Clara Silveira aprendeu a sorrir

Maria Fernanda Melo
EntreFios - tecendo narrativas
15 min readJul 25, 2022

Em entrevista ao EntreFios, a advogada, professora e escritora falou de sua trajetória de vida, das violências psicológicas que sofreu e da fundação da ONG Movamus, que atende mulheres no município de Itapajé

Por Aline Neri, Bernardo Maciel, Johnnie Costa,
Lucas Barros e Maria Fernanda de Melo

Clara Silveira conta sua história de vida profissional e pessoal / Reprodução

Clara Vasconcelos Silveira desempenha um importante papel social no município de Itapajé, localizado no interior do Ceará. Lá, ela foi responsável por criar a ONG Movimento de Valorização da Mulher (Movamus), que trabalha há 20 anos na defesa das mulheres vítimas de violências domésticas.

Em entrevista concedida à equipe do EntreFios em 20 de junho, Clara nos conta sobre sua trajetória profissional, desde a escolha do curso que cursaria na universidade até a definição de qual profissão seguir. Estudou na Faculdade de Direito e, em seguida, mesmo sendo impedida pelo pai, cursou filosofia.

Apesar do carinho pela filosofia, após a conclusão, Clara decidiu focar na advocacia e, após alguns anos atuando na área, decidiu entrar na docência, casando suas duas paixões no ensino de filosofia do direito para os futuros profissionais que estava ajudando a formar. Além de falar sobre sua carreira profissional, Clara nos contou de seu matrimônio, onde sofreu violências psicológicas que ela só se deu conta a partir do momento em que começou a ajudar mulheres que passavam por problemas semelhantes.

Apesar disso, Clara foi resiliente, findou seu casamento abusivo e dedicou-se ainda mais à Movamus.

O aprendizado sobre si mesma veio “de uma Clara que não sabia que passava tudo aquilo que ela ajudava, que ela defendia, que ela buscava nas mulheres e, de repente, ela descobre que ela é uma das ajudadas”.

Hoje, Clara sorri. Pensava sempre ter sorrido para a vida, mas os constantes comentários sobre seu sorriso, que passou a ouvir após a separação, fizeram-na entender que ela nem sempre foi feliz.

Clara é formada em filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e em direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Fundou a Movamus em 2003 e é professora desde 2006. Esteve como secretária de Cultura, Desporto e Turismo do município de Itapajé de 2013 a 2016 e é multiplicadora do Ela Pode, programa do Instituto Rede Mulher Empreendedora com apoio do Google.

Confira a entrevista e a transcrição na íntegra logo abaixo.

Clara Silveira: Eu fui para lá para advogar, em 2002. Na realidade, eu fui convidada para advogar, através de um amigo, e, quando eu cheguei lá, me deparei com a realidade sobre a situação da mulher que ainda não tinha me chamado atenção. Pasmem, não tinha uma mulher advogando de forma sistemática. Ia se fosse daqui para uma audiência porque seu cliente era da capital e a outra parte poderia ser de lá, ou ela ia, tempestivamente, só fazer uma audiência. Então, não tinha, eu fui a primeira mulher advogada a começar a sistematicamente ter um escritório lá. Eu comecei a encontrar na pele o que era a discriminação e preconceito com a mulher que, apesar de vir das lutas sociais, apesar de no curso de Filosofia — eu sou formada em filosofia —, fiz parte de vários movimentos no combate às discriminações da mulher, mas eu não tinha ainda conhecido na pele. Foi quando eu vi que realmente existe. Fui altamente boicotada no trabalho, e aí criou-se um desafio. Eu fui para uma finalidade X, mas isso acabou me envolvendo e eu fui ficando e me estruturando lá cada vez mais com as minhas atividades na advocacia e conhecendo as realidades duras das mulheres que, se eu for contar, vai pasmar. Porque a situação na capital é dura, ela precisa muito ser olhada, mas, no interior, a violência contra a mulher ou qualquer outra, do idoso, da criança, no interior é mais perigosa, porque ela é silenciosa, ninguém toca no assunto, é permissiva pelo silêncio. E foi isso que me chamou atenção. Então eu comecei a levar muitas palestras e tal e, num desses encontros nas comunidades e tudo, uma [mulher] disse assim, quando terminou: “Doutora, são muito bonitas suas palavras, realmente a gente tem que ter amor próprio, a gente tem que ter dignidade, a gente tem que ir embora, tem que tal, mas, doutora, isso é para a senhora, sabe, porque a senhora, se o seu marido lhe destrata, a senhora tem uma cama para chorar, depois a senhora levanta, tem um chuveiro com água para tomar banho, aí a senhora acorda e tem um trabalho, emprego para ir, aí a senhora pode botar um batom e dar uma renovada porque a senhora tem um emprego, porque esse emprego dá condição para a senhora pagar alguém para ficar com as crianças. A senhora pode trabalhar. Aí a senhora pode realmente mandar ele embora, porque a senhora vai ter condições de botar ele na Justiça, e ele pagar a pensão. Com certeza, ele tem como pagar pensão. Agora, doutora, três, quatro, cinco crianças, ninguém emprega a gente, a gente não tem com quem deixar as crianças. Eu já resolvi ir embora, [mas] quando eu vi meus filhos chorando com fome e não tinha nada para dar para eles, o que ele fez comigo, a dor física já tinha ido embora, e a dignidade é meu filho passando fome”. E aí eu disse: não é por aqui, o caminho não é esse, não adianta a gente levar a palavra de otimismo, não adianta dizer, pensar no positivo se não dá solução. E aí eu disse: não, a informação vem depois, vamos para o pão de cada dia. E aí eu pensei: vamos trabalhar a questão da mulher com sua renda em casa para cuidar dos seus filhos, porque ela não tem onde deixar. E por que aí vem a biblioteca, vem a escola de música? Porque eu comecei a ver que não adianta começar a tratar aqui das punições, não adianta só isso. Ele é punido — nem todos são —, continua fazendo, faz com outro, faz com outro. Ela já está tão morta-viva... Porque a violência psicológica é, para mim, a pior. Porque a morte total — não, que não tem mais jeito — , mas a psicológica desce uma morta-viva, então ela acabou com a vida dela e ela não sabe, ela não tem consciência, então ela vai vivendo feito um vegetal e isso vai passando para os filhos. Apesar de a gente trabalhar essa parte da violência psicológica, de levar várias médicos de ajuda, com psicólogos com outras terapias sistêmicas como é agora, muito bom essa nova modalidade das terapias, de ajudar, mas eu pensei assim: se não tratar a base, se não tratar a raiz, as plantinhas vão crescer com os mesmos problemas, porque é o que vem de geração para geração — minha avó, minha bisavó — , é o natural. E aí eu disse assim: tratar diretamente, eles não deixam, os pais não deixam as crianças irem ouvir nada disso, e como tratar de forma direta? Uma palestra, uma coisa? E aí a gente criou uma escola de música, porque a criança está ali, a música acalma, ela relaxa, ela vai tirando aquelas imagens tão duras que ela viu: o pai bater na mãe, a mãe chorar, consequentemente a mãe também repetiu os padrões, porque, se você sofre uma agressão, você agride. A mãe está tão cheia de problemas, está tão estressada, a mãe está tão magoada, que ela magoa o filho por amor, mas magoa, ela grita com a criança porque ela só conhece o grito. E aquela criança vai seguindo. Então, na escola de música, a criança começa a tirar tudo isso. E, agregado a isso, a gente faz de uma forma lúdica toda aquela mensagem da paz. Todos nós somos iguais.

“[…] não adianta a gente levar a palavra de otimismo, não adianta dizer, pensar no positivo se não dá solução. E aí eu disse: não, a informação vem depois, vamos para o pão de cada dia. E aí eu pensei: vamos trabalhar a questão da mulher com sua renda em casa para cuidar dos seus filhos, porque ela não tem onde deixar”.

Johnnie Brian: Esse seu engajamento nos movimentos sociais, principalmente voltados para as mulheres, veio a partir da sua ida a Itapajé ou ele veio um pouco antes disso?

Clara Silveira:No foco da mulher, foi em Itapajé que despertou. Realmente, eu não tinha ainda, eu sempre fui de causas sociais, né, principalmente nas do curso, na faculdade, na parte de CAs [Centro Acadêmico]. Fui às ruas pedir a meia [passagem] — aquelas primeiras campanhas nas meias de estudante, eu estava ali e tal. Mas o foco da mulher realmente despertou em Itapajé, eu só falava daquela questão de que a mulher não tinha espaços. Eu estou falando aqui que minha vida estudantil começou a partir do ano de 1986, quando eu entrei nas duas faculdades — direito e filosofia concomitantemente —, naquelas questões de políticas públicas, na questão do estudante e tal. E da mulher, ela entrou com essa parte dos espaços, porque realmente eu não me atinava na violência, que ela existe. No meu mundo, eu fui criada protegida, meu pai era muito radical, então eu realmente não conhecia. Eu vim conhecer quando eu comecei a advogar em Itapajé, comecei a advogar mais voltada a um social. É que despertou porque eu conheci uma realidade, aí foi realmente lá que me despertou para trabalhar a questão da mulher.

Johnnie Brian: Você tem uma carreira bastante extensa. No poema Pai, no seu livro publicado em 2021, você conta como o seu pai sempre te incentivou a estudar para ter uma vida independente, colocando o casamento somente como uma opção. Apesar de você ter uma carreira bastante extensa, eu queria começar pelo começo dela. Como foi sua vida escolar? Seu ensino médio, fundamental? Ele foi, de alguma forma, determinante para a sua carreira?

Clara Silveira: Sim, e meu pai foi e é — apesar de ele já estar no plano espiritual, mas os seus ensinamentos ficam, né? —, ele foi o maior estimulador por isso. Porque ele nos ensinou que a mulher, ela pode. Agora, ensinava também que, pelo que ela é retalhada lá fora, ela tem que se cuidar mais. Não porque ele disse que ela não pode. Mas para ela não sofrer violência lá fora. Lá em casa, são seis mulheres e cinco homens. E ele dizia assim: “A mulher tem de ter a sua profissão, ter seu dinheiro, e aí, minha filha, você pode fazer o que você quiser. Tudo que você for fazer na vida — entenda, tudo: você vai a uma festa, você vai a um Carnaval — , você pensa assim: “O que eu vou fazer agora, a consequência disso, eu vou depender de alguém? Ou eu vou poder arcar sozinha? Se você vir que você vai poder arcar sozinha com qualquer consequência que possa vir, faça. Agora, se vier qualquer consequência que dependa de outra pessoa, aí não faça. Porque a pior coisa do mundo é depender de alguém. Porque, quando você depende de alguém, esse alguém vai lhe humilhar, vai lhe subjugar. Por isso, você tem que ter sua independência financeira”.

Johnnie Brian: Clara, a escolha de estudar direito, de onde veio?

Clara Silveira: Do meu pai. Confesso que não era, não foi muito opção minha, não. Minha paixão era filosofia. Filosofia foi minha paixão. Queria ser só filósofa. Mas meu pai dizia que, com filosofia, eu ia morrer de fome. Então, fizesse direito. Fosse ser advogada para poder me sustentar e não permitir que homem nenhum lhe subjugasse. Porque, se ele pagar suas contas, ele vai lhe controlar. “Comeu do meu pirão, apanhou do meu cinturão”. Então, realmente o direito foi de meu pai. Foi em obediência ao meu pai. Não aquela obediência por obedecer, mas pra agradar. Eu gostava de puxar o saco do meu pai, sabe? Agradar meu pai.

Johnnie Brian: Clara, como foi — depois de ter cursado direito — você ter feito finalmente o curso que você queria?

Clara Vasconcelos: Eu fiz o curso de filosofia totalmente escondida de meu pai. Quando ele viu, brigou, brigou e tal. Quando um dia ele chegou [em casa], eu estava com o livro “O Príncipe”, de Maquiavel. Ele rasgou o livro e disse que isso não era leitura, iria me desvirtuar do meu caminho, porque eu iria começar a ter ideias subversivas. Meu pai tinha muito medo de que eu tivesse ideias subversivas, então ele me proibiu e eu fazia [o curso] escondida. Ele trabalhava no interior, passava o fim de semana com a gente, uma vez na semana ele vinha, eu fazia [a faculdade] uma pela manhã e outra pela noite. Quando chegou no último semestre, eu cheguei para ele e disse: “Pai, eu tô concluindo o curso de filosofia, nem me tornei subversiva, continuo fiel a Deus e agora vou precisar do senhor para fazer minha monografia”, pois eu fiz sobre a concepção de Deus no mundo antigo. Eu quis provar que, mesmo antes da mitologia grega, existia uma concepção de um deus único. E ele disse que “não podia ser diferente, né, minha filha?”. Ele me ajudou a fazer e foi meu padrinho do curso na formatura.

Johnnie Brian: De 2013 a 2017, você foi secretária da Cultura, Esporte e Turismo no município de Itapajé. Quais foram os maiores desafios que você encontrou durante a ocupação do cargo?

Clara Silveira: Infelizmente, a cultura, que é tão importante, ainda não é bem vista, ela não é entendida, ela ainda não é compreendida qual é realmente, o conceito, a sua finalidade e o impacto que ela causa. Então a gente encontra muitas barreiras. Encontrei muita dificuldade, principalmente que as pessoas da gestão pudessem me ajudar, porque não tem fundo, não tem verba. Tudo o que você vai fazer tem que ir com uma parceria pela Secretaria de Educação ou pela “secretaria tal”, e todas as portas sempre são fechadas, porque ela [a cultura] sempre fica em segundo plano, só existe uma concepção de que cultura é uma banda de música tocando na praça — festa é bom, não sou contra festa, até gosto de um forrozinho, mas é muito mais do que isso, você pode passar muitos ensinamentos de uma forma descontraída que assimila muito mais, você pode empreender, gerar emprego, existe o empreendedorismo cultural. E eu quis levar tudo isso, mas foi outra surpresa pra mim, que as portas ficaram muito fechadas. Então, foi essa dificuldade, eu comecei a levar o novo pra lá , foi desafiador quando eu levei simplesmente, em praça pública, nada mais nada menos que uma orquestra daqui [de Fortaleza], Eleazar de Carvalho, fechei uma parceria e levei. Ouvi muito: “Tu é louca, não vai dar ninguém, vamos passar vergonha”. [Ela rebatia]: “Deixa, se você como prefeito não quiser ir, não tem problema, deixa a louca fazer”. Gente, lotou e as pessoas diziam que achavam que nunca iam ver, que só viam esses instrumentos nos shows do Roberto Carlos e passaram a gostar, porque a gente tem que ensinar. Então é isso, a dificuldade ainda hoje é uma concepção errada que existe da cultura.

Johnnie Brian: Clara, além da senhora estar muito engajada na luta pela mulher, há alguma pretensão de algum dia levar essa luta para a política [refre-se a concorrer a eleições]?

Clara Silveira: Não! Porque a gente não consegue, não consegue, sabe. Existe todo um sistema. Você não governa sozinha. Você não legisla sozinha. Então seria eu me frustrar, parar. Porque, se eu estou lá ou no legislativo, ou em um executivo, eu não posso estar aqui, à frente da ONG, né! Eu vou passar para outra pessoa e eu não vou poder fazer. No legislativo, é muito pior, porque você vai depender das aprovações, então eu não vou fazer nada pelo social, eu vou ser barrada. Então realmente… Não, então não dá! São duas coisas que realmente você se afasta totalmente, então não tenho a menor pretensão de ir em busca de algum cargo dentro da política.

Bernardo Maciel: Clara, eu gostaria de saber como funciona o trabalho da Movamus diretamente com essas mulheres que sofrem violência doméstica e quais os desafios que a ONG enfrenta atualmente.

Clara Silveira: O trabalho… A gente tem as voluntárias que fazem parte da mesa diretora, né. E a gente trabalha a questão do empreendedorismo. Com cursos, a gente tem constantemente cursos de formação que sugerem a empregabilidade para elas. Agora mesmo, por conta da pandemia [de covid-19], a gente identificou que é fundamental que elas aprendam, que elas entrem para o mundo virtual. Porque foi a única saída para pedir socorro durante a pandemia. Foi a internet. Nós tivemos alguns programas bons de pedido de socorro, vários projetos, mas aquela mulher que não tem ferramenta em casa e não sabe usar ficou refém do agressor. Então a gente tá com o curso de informática permanente, desde a informática básica até a mais avançada, para que ela tanto se torne dali… seja um currículo para ela como também para ela poder ter sua proteção através da internet e ela poder pedir ajuda. E principalmente pensando na empregabilidade. Nós temos assistência jurídica, eu sempre pego parcerias com outros colegas advogados, que eles doem, hoje se chama pro bono [“para o bem”, atividade voluntária desempenhada por um advogado]: ele faz uma orientação jurídica e o que gera processo, a gente consegue — caso elas não possam pagar — colegas dentro da sua área que façam, porque, infelizmente, nós não temos Defensoria Pública em Itapajé e em nenhum município do entorno. As verbas que mantêm a Movamus vêm de editais. Porque a gente fica independente. Vem lá da historiazinha “comeu do meu pirão, provou do meu cinturão”, e isso serve também para verbas nas ONGs. A gente pede, aí, quando chega à época da política, aí transforma isso num palanque político e tal e tira a liberdade. É lógico que o poder da gratidão, isso é inerente, é lógico que eu agradeço quem ajuda, eu agradeço. Mas não pode ficar refém, quando a gente faz. Os editais são importantes por isso, são importantes porque você concorre ali com o projeto e foi aprovado, é igual a um concurso público. Então nós temos grandes projetos, nós temos empresas patrocinadoras através do incentivo fiscal, isso é muito bom. Que são esses que mantêm a maioria dos projetos, mas, quando não tem, não faltam parceiros que doam seu trabalho, doam seu tempo para que a gente faça esse trabalho junto com as mulheres.

Bernardo Maciel: E tem algum desafio específico que a ONG enfrenta atualmente?

Clara Silveira: Tem: falta de verba. Tem um custo muito alto, né, porque, para manter o espaço… O prédio é meu, pessoa física, que eu cedo, então a gente já não paga aluguel, mas tem toda uma manutenção de energia, internet, de água, de limpeza, manutenção dos computadores quando dá um problema, manutenção dos instrumentos musicais, vigia, as pessoas que trabalham lá, tem aqueles trabalhos permanentes, e eles são pagos. Então a dificuldade financeira é grande.

Lucas Vieira: Clara, agora nós vamos conversar um pouco sobre a sua obra, Partes de mim, lançada em dezembro de 2021. Na sua escrita, é possível perceber a presença de uma Clara que busca a superação e o autoconhecimento. De onde vem todo esse aprendizado sobre si mesma?

Clara Silveira: De uma Clara que não sabia que passava tudo aquilo que ela ajudava, que ela defendia, que ela buscava nas mulheres e, de repente, ela descobre que ela é uma das ajudadas, que ela passou por tudo aquilo, que aprende, ela descobre que, na realidade, ela sofre a violência doméstica com todos os requisitos que tá escrito na lei. Que ela descobre as maiores sequelas que a violência psicológica pode acometer ao ser humano. Quando ela descobre tudo isso, quando ela tá no fundo, no fundo do que é, foi feito e vai fazendo, tipo um câncer que vai, vai, você não cuida e, quando descobre, ele já tá na fase, já quase sem cura, e aí vem um milagre da cura. E aí, quando ela descobre tudo isso que, na realidade, ela é uma delas e ela vai atrás de fazer o que ela fazia, os trabalhos, ela vai fazer nela. Então, ela vai entrar em busca de sua superação, em busca de ajudas psicológicas e se reconstruir. Foi através da escrita que fiz a minha própria terapia, e o livro fala também disso. Por isso que ela fala também de meu pai, que foi de quem eu mais lembrei foi ele, e seus ensinamentos me ajudaram a me reconstruir.

“[O aprendizado sobre si mesma vem] de uma Clara que não sabia que passava tudo aquilo que ela ajudava, que ela defendia, que ela buscava nas mulheres e, de repente, ela descobre que ela é uma das ajudadas”.

Lucas Vieira: Outro tema recorrente em sua obra é referente à relação sua com Deus e Nossa senhora. Essa relação tem participação na construção da Clara como escritora?

Clara Silveira: Sim, de certa feita sim, porque foi em Deus e, principalmente, em Nossa Senhora que eu encontrei a força, a fé de sair da escuridão, a luz para onde eu saí, que eu vivia na escuridão onde, de repente, eu caí. E tive uma experiência muito grande com Nossa Senhora, e a minha fé aumentou. E foi na fé que eu consegui sair e me reconstruir totalmente.

Lucas Vieira: E, para terminar, fazendo alusão ao título de seu livro, eu gostaria de saber: quais são as partes de Clara Silveira?

Clara Silveira: Existem duas Claras: a de antes e depois. Então a de hoje, e a do passado já passou, eu já esqueci. A parte de mim que eu mais gosto é da Clara que olha para o próximo, sem distinção. O próximo é apenas um ser humano igual a mim. E isso me traz um olhar para a vida que me preenche, me faz muito feliz, me dá sentido, então dessa parte que eu mais gosto, da Clara enquanto essência. E, na parte física, o meu sorriso. Eu aprendi a sorrir. Porque eu pensava que eu ria, e depois que eu passei o que [eu passei], é essa descoberta, e me livrei, graças a Deus, superei com o divórcio, eu encontrei com algumas pessoas no interior e me chamou atenção, de senhores e senhoras, que já tem não só posições sociais, intelectuais, experiência de vida, que eu pensei que nem me percebia, nem me conhecia e disse assim, me parou e disse assim: “Valha, Clara, você sorri, você tem um sorriso tão bonito”. E eu: “Eu sempre sorrio”. [E eles:] “Não, eu nunca vi você sorrindo. Você começou a sorrir agora, você sabia?”. E eu comecei a prestar atenção. Comecei a gostar tanto do meu sorriso. Sorrir é muito bom. Então são essas duas coisas, partes de mim, que eu mais gosto. E por isso o nome do livro, Partes de mim, tanto da minha história, quanto de mim em essência e em físico.

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Maria Fernanda Melo
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Os textos são publicados por uma estudante de jornalismo, paulista de sangue & nordestina de coração :)