das declarações proferidas por Ciro Gomes.

INSUSTENTÁVEL / SUBESTIMADA

“O recorde de desmonte da economia é do PT, com Dilma derrubando a economia em 7%”

A declaração sobre “recorde de desmonte” se apresenta como insustentável, por atribuir todo o cenário macroeconômico do país exclusivamente às decisões e ações da Presidência da República, ocupada à época por Dilma Rousseff, e por afirmar que o Partido dos Trabalhadores (PT) teve os piores números econômicos da história do Brasil, pois falar sobre “recorde” é comparar tais dados com todos os mandatos presidenciais da história do país.

Quanto à porcentagem em questão, os dados coletados pelo EntreFios mostram números maiores. Por meio de dados da Receita Federal, o site Poder360 realizou um estudo comparativo, por meio de um gráfico, entre a receita pública brasileira dos anos de 2010 a 2020. A partir desse gráfico, pode-se inferir uma queda da receita durante os anos de 2015 e 2016 (cujo mandato presidencial à época era realizado pela presidente Dilma Rousseff), provocando uma redução de 8,1% no PIB brasileiro de 11 trimestres. Como consequência disso, o PIB per capta do Brasil caiu 10,4%.

Tendo em vista estes dados, a declaração feita por Ciro Gomes se caracteriza como subestimada por apresentar um dado inferior e de menor gravidade do que o dado real.

SUBESTIMADO

“[…] Nós temos uma questão militar que tem que ser trazida também a debate, nós não podemos nos inibir a pretexto do respeito que as Forças Armadas devem merecer de todos nós. Mas não podemos, diante do que tá acontecendo, deixar de trazer esse assunto que é uma questão militar muito grave. Você tem 3.800 oficiais entranhados dentro do governo duplicando salários. No primeiro dia de um possível governo meu, isso será proibido. Militar que quiser entrar pra política terá que deixar a tropa, terá que deixar a farda. […] Militar da ativa não pode ocupar cargo no governo. Se quiser entrar pra política, como qualquer cidadão, entra, mas desce a farda. Vai pra reserva! […]”

Procuramos o número de militares ocupando cargos civis no Governo Federal em notícias publicadas na Internet e no site do Tribunal de Contas da União.

Segundo levantamento feito pela Secretária-geral de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, a pedido do ministro Bruno Dantas, e uma matéria do site Consultor Jurídico (Conjur), ambos divulgados em 17/07/2020, há 6.157 militares ocupando cargos civis no Governo Federal. Esse dado e outros presentes no documento enquadram os militares que estão na ativa e na reserva.

Entretanto, conforme publicado pelo portal de notícias G1, o Ministério da Defesa (órgão pertencente ao Governo Federal), considera somente os militares da ativa, que correspondem a um total de 3.029. O ministério também afirmou que esses 3.029 militares atuam só em cargos de natureza militar. Já os atuantes em cargos de natureza civil corresponderiam somente a 239. Em tal caso, em vez de “subestimado”, o dado apresentado na fala do ex-deputado seria “exagerado”.

Os resultados publicados no levantamento também mostram uma comparação dos últimos três governos, entre os anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020. A partir disso, foi identificado o aumento de 108,22% no número de militares em relação a 2016. Só o Ministério da Saúde tem 1.249 militares empregados, registrando um aumento de 94,55% em comparação a 2016.

Mesmo que, na sua fala, o ex-deputado Ciro Gomes esteja se referindo à quantidade de militares presentes no Ministério da Saúde, e não do Governo Federal na totalidade, haveria ainda divergências entre as declarações. Nesse caso, em vez de “subestimado”, o dado seria considerado mais uma vez “exagerado”, já que, segundo o TCU, os militares da ativa e da reserva que atuam no governo federal somam 1.249 oficiais.

Uma sondagem exclusiva do site Poder360, também publicada em 17/07/2020, mostrou que, ao todo, são 8.450 praças e oficiais aposentados trabalhando em ministérios, tribunais militares e comandos.

VERDADEIRO, MAS…

“Você tem o Hargreaves… o Hargreaves foi acusado de ser envolvido com falcatrua, era o braço direito do Itamar Franco. O Itamar fez o quê? ‘Eu sei que ele é inocente, mas eu vou afastá-lo’ […]”

Ciro Gomes declarou que, em 1993, o então ministro-chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, foi afastado do seu cargo pelo presidente da época, Itamar Franco, devido a denúncias de envolvimento no esquema de corrupção no Orçamento. Pesquisamos a informação em acervos de jornais da época e no site do Centro de Pesquisa e Documentação do Brasil (CPDOC), e observamos que houve, de fato, o desligamento do ministro de seu cargo durante as investigações de corrupção no Congresso. Entretanto, nas notícias encontradas e no verbete biográfico de Henrique Hargreaves, é relatado que o ex-ministro optou por se afastar do cargo, entregando sua carta de demissão.

Segundo uma publicação feita pelo Estadão em 30/10/1993, o presidente Itamar Franco recebeu “com alívio” o pedido de demissão feito pelo então ministro-chefe da Casa Civil. Uma matéria publicada pelo jornal O Globo em 30/10/1993, bem como o verbete biográfico de Henrique Hargreaves relatam a demissão do político de forma voluntária.

Nossas pesquisas não indicaram nenhum dado público oficial ou notícias da época que pudessem sustentar tal afirmação feita por Ciro Gomes. No entanto, é de conhecimento que as demissões que se dão no executivo são complexas e envolvem fatores que, por vezes, não vêm ao conhecimento do público, podendo ser noticiadas de forma diferente da que ocorre. Portanto, tratando-se da possibilidade de ser uma declaração feita com base em dados de bastidor, a fala de Ciro não pode ser contestada de modo assertivo.

VERDADEIRA

“[…] Bolsonaro nunca foi o predileto da oligarquia política brasileira, da direita brasileira, todo mundo queria o [Geraldo] Alckmin. Só que o Alckmin, sendo um grande cidadão, perdeu para mim em São Paulo […]”

Apesar de Ciro Gomes deixar em aberto nessa fala a qual ano da eleição presidencial ele está se referindo e se ele se refere ao estado de São Paulo ou à capital homônima, presumimos que sua fala faz referência às eleições de 2018.

Tendo como base o estado de São Paulo, concluímos que sua afirmação é verdadeira. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o candidato à presidência Ciro Gomes (PDT) ficou à frente do candidato Geraldo Alckmin (PSDB) com uma diferença de 426.391 mil votos.

VERDADEIRO, MAS…

“[…] A justiça de São Paulo me condenou a uma indenização milionária, porque eu denunciei corrupção no Ministério da Saúde. […] Na época do [ex-ministro da saúde Henrique] Santillo, eu tinha as evidências todas, eles liberaram dinheiro pela Funasa [Fundação Nacional de Saúde], que é outro antro de roubalheira, para saneamento básico em Sobral. […] E o prefeito de lá pegou o cheque do ministério, endossou atrás e depositou na conta particular dele. […] Me processaram em São Paulo, e a justiça de São Paulo me determinou uma indenização monstruosa!”

Em 2008, Ciro Gomes, de fato, foi condenado na 32ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo a indenizar a família do ex-ministro da saúde Henrique Santillo — mencionado na entrevista —, em cerca de R$ 266.140,24. Entretanto, o processo mencionado foi por injúria, após o ex-ministro da Fazenda ter chamado Santillo de “corrupto” em uma entrevista concedida ao Roda Viva, da TV Cultura, em 25 de setembro de 1995.

O processo de número 95.911.475–9 foi registrado na 32ª Vara Cível de São Paulo pelo escritório Preto Villa Real Advogados em nome de Santillo, em dezembro do 1995.

Apesar das acusações feitas nas entrevistas, nossa equipe não achou nenhum registro formal de denúncia de Ciro Gomes a Henrique Santillo por corrupção no Ministério da Saúde e na Funasa. Também não foi encontrado nenhum indício de investigação da Polícia Federal ou de outros órgãos civis e judiciários ao ex-ministro da saúde.

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Lucas Abreu
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Estudante de jornalismo, apaixonado por arte. Degustador de cuscuz, comentarista de reality show e amante de musicais. Ator, cantor e escritor nas horas vagas.