Dá para vencer sozinha?

Mãe solo de quatro filhos, a cantora Karynne Wirtzbiki se abre sobre sua trajetória de vida e os obstáculos vencidos que a levaram a uma carreira na música

Por Adelia Wirztbiki

Karynne em 2022 / Arquivo Pessoal

Nascida em 25 de outubro de 1976, Karynne Gomes Wirtzbiki teve uma infância conturbada. Quando nasceu, sua mãe era muito nova, havia se casado cedo demais e ela foi um acidente no primeiro relacionamento de sua mãe após o divórcio. A mãe queria curtir a vida, ter sua independência e crescer profissionalmente. Karynne e seus irmãos não eram a prioridade.

“Não tive muito acompanhamento de mãe, porque minha mãe trabalhava, meus avós quando eu era pequena faleceram logo, e eu fiquei assim, meio perdida no meio da família, enfim… faz parte”, relembra Karynne com tristeza na voz.

Sua adolescência não foi muito diferente, sofria muito bullying na escola e não tinha uma boa relação com a mãe. Aos 17 anos, conheceu o pai de sua primeira filha, foi morar com ele e, quando sua filha tinha pouco mais de um ano, foi espancada pelo companheiro. Sem ter para onde ir, precisou voltar para a casa da mãe e, um ano depois, teve uma segunda gravidez inesperada. Sua vida seguia como que sem rumo, e seu objetivo agora era apenas um: dar o que comer a seus filhos.

O sonho de criança de ser dançarina de jazz ou bailarina deu lugar a uma vida de incertezas. Passou a ser garçonete de um quiosque na beira de uma lagoa próximo de casa. Mas o dinheiro não era suficiente. Por vezes, trabalhava a noite toda servindo mesas e voltava para casa com dois reais.

Cantar no quiosque foi a melhor solução para completar a renda. Por sua voz linda, conheceu compositores que lhe prometeram o mundo, mas as coisas não eram fáceis assim. Após um árduo dia de gravações longe dos filhos, dois deles tentaram levá-la para um motel, alegando que isso faria sua carreira crescer. Karynne se recusou e nunca foi paga pelas gravações, tampouco foi reconhecida por seu trabalho e precisou voltar a trabalhar no quiosque fazendo bicos de cantora.

Apostando no amor mais uma vez, conheceu em 2007 quem viria a ser o pai de seu terceiro filho. Mas o relacionamento não durou. Sua mãe não aceitou e a expulsou de casa, grávida, com dois filhos pequenos. A rua e a fome eram assustadoras, mas seu espírito guerreiro não a deixou desistir.

Foi morando de aluguel em uma pequena vila que ela firmou parceria com um tecladista, que também a enganava. Cantava quatro horas para ganhar R$ 15, enquanto ele ganhava R$ 70 ou até mais.

As dificuldades da vida pareciam não acabar mais. “A gente almoçava e jantava uma sopa que a igreja dava, não tinha café da manhã nem merenda. Mas a gente era feliz.” O bom humor e a esperança não escondem a tristeza na voz de quem precisou passar por tantos desafios.

Após algum tempo, a mãe se sentiu sensibilizada e a convidou para voltar para casa. É de se pensar que três filhos já eram mais que suficientes, mas o destino tinha outros planos. Em 2009, engravidou de seu quarto filho, mais uma menina. A mãe dessa vez não a expulsou de casa, aprendeu a aceitar a vida com os quatro netos.

Com todas as barreiras já enfrentadas por essa mulher cheia de força, questiono sobre qual era seu maior desafio, e ela não pensou duas vezes antes de responder:

“O maior desafio era passar a noite acordada e ter que deixar meus filhos em casa com minha mais velha. Tudo foi em função da minha família. Eu era mãe solteira, não tinha um companheiro que me ajudasse e eu não queria saber de mais nada, era só a comida. Até hoje, minha satisfação é chegar em casa e ter minha geladeira cheia. O resto é o resto”.

Hoje, com 46 anos, Karynne faz festas particulares com um parceiro que a apoia e divide os lucros igualmente. Mora com o companheiro e dois filhos, uma menina de 12 e um menino de 15 anos. Sente-se realizada em sua profissão e ama o que faz. O apoio daqueles ao seu redor é necessário e muito bem-vindo. E o cansaço é apenas mais um obstáculo a ser vencido na luta por uma vida digna e de qualidade.

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