Clécia Pitaguary: “Eu sou uma cicatriz”

Antonio Eudes
EntreFios - tecendo narrativas
25 min readJul 5, 2023

De pele clara e olhos verdes, fruto do relacionamento entre um branco e uma indígena, a artesã e líder Pitaguary reflete sobre os estereótipos acerca dos povos originários e sobre sua comunidade matriarcal, em Pacatuba

Por Emilly de Castro, Victor Marinho, Lorena Frota,
Livial Leal, Bianca Raynara e Antônio Eudes

Clécia Pitaguary, lider e militante indígena de Pacatuba, no Ceará / EntreFios

A miscigenação do povo brasileiro é resultado do estupro. É como cicatriz deixada pela violência do colonizador europeu durante a invasão do território brasileiro. É assim que a artesã e liderança indígena Clécia Pitaguary explica sua pele branca e seus olhos claros quando questionada sobre os estereótipos acerca do fenótipo dos povos originários.

Mãe, artesã, mulher indígena e professora de uma vida, Clécia propõe novo olhar sobre os povos originários brasileiros e nos convida, a partir de suas reflexões, a estabelecer um contato mais próximo à cultura das comunidades indígenas cearenses.

Nascida no berço de uma aldeia matriarcal, Clécia lidera, há mais de dez anos, o povo Pitaguary, na cidade de Pacatuba, na Região Metropolitana de Fortaleza.

Ao fazer jus à crença de que uma figura feminina — a mãe natureza — ocupa lugar de liderança no mundo, Clécia levou a voz das mulheres aos espaços onde só os homens indígenas tinham vez e ainda desbravou territórios afora em busca de direitos para seu povo.

Uma das fundadoras da Articulação de Mulheres Indígenas no Ceará (Amice), Clécia atua na militância indígena desde 1990. Aos 53 anos, a ativista relembra as lutas que o povo Pitaguary já enfrentou e os processos que a tornaram uma liderança em sua comunidade.

Em entrevista ao EntreFios em 15 de junho de 2023, a líder Pitaguary refletiu sobre os riscos de vivermos em uma sociedade do esquecimento, responsável por promover o apagamento da história do Brasil.

Clécia analisou, ainda, as possíveis consequências da atuação econômica da pedreira Canaã, que, desde 2011, tenta retomar suas atividades de mineração em Pacatuba, nas proximidades do território Pitaguary.

A líder indígena tratou, também, das ameaças do Marco Temporal, projeto de lei já aprovado na Câmara do Deputados e que agora tramita no Senado. Puxado especialmente pela bancada ruralista do Congresso Nacional, o PL 490 defende que os povos originários só possuam direitos sobre as terras que já eram oficialmente reconhecidas como indígenas no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988.

“É como se a gente estivesse na beira da praia, com caravelas e portugueses vindo novamente. Vai começar tudo de novo”, lamenta Clécia ao ser questionada sobre o Marco Temporal.

Confira a entrevista em vídeo e acompanhe a transcrição logo abaixo.

Livia Leal: Clécia, você cresceu observando grandes lideranças indígenas e também cresceu inserida na cultura e tradição Pitaguary. Em que momento você decidiu iniciar na militância indígena e como foi esse início?

Clécia Pitaguary: Bem, eu iniciei na militância indígena quando o meu povo começou a se organizar para o reconhecimento étnico. Foi nesse momento que eu fui chamada para participar de reuniões do povo. E naquele momento tava acontecendo um movimento indígena, não só do povo Pitaguary, mas também do povo Tremembé e Jenipapo-kanindé e Tapeba. Eu ainda era bem jovem, não tinha muito conhecimento sobre essas questões da luta indígena, e eu comecei participando vendo e ouvindo as lideranças dos mais velhos. Aí era aquele momento em que todos começavam a buscar o reconhecimento étnico. E foi nesse momento que eu começo a luta dentro do movimento indígena.

Bianca Raynara: Clécia, durante muito tempo, aconteceram lutas para as conquistas dos povos indígenas. Com o tempo, vocês conseguiram construir uma escola, especialmente para crianças, voltada à educação indigena; depois, o museu, que representa muito para a cultura. Eu queria saber como esses dois patrimônios funcionam para a manutenção e propagação da cultura indígena.

Clécia Pitaguary: É de fato. A gente busca esses espaços porque são dois espaços fundamentais para nós e muito importantes. A gente passou pelo processo de colonização e muitas das coisas que fazem parte da nossa cultura foram arrancadas de nós. Eu, enquanto liderança, e eu hoje, uma mulher de 53 anos, não tive direito de viver a minha cultura como eu gostaria, porque isso foi tirado de nós, esse direito.

Ao longo desses 523 anos, essa colonização não termina, ela continua. Aí, quando a gente buscou um reconhecimento étnico, a gente percebeu que escolas convencionais não proporcionam a continuidade, o fortalecimento e afirmação da nossa cultura. Então, buscamos essa escola diferenciada. E, dentro da escola, eu acho que ela é o alicerce, sabe?

Desse desmanche que houve na cultura do indígena — não só nós, mas todas aquelas etnias que foram impactadas pela colonização e que ainda são — , as escolas são esses alicerces de construção dessa cultura que estava sendo desmontada. E hoje, vendo as escolas indígenas, tem crianças e adolescentes que estão lá estudando tanto as disciplinas convencionais, como todas essas questões que estão ligadas à nossa cultura, como culinária, artesanato, espiritualidade, terra e território.

E o museu é importante porque ele tem um espaço onde a história está ali sendo apresentada, exposta para todos que quiserem ir visitar. Isso faz com que tanto pessoas que não são indígenas conheçam um pouco o que é a cultura Pitaguary, mas também dá a oportunidade que nós não tivemos, [para que] as crianças [indígenas] tenham agora esse direito que nós [adultos] não tínhamos na época de crescer, de praticar e de viver tudo isso tanto teoricamente, de você estar olhando, mas é praticamente você também estar fazendo, porque na escola você trabalha teoria e a prática, e o museu trabalha o resgate da memória do povo Pitaguary.

Antônio Eudes: Clécia, você falou a respeito das escolas convencionais e que, infelizmente, ainda na sociedade ainda há muito preconceito e estereótipos com relação aos indígenas. E, apesar disso, quão importante é a conscientização [da sociedade em geral] e a participação na luta pela causa?

Clécia Pitaguary: É uma participação bastante importante para nós, tanto que a nossa escola indígena Pitaguary tem alunos indígenas e não indígenas. É muito importante essa integração, essa convivência entre ambos. Nas escolas tradicionais, ensina-se que o país foi “descoberto”. Dentro da escola indígena, ensinamos que esse país foi “invadido”. As pessoas que chegam à aldeia esperam encontrar um indígena nu, uma oca.

Na escola indígena, você entende que esses indígenas sofreram com a invasão e a miscigenação. A escola [indígena] conta a verdadeira história, e os não indígenas começam a entender essa verdadeira história e o porquê de muitos desses indígenas não seguirem esse estereótipo.

Muitas pessoas já me perguntaram: “Você é indígena mesmo? Você não tem cara de índio, você tem até olho claro”. Quando eu dou palestra na escola e chega alunos novos não indígenas, eu sempre tenho que explicar: “O Brasil foi invadido, e não descoberto, houve estupro das nossas indígenas, houve os amores também, eu sou casada com um homem negro, houve tudo isso”. Alguém diz que você não tem cara de índio. Eu sou, de fato, uma cicatriz. Para cada índio que você olha e você diz “você não tem cara de índio” — e realmente não tenho —, reconheça essa pessoa como uma cicatriz da violência, da colonização, da invasão dos territórios, dos estupros. Não olhe para um indígena que não tem esse estereótipo e espere encontrar a resposta. “Qual a resposta que você teria para isso?”. A resposta que eu teria para isso seria: eu sou a cicatriz, eu sou a resistência.

Lorena Frota: Clécia, nós sabemos que o território dos Pitaguary foi declarado como território indígena em 2006, pela União e pelo Ministério da Justiça. Porém ainda não foi homologado por um decreto do presidente da República. Aliás, apenas um território indígena aqui, no Ceará, é registrado em cartório, que é o Córrego João Pereira [nos municípios de Itarema e Acaraú]. Como essa demora na regulação fundiária dificulta a retirada dos posseiros da região e outras demandas da comunidade?

Clécia Pitaguary: Olha, é muito difícil, muito complicada essa situação de você não ter a posse da terra. Não ter essa homologação, a demarcação… Brasil é muito atrasado nessa questão. No Brasil, não se cumpre as leis, não se cumpre os prazos… Por que o prazo para o reconhecimento e a delimitação do território, por que a demarcação ela tem várias fases e processos, né? Mas até você chegar à demarcação seriam cinco anos, apenas. Cinco anos. Então, o nosso foi lá no final de 2006 e início de 2007, e até hoje nada. E aí o que traz de prejuízo para gente é muito grande, porque é um território que, infelizmente, a cada ano que passa, você vê o território cada vez mais sendo invadido. Por quê? Porque a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] não tem pernas para fiscalizar todos os territórios indígenas. E nós, lideranças, a gente fica nessa linha de frente e nesse combate à invasão de território. Isso nos coloca numa situação de vulnerabilidade.

E aí, esses territórios vão sendo invadidos, e a gente vai perdendo aquele pouco que a gente tem. Então você acaba perdendo territórios perto de nascentes de água que são importantes para a sobrevivência daquele povo, você perde espaço de plantio, do cultivo, da cultura e da segurança alimentar. Você coloca todo aquele povo numa situação de risco. De sobrevivência. E quando não, você coloca esse povo fora desse território. Porque, quando eles não têm esse espaço, da sobrevivência, eles precisam buscar a sobrevivência lá fora. E isso distancia você do seu povo, da sua cultura, desse vínculo, desse elo, dessa ligação que é tão importante. Por quê? Porque terra, para nós, não é uma cifra. Terra para nós é sagrado, é algo que se tem como mais sagrado. Eu acho que, antes da nossa família, o mais sagrado para nós é o território. Porque, sem o território, nem a família a gente tem como construir. Nós não temos como ter uma família sem ter o território, uma terra para colocar. E a terra, para nós, ela precisa estar limpa, precisa estar intacta, precisa estar preservada. E a não demarcação do território das terras indígenas faz com que as pessoas avancem no desmatamento, nas grilagens da terra e invasões criminosas nos territórios. E grandes empresas vão se aproximando, vão se aproximando e encurralando o povo. Nós, Pitaguary, somos um povo encurralado pelos grandes empreendimentos, por pedreiras e tantas outras coisas. E hoje o nosso território é insuficiente e cada vez continua ficando menor. Porque cada vez o povo se aproxima, e a não demarcação só vai fazendo com que isso se torne quase que sufocante para nós como liderança.

Bianca Raynara: Como você falou anteriormente, vocês não sentem esse apoio de alguma instituição em relação à demarcação das terras e dos direitos indígenas. Como que vocês fazem para poder lutar e conseguir o seu direito para obterem as terras?

Clécia Pitaguary: Olha, sempre digo que nós somos um povo muito resistente, nós temos uma resiliência muito grande se você for pensar que esses 523 anos de resistência tem que ter muita resiliência mesmo, tem que ter muita força, tem que ser muito resistente mesmo. Porque, gente, não é fácil.

Nós que somos liderança passamos por muitas situações de conflito, violência, atentado e tudo isso. E como que a gente trabalha isso pra gente se fortalecer e não abandonar essa luta diante de tantas situações com que você se depara? Uma das coisas que nós fazemos, nós temos uma conexão muito forte, nós, povos indígenas. E uma articulação muito rápida, nós conseguimos nos articular muito rápido. A nossa luta é tão importante que ela é prioridade em tudo em nossa vida.

Então, se eu estou fazendo faculdade, se a luta chamar, eu largo, vou para a luta. Se eu tenho trabalho, se a luta chamar, eu largo, eu vou para a luta. Então, se você ver o Acampamento Terra Livre [encontro anual que reúne em Brasília povos indígenas de todo o país], todo ano a gente monta aquele acampamento em Brasília. Esse ano, a gente tava com quase 7 mil indígenas, agora em abril. Então precisa ter muita força, muita articulação para ter esse povo mobilizado da forma como a gente se mobiliza. E não é um estado, dois estados, é o Brasil inteiro. Até povos que tão longe, sem contato, mas você lá, dentro do apartamento, tá lá todo mundo. Então, o povo indígena é muito conectado, porque nós criamos as organizações indígenas.

A gente tem as organizações a nível estadual, a gente tem a nível regional, a gente tem a organização a nível nacional e essas organizações se comunicam. Então chega pra gente hoje a internet, facilita isso, as informações chegam muito rápido. Como agora quando foi pra votar o Marco Temporal [projeto de lei nº 490] agora, tava lá mobilizado [em Brasília], tinha acabado de acontecer uma mobilização do Acampamento Terra livre, mas imediatamente houve outra mobilização, e há outra mobilização a nível estadual, todo estado que tinha povos indígenas houve uma mobilização, e dentro dos municípios, para aqueles que não conseguiram chegar ao centro dos estados.

É uma organização que nós temos há muito tempo e que a gente só vence e vem cada vez mais se fortalecendo através da Apib [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil], Fepoence [Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará], enfim… Tantas outras que têm, a própria Amice [Articulação de Mulheres Indígenas no Ceará] e os apoios, porque a gente tem apoio também. Temos apoio do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, a gente tem o apoio de tanta gente… Mas, pra mim, o apoio mais importante é o apoio da sociedade civil. Porque você não se vê mais só, essa luta não é só mais nossa, indígena, essa luta — que agora ultrapassou a fronteira dos territórios — agora também pertence a uma parte da sociedade civil, que acha importante essa preservação dos territórios e se soma à gente nessa luta, a gente vê isso muito claro. Então isso pra mim não tem preço, esse povo que se junta à luta não tem preço. Isso é tudo.

Lorena Frota: Clécia, há uma grande preocupação com a causa das pedreiras no território indígena e principalmente, em específico, com a pedreira Canaã, em Pacatuba, que, desde 2011, tenta reativar suas atividades. Para você, em experiências pessoais ou em comunidade, como que isso afeta a aldeia? Quais as principais consequências disso?

Clécia Pitaguary: Olha, há consequências terríveis, né? Não seria só para nós, enquanto população indígena, mas para toda a sociedade, todas as pessoas que moram ao redor de uma pedreira. A pedreira é muito nociva. Eu fui agente de saúde e eu acompanhava famílias que moravam ao redor da pedreira, e essas famílias eram muito adoecidas, com questões respiratórias, alérgicas, por conta do pó, da pedra. Eu também acompanhava o trajeto da água que saía da pedreira, depois do período de inverno. É uma água que vem contaminada por conta dos explosivos que eram utilizados. Então, para o meio ambiente, a pedreira traz toda a situação de impacto negativo. E, realmente, nós tivemos muito embate com a pedreira Canaã, [luta essa] que é fruto de uma retomada do povo Pitaguary, e hoje a pedreira está em posse do povo.

Nós temos a posse desse território, mas sim, foi uma luta bem acirrada para que essa pedreira não fosse reativada, porque nós já temos uma pedreira ativa, e mais uma seria muito complicado porque bem próximo a essa pedreira tem o território Pitaguary, tem uma escola profissionalizante, tem uma escola municipal, tem um posto de saúde indígena, tem um posto de saúde não indígena… Então, todas essas coisas bem em frente a uma pedreira. Fora isso, há as casas das pessoas, dos moradores. Tem uma lei que, para esses grandes empreendimentos, deve obrigatoriamente haver um estudo de impacto ambiental, se ele está a até 21 km de territórios indígenas. E nunca houve um estudo de impacto ambiental, nem por parte da pedreira ativa, nem por parte da pedreira Canaã. Seria absurdo aquela pedreira ser reativada. Nós não tivemos alternativa, era um território que já tinha, ano passado, pertencido ao povo Pitaguary. Fomos expulsos de lá. Aquela pedreira foi de onde tiraram as pedras para construir o Porto do Mucuripe [em Fortaleza], naquela época, anos atrás. Foi passando de pessoa para pessoa, aí chegou a esse ponto, quando eles conseguiram retirar. Aí nós retomamos, né? Como eu sou muito conhecida por essas minhas ações nessa questão de retomada do território… Ela era um território Pitaguary e ela foi retomada e hoje a gente tem a posse.

Sabe essa situação dos Yanomami [povos indígenas amazônicos relativamente isolados, perseguidos por garimpeiros e ameaçados de extermínio; ao assumir em janeiro, o presidente Lula visitou o grupo, em Roraima, e o Ministério da Saúde decretou emergência de saúde, por conta das dezenas de mortes por desnutrição e malária]? A situação é muito grave, gente. Você olha para aquelas crianças, elas têm os cabelos caindo, a pele toda manchada. Aquilo ali são os efeitos que o mercúrio vai causando ao contaminar o corpo da pessoa. A pedreira também traz essa contaminação. As explosões afastam os animais, você tem os animais que vão ficar longe do território por conta das explosões. As explosões causam estremecimentos, e nós tivemos nascente que secou, porque as explosões abalam o subsolo, e algumas fontes de água secaram por conta desses abalos.

Tem uma série de coisas que eu podia estar detalhando por muito tempo, de coisas que iriam impactar negativamente para nós enquanto população indígena. Se você for hoje ao nosso território, da pedreira para cá [indica com a mão o lado direito], você vai ver uma destruição completa; mas para lá [indica o lado oposto, à esquerda], você vai ver que tá tudo intacto. Porque agora [o lado esquerdo] é uma terra que foi reconhecida como terra indígena e hoje está sob nossa proteção. Estão sob a proteção do povo Pitaguary. Para se ter ideia, quando a gente fala dessa questão da proteção do território, de a gente impedir que uma pedreira seja reativada, veja bem: nós somos 5% da população desse país, mas 80% dos biomas, da mata, da natureza desse país são protegidos por esses 5% de pessoas indígenas.

É muita coisa para pouca gente [cuidar], mas a gente faz, a gente faz, porque nós temos [cuidado], 80% do território está protegido por esses 5% de população indígena. Então é uma luta bem desigual, mas o que é possível a gente faz. E é isso que a gente faz no território Pitaguary, por isso que a gente não permitiu que a pedreira fosse reaberta.

Antonio Eudes: Clécia, você já citou o Marco Temporal, o PL 490, que pode acabar com as demarcações indígenas pós-Constituição Federal de 1988. Ele já foi aprovado pela Câmara [dos Deputados] e está indo para o Senado. Enquanto isso, o STF [Supremo Tribunal Federal] está julgando a constitucionalidade do projeto. Eu gostaria de saber como esse projeto pode afetar o território indígena Pitaguary.

Clécia Pitaguary: É um fantasma que nos assombra, uma situação que a gente fica em pânico quando essa PL vai para pauta de votação, vai afetar em tudo. Eu fico desesperada. Já começo a rogar para meus encantados, meus guardiões, meus protetores, para que nos ajude, para intervir. É como se você voltasse no tempo, é tanto sofrimento dentro de uma terra indígena, a gente tem tanto sofrimento… Essa é uma arma que está sendo utilizada dentro da política, porque cada lado tem seus interesses e esses territórios estão dentro do cardápio de interesse desses monstros que querem devorar tudo, que não têm limites.

Eles têm tentado há muito tempo votar essa PL, e a gente fica na resistência, a gente sabe que a nossa resistência é só a mobilização, porque, de fato, são eles que vão decidir. “Você tem que provar que você estava aqui”. E como que a gente não estava? É tão absurdo. É como se fizesse um teste de DNA e esse teste de DNA provasse que a pessoa nasceu de ti, aí alguém pede que você prove que você fez esse filho. Nós estávamos aqui, esse Brasil foi invadido. Agora expulsam a gente da nossa terra, depois pedem presença na nossa terra e depois questionam o porquê, [dizem que] não estávamos aqui. Esse Brasil é um Brasil de injustiças, é um Brasil que não respeita direitos, é um Brasil onde a política manda e desmanda, a gente não consegue vencer essa forma como esse povo trabalha. Esse interesse pelos territórios indígenas, esse interesse de devorar tudo, e isso nos afeta porque nós temos uma relação muito grande com o território.

O território para nós é muito sagrado. Se você vai à minha casa, eu tenho uma casa, eu moro naquela casa, mas a minha vida, minha forma de viver não tá ligada àquela casa, tá ligada à mata, eu digo: “Hoje é dia de eu ir pra mata”. E é lá que eu consigo me conectar, me fortalecer, me orientar, me aconselhar. É lá onde eu me sinto viva, onde me sinto gente, onde me sinto parte. E esse PL vem tirar de nós o nosso chão, a nossa vida, vai retirar de nós tudo que a nossa gente conseguiu sustentar hoje. É uma luta injusta, um cabo de guerra onde o lado que se diz forte tá lá, a Câmara dos Deputados e agora o Senado.

Vocês perceberam que, pra mim, foi até fácil responder todas as outras perguntas. Essa é muito complicada. É como se a gente tivesse de pé na beira da praia vendo chegar as primeiras caravelas [portuguesas chegando ao território indígena]. Porque, a partir dali, vai ser tudo de novo, o massacre, você não ter mais chão pra você pisar, não ter mais sua cultura, você não ter mais sua escola, seu museu, não ter mais sua espiritualidade, não ter mais onde você contar sua história. Eu nasci lá dentro da serra, parto normal, parto natural feito pela irmã da minha bisavó. Eu já levei minha filha lá, mas depois dessa PL eu vou levar como? Vão retirar tudo, a gente vai voltar lá pro começo da colonização. O que a gente construiu até hoje, o que a gente conseguiu se virar, resistir, é como se fosse água, que derrama entre os dedos e você não consegue segurar. É isso, é esse sentimento, é esse sentimento de desespero, de injustiça.

Bianca Raynara: Bem, Clécia, anteriormente você citou que a resistência é fundamental para as conquistas. Você, como participante ativa do movimento feminista indígena, percebeu alguma resistência da parte masculina, e da feminina também?

Clécia Pitaguary: Não da minha aldeia. O povo Pitaguary está entre dois municípios. O meu município é Pacatuba, e minha aldeia é uma aldeia matriarcal. Não me pergunte o porquê, porque sempre foi assim. Então, eu nunca tive um enfrentamento por parte das mulheres, dentro da minha etnia, por causa dos homens. Recentemente, a gente teve alguns problemas, a maioria das lideranças Pitaguary são mulheres, a gente teve problemas, sim, mas não dentro do nosso povo diretamente, e sim por parte de pessoas que tentam até hoje impedir que a gente avance nessa luta.

Na verdade, eu não sou a pioneira nessa luta. No meu povo, sim, mas no estado do Ceará, não. A gente teve a Cacique Pequena [do povo Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza], a primeira cacique do Brasil. Então a minha aldeia é matriarca e tem sempre mulheres na liderança. A gente sempre toma as decisões não porque a gente tenha uma imposição. A gente não impõe o nosso papel de mulher liderança em relação aos homens, não. A gente trabalha isso muito calmamente, tranquilamente, nós vemos o homem como parceiro da luta.

Eu lembro que, até quando eu iniciei no movimento indígena, eu participava de muitos momentos, conferências, encontros, assembleias e até mesmo com outras mulheres que não eram indígenas, em que essas mulheres faziam relatos em que elas eram impedidas pelos companheiros de irem para a luta, de irem para esses espaços. Só que, pra mim, às vezes era colocado, eu lembro até uma vez que uma das mulheres colocava assim: “Se não deixa eu ir, eu não quero nem saber, eu cheguei e pronto, se chegar lá e ele não gostou, deixo ele, arranjo outro, se ele não quiser também, eu deixo o outro e arranjo outro. Eu não quero saber, a minha luta eu vou fazer”.

E me fizeram essa pergunta: “E você, como é lá? Como você faz lá?”. Eu disse: “Eu não penso dessa forma como vocês pensam, de que, se não deixar, arranjo outro. Não, eu acho assim, que eu preciso de uma base sólida pra eu fazer minha luta, e a minha base sólida seria principalmente a minha família. Então, eu quero que o meu companheiro entenda que essa luta é importante pra mim, essa luta é minha vida, e eu preciso fazer”. Então, quero que ele entenda isso e que me apoie, eu preciso do apoio dele, a gente é muito mais desse diálogo, de que a gente precisa lutar, que a gente precisa lutar juntos. Porque eu controlo de mim enquanto mulher, eu posso fazer minha luta, mas o meu esposo, no meu marido, a liderança que são os homens, que são das aldeias, eles também precisam fazer a luta deles.

A minha luta é a luta deles, e a deles é a minha, podemos ajudar, nós somos juntos. Era essa fala que a gente fazia quando a gente encontrava alguma situação, porque eu não trabalhei só questão dentro da etnia Pitaguary, eu trabalho o Nordeste todo. Onde tem uma etnia indígena de algum estado do Nordeste, nós vamos até lá através do projeto intertribal de mulheres indígenas. A gente teve, sim, muitos embates com homens, com caciques e pajés, lideranças de outras etnias onde as mulheres eram proibidas de participar dessas conversas ou da tomada de decisões. A gente sempre chegava lá conversando: “Ó, por que a mulher não pode ir para uma conferência de saúde? É ela que é a mulher, então ela precisa ir”. O homem [de outros povos indígenas] não queria deixar porque dizia que a mulher ia pra lá pra namorar.

Eu preciso falar de mim, da minha saúde, eu menstruo, quem pare sou eu, quem amamenta sou eu, então eu tenho particularidades enquanto eu mulher, enquanto minha saúde feminina, então eu preciso eu mesma falar de mim, da minha saúde, de que modo eu quero ser tratada, como é que eu quero que seja meu parto, como eu quero ser acolhida nesse parto. Aí a gente falava muito sobre isso, até porque é a situação que a minha filha sofreu, uma violência durante o parto dela. Não podia acompanhar, tinha que ficar lá fora, a violência foi por parte do médico que fez o parto dela.

A gente precisa desses espaços para falar sobre aquilo que é da nossa importância enquanto mulher, precisávamos trabalhar isso com os homens. Não digo “convencer”, porque “convencer” não é a palavra adequada, mas “sensibilizar” que ele precisava entender que ela tinha que fazer a sua luta, ocupar o seu espaço e que ele podia ser um apoio, era mais necessário que isso acontecesse. E eu tenho um companheiro que estamos juntos há 22 anos, porque ele me apoia em tudo, hoje é aniversário dele e eu estou aqui e ele está lá, mas ele entendeu que eu tinha esse momento e que eu tinha que estar aqui.

Então são esses os desafios, né? Mas não é fácil porque, desse homem e dessa mulher que já são assim, que têm preconceito, ser uma mulher indígena — e, além de ser indígena, ser essa mulher com essa cicatriz —, você enfrenta uma luta onde você vai ter muitos desafios, você vai ter muito preconceito sobre a gente, você vai ser muito machucada, então você precisa estar preparada pra estar apanhando mesmo. Eu digo porque eu apanho muito, mas eu estou ali e eu desapareço para manter as feridas e sempre estou ali, sempre é assim.

Livia Leal: Há 16 anos, você e outras lideranças femininas fundaram a Articulação de Mulheres Indígenas do Ceará, a Amice. Quais pautas em comum entre vocês levaram à criação desse projeto e o que mudou e avançou a partir dessa organização?

Clécia Pitaguary: Pois é, olha só… Essa discussão para criar uma organização indígena no estado do Ceará de fato partiu desse projeto intertribal de mulheres indígenas. Naquela época, eu trabalhava muito essa questão do empoderamento da mulher dentro da etnia, não fora, e eu nem tinha um conhecimento bom dessa questão da inclusão da mulher feminista e tal, não tinha muito esse conhecimento. Eu fazia, mas não sabia que era aquilo que eu fazia que era aquilo ali, não tinha esse entendimento ainda. E aí, dentro da aldeia, existia alguns casos de violência contra mulher, então eu acho que fui a primeira mulher a abrigar mulheres em situação de violência. Começaram as ameaças a mim, começaram por aí, pela proteção a essas mulheres. Conversando com outras mulheres naquela época, eu tive contato com uma liderança que também era mulher e que também via essa discriminação contra nós. Foi quando a gente se juntou, criamos o projeto e a gente começou a se empoderar mesmo. Era momento de empoderamento nosso, enquanto indígena, enquanto mulher, porque a gente precisava ocupar esses espaços. Porque, gente, olha… Tudo que acontece impacta primeiramente em nós, enquanto mulher dentro da aldeia. Primeira a impactar somos nós mulheres, sejam decisões da política, sejam as decisões próprias das esferas estadual, municipal, nacional, o primeiro impacto é em nós. Então, a gente precisava mudar aquilo, precisava ocupar esses espaços. Foi quando a gente começou a fazer esse trabalho. E aí nós pensamos, depois que finalizou o projeto, que a gente cumpriu essa missão de ter esse contato com todas as etnias, veio a ideia de se fazer uma assembleia, eu com um grupo de mulheres que tinha dentro do Pitaguary. Aí: “Vamos fazer uma assembleia de mulheres Pitaguary?”. Aí eu digo: “Por que é que a gente não faz uma assembleia estadual de mulheres?”. Porque a gente já se encontrava sempre na Assembleia Estadual de Povos Indígenas do Ceará. Aí a gente foi, fizemos, realizamos a primeira Assembleia de Mulheres Indígenas do Estado do Ceará. Só que, quando eu comecei a assembleia juntamente com um grupo de mulheres, eu já tava com uma ideia de criar uma organização a nível estadual. Então, na assembleia, a gente propôs a criação da Amice, a Articulação das Mulheres Indígenas no Estado do Ceará. A proposta, todo mundo acatou. E a gente votou, criamos a organização. Eu nunca estive à frente da Amice, nunca quis, nunca me coloquei, porque não dava pra mim, eram muitas coisas para fazer, então não podia ficar presa ali. E a Amice abriu muitas oportunidades para nós enquanto mulheres. Veja bem, hoje nós temos nossa Secretaria Estadual de Povos Originários [criada em janeiro de 2023 pelo governo estadual de Elmano de Freitas, do PT], e a gente tem lá [na condição de secretária] uma grande liderança que foi, inclusive, candidata [a deputada estadual pelo PCdoB em 2022], que é a Juliana. A Juliana é a Cacica Irê dos Jenipapo-kanindé, filha da Cacica Pequena, que foi a primeira cacica do Brasil. Hoje, nós temos à frente da nossa organização, que é a Fepoence, a Juliana Tremembé, que é uma grande liderança que enfrentou muitas lutas, inclusive fiz parte desse movimento do povo Tremembé e tenho muito orgulho de ter participado disso. Aquelas mulheres são muito guerreiras, é a Juliana e a Herbênia. A gente tem a Rosa Pitaguary, que está na secretaria há seis anos, grande liderança do estado do Ceará que hoje tá no Ministério dos Povos Originários [pasta criada pelo atual governo federal]. Então, essa organização de mulheres deu empoderamento a muita mulher. Tô citando essas, mas tem muitas mulheres aí empoderadas que hoje tão aí, desbravando dentro desse movimento e se colocando muito bem. Você vê hoje que nós temos a Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, que acontece todo ano. Agora em setembro [de 2023], vai ter essa marcha, e eu vou estar lá, se Deus quiser. Não existiam essas coisas antes, mas, com o tempo, a gente foi se organizando e hoje nós temos um grande movimento de mulheres indígenas que tão aí, dominando, e tá ocupando os espaços, que está aí, levando sua voz. A Sônia Guajajara [ministra dos Povos Indígenas, no governo Lula, e deputada federal eleita pelo Psol de São Paulo], uma potência; Joenia [Wapichana, ex-deputada federal pelo Rede de Roraima e atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a Funai], enfim… Eu fico muito orgulhosa de ter iniciado essa luta aqui, juntamente com esse grupo de mulheres. Eu não comecei nada sozinha, não fiz nada sozinha, ninguém é ninguém sozinho. A gente é um grupo, a gente é um coletivo. Tenho muito orgulho de ter tido essa participação e estado à frente desses movimentos que ficaram para a nossa história enquanto mulheres indígenas.

Lorena Frota: Clécia, além desses movimentos, você também faz parte do Vozes das Mulheres Indígenas, que é um projeto vinculado à ONU Mulheres e você especificamente integra o Voz da Caatinga. Como é para você levar essa representatividade da Caatinga e do Nordeste brasileiro para dentro de outras discussões, como o Comitê das Mudanças Climáticas? Como isso impacta no seu discurso?

Clécia Pitaguary: Olha, eu me sinto feliz de ter tido essa experiência, de participar desse discurso, em relação à questão da Caatinga. Quando eu comecei no Comitê Internacional de Mudanças Climáticas, foi justamente através do Voz [da Caatinga], né? Eu fui convidada para ir para o Voz e lá foi muito bom e muito enriquecedor para mim, porque eu tive uma troca de experiências com outras mulheres, com outras realidades, com outras situações. Então ali foi uma troca muito grande de nós com nós, sobre tudo que a gente vivia. Tiveram momentos felizes, tiveram momentos de muita alegria, de muita garra. Tiveram muitas lutas, tiveram muitas coisas tristes, porque existia também muita violência, sabe? Tem povos que passam por violências terríveis.

Então, aquele momento todo pra mim foi muito importante no Voz, e do Voz eu fui indicada para participar desse comitê. Eu acho até que fui indicada para lá porque, quando eu estava no Voz e a gente estava discutindo sobre a representatividade nesse comitê, eu fui indicada para representar o Nordeste porque eu defendia muito a Caatinga. Porque todas as discussões eram voltadas para a Amazônia. Mas, gente, nós temos que pensar em todos os biomas porque o desequilíbrio de um bioma vai impactar em todo o planeta. Não vai impactar só aqui, no Nordeste.

Então eu comecei a fazer essa fala de que a gente precisava também se voltar para pesquisar, para estudar esse bioma e ver o que estava acontecendo, quais os impactos, as queimadas que acontecem direto, que você via nos telejornais.

Eu fui justamente por falar tanto e discutir tanto, querer tanto essa pauta de preservação também para os outros biomas, porque a gente tem o Pantanal e vários biomas.Precisamos preservar todos, não é a preservação de um que vai equilibrar. Se um não for preservado, o desequilíbrio é total. Então eu lembro até um dia em que a gente estava nessa discussão em Brasília e veio uma pessoa do Ministério do Meio Ambiente e colocou para a gente que ia ter que juntar os núcleos para discutir propostas de como a gente se adaptaria ao impacto das mudanças climáticas. Eu disse que não tinha proposta nenhuma para isso, eu não vou fazer parte desse grupo, isso era um absurdo. Eu comecei a rir, e a pessoa não gostou, porque eu disse: “Olha, inventaram o ventilador, que não está dando conta. Aí inventaram o ar-condicionado, que também não dá conta. Depois vão inventar o quê?”. A gente precisa criar propostas de como a gente diminuir e desacelerar o impacto que tem em relação às mudanças climáticas. A gente precisa mudar nossos hábitos, mudar a forma como estamos tratando o meio ambiente, é isso que a gente tem que fazer.

Antônio Eudes: Recentemente, no dia 12 de junho [de 2023], a gente teve o dia do Pitaguary e houve comemorações na tribo e com a mangueira centenária. Se você puder contar pra gente como são feitas as comemorações e a importância desse dia para vocês…

Clécia Pitaguary: É um dia muito bom, muito importante. Convido vocês a participar, é sempre no dia 12 de junho de todo ano. A gente comemora o dia do Pitaguary. É um dia que tem importância porque é um dia que a gente vai reverenciar aqueles que tombaram na luta, que já se foram, que fizeram a luta, que depois a gente vem e toma essa luta. A gente faz essas oferendas, reverência agradecendo pela luta que eles fizeram, pelo sacrifício de estar ali. Ao mesmo tempo, a gente festeja a resistência.

Esse ano nós tivemos um momento bem diferente, foi praticamente a festa de verdade pós-pandemia [de covid-19]. O número de jovens Pitaguary era tão grande, estava lindo aqueles meninos e aquelas meninas. Você sente um alívio, dá uma respirada em saber que você tá ali, reverenciando aqueles que já se foram, que passaram na luta, que fizeram sua passagem, você olha aqueles meninos e: “Tô preparada, já posso ir, eles tão aqui pra fazer essa luta”. E isso é muito bom.

A gente faz esse momento no dia 12 [de junho], na mangueira sagrada, o momento do ritual que é esse agradecimento, o momento do festejo da resistência e da continuidade da luta. Antes desse, tem um momento fechado só para a aldeia. Nesse dia 12, sempre tem imprensa, tem muita gente, não são só os Pitaguary, tem muita gente das universidades. Quem vai pro Pitaguary volta pra sempre, nunca mais deixa de ir, fica indo direto. Vem nossos parentes de outras etnias, que vêm participar dessa festa; a imprensa, que vai pra cobrir; tem muita gente, os apoiadores da causa. É um momento muito importante e que a gente tem que compartilhar com todos aqueles que chegaram.

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Antonio Eudes
EntreFios - tecendo narrativas

Estudante de jornalismo, flamenguista e sou outras coisas também.