O segredo da longevidade

Renan Matos
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readMar 31, 2021

Conhecido como “seu Donana”, Sebastião Eufrásio de Matos nasceu em 1920, no distrito de São Pedro da Serra, em Itapagé, no interior do Ceará; ali, viu décadas passando num piscar de olhos, alcançando os 101 anos de vida

Por Renan Matos

Seu Donana é filho de Itapajé, cidade do interior do Ceará / Renan Matos

Sentado num tamborete no alpendre de sua casa, Sebastião Eufrásio de Matos aprecia a paisagem que viu mudar ao longo de seus 101 anos de idade. Diante desse cenário, no distrito de São Pedro da Serra, na cidade cearense de Itapagé, ele tenta mobilizar vagarosamente suas memórias e vivências com o olhar distante de quem já passou por muitas histórias.

Cheio de carisma e simpatia, “seu Donana” recorda que o mundo em que vive hoje é bem diferente daquele que experimentou quando jovem, juntamente com os pais e seus dez irmãos, num casebre bem distante de qualquer sinal de civilização próxima, sem luz ou sinal de comunicação.

Sebastião se transformou numa relíquia viva, que transmite às gerações seguintes as marcas históricas da humanidade.

Ele é a única pessoa viva de seu núcleo familiar e o morador mais velho da localidade onde mora, o que gera um respeito não somente por parte de seus descendentes, mas de toda a comunidade local, que tem por ele um enorme apreço.

Com dor em seu olhar, Sebastião nos lembra que, quando ele falecer, dará fim a uma geração centenária da família Eufrásio.

Ao observar seu neto correndo pela casa, ele relembra que fora casado duas vezes e que amou as duas esposas igualmente. Sentiu-se deprimido ao vivenciar a partida de cada uma delas, restando apenas retratos, lembranças e o amor dos quatorze filhos provenientes dos dois matrimônios.

Sebastião não quer ninguém chorando por ele ao falecer. Quer que fiquem com ele enquanto estiver vivo. Depois que a pessoa morre, não adianta mais.

Depois de décadas, Sebastião anda a passos curtos, mas é dono de uma memória e de uma saúde invejáveis. Ele atribui sua longevidade ao fato de diariamente comer a carne dos porcos que criava em seu pequeno terreno, além de ter retirado de seu próprio quintal o alimento que cultivou em seu antigo roçado até seus 95 anos. Os sinais da velhice fizeram seus filhos aconselhá-lo a abandonar a criação de animais e o cultivo de alimentos.

Seu Donana sempre foi independente, ou, como ele costuma afirmar, “sempre fui cabra macho”, referindo-se ao fato de até hoje não precisar de ajuda para a realização de suas tarefas diárias. Sempre que possível, afirma que, quando estiver numa idade mais avançada, prefere morrer a ter de causar “sofrimento e preocupação” a seus filhos.

Sebastião sempre viveu daquilo que cultivou, usufruindo da natureza ao seu redor de todas as formas possíveis, inclusive como medicina para a cura de enfermidades. Quando alguém da família adoecia, tinham que andar quilômetros até o centro de Itapajé.

Mesmo com o longo percurso até a cidade, o agricultor realizava o trajeto a pé semanalmente para vender o arroz, o milho, o feijão, o jerimum e outros alimentos produzidos em sua roça, a fim de arrecadar dinheiro para a compra de produtos básicos de casa, inclusive para o combustível das lamparinas, usadas somente quando havia necessidade. Sebastião se deparou com várias mudanças ao longo de todos esses anos, como a implantação da energia elétrica de onde mora, em 2005.

Ao longo das décadas, a solidão da sua caminhada semanal até o centro da cidade foi sendo interrompida gradativamente pelo som dos primeiros “carros de horário” (veículos que prestam serviço informal de transporte no interior do estado), das bicicletas e das motos. Ele raramente usava aquele transporte coletivo, considerado um privilégio para os poucos que tinham dinheiro. Quando ele podia pagar pelo serviço, o pouco dinheiro de que dispunha era destinado ao transporte de sua mercadoria. E lá se ia os produtos sobre quatro rodas, enquanto ele seguia a pé até sua casa.

Entre as diversas mudanças que presenciou, as mais significativas foram nas pessoas em si. Exemplo disso seria o aumento da violência. Ele se recorda que, antigamente, as pessoas deixavam as portas de casa abertas, sem medo de assaltos.

Sebastião vive num mundo que não o reconhece mais, mas que constantemente se faz presente na sua vida, com suas modernidades e complexidades. É nesse mundo que Sebastião tenta recriar as lembranças de uma época repleta de riquezas e simplicidade.

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