Do Gardênia Azul para o mundo

Fernanda Filiú
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readDec 3, 2022

Conheça Kellvn, artista periférico carioca que, por meio da poesia de slam, traça seu caminho em direção ao sucesso

Por Fernanda Filiú

Kellvin de Andrade / Arquivo Pessoal

Kellvin de Andrade é um jovem de 29 anos que vive a infância e adolescência que não pôde, mas se responsabiliza pelo adulto que é e sonha ser. Geógrafo pela PUC-Rio e cria do Gardênia Azul, bairro periférico na cidade do Rio de Janeiro, construiu a relação afetiva com o papel e a caneta ainda na infância.

Apesar de não ter sido um estudante extraordinário na fase escolar, Kellvin se destacava por suas habilidades na escrita. Com olhar criativo para os materiais escolares, o menino já escrevia os esboços de futuras poesias que se projetariam nos espaços que seu futuro “eu” alcançou. Embora seu lado artístico tenha florido ainda nos primeiros anos de vida, foi na maioridade que teve contato com uma arte que mudaria seu destino. Kellvin encontrou sua vocação na poesia de slam.

A poesia de slam é um tipo de poesia falada e, também, um movimento sociocultural de tomada de consciência e denúncia. Protagonizada por poetas contemporâneos periféricos, os artistas abordam de forma crítica temas como racismo, violência policial e o machismo.

O Slam da FLUp (Festa Literária das Periferias) foi o primeiro palco verdadeiro de Kellvin. Aos 24 anos, participou pela primeira vez como poeta. A obrigatoriedade da recitação de seus próprios poemas, sem figurino e sem suporte, colocou o corpo e a voz do menino preto, gay e periférico em primeiro plano.

A partir da permissão de não medir palavras, a poesia de slam ofereceu a Kellvin a oportunidade de se entender como artista e, bem ali, nascia KELLVN. Agora, sem “i”, o que diferencia sua identidade artística do seu documento de registro geral.

Através dessas experiências, o garoto percebe-se como voz geradora de identificação e de protesto para transformar o espaço coletivo ao seu redor. Hoje, também na música.

Em 2021, lançou seu primeiro álbum, intitulado “Cura”. Abordando vivências e dificuldades de acolhimento em relação à sexualidade, tanto pessoais, quanto coletivas, o artista iniciou o processo de ressignificação da ideia de cura; experiência que dá nome à sua primeira obra musical, composta por nove faixas.

Desde cedo apontam o dedo e dizem “precisa de cura”

Criança viada, levanta a cabeça, a culpa não é sua

Nem céu, nem inferno, o close é eterno e a vida continua

Repense conceitos e você verá quem precisa de cura

Kellvn - Cura (prod. Memê no Beat)

Capa do álbum Cura, de Kellvn / Reprodução/Spotify

Durante o desenvolvimento de poeta a cantor, uma figura marcante nas noites da Lapa do início do século 20 teve papel fundamental. Referenciado em diversas produções poéticas, acadêmicas e musicais do jovem, João Francisco dos Santos, conhecido como Madame Satã, artista negro símbolo de resistência da comunidade preta LGBT, se apresentou para ele como patrono.

Ainda durante a graduação em Geografia na PUC-Rio, onde era bolsista, Kellvn fundou, em 2015, o primeiro coletivo LGBTQIA+ da história da instituição. O coletivo Madame Satã atuou no enfrentamento à LGBTQIA+fobia, ao racismo e ao elitismo nos espaços públicos. E mais uma vez, João Francisco dos Santos se fez presente, tanto em nome, quanto em luta.

João Francisco dos Santos (Madame Satã) / Reprodução/Revista Híbrida

Com o objetivo de viver pela sua arte, transformando sonhos em metas e, por fim, em realidades, o garoto do Gardênia Azul inicia sua subida rumo ao sucesso.

Mas o que esperar de Kellvn no futuro?

Arte, Geografia e Ação.

Kellvn / Arquivo Pessoal

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