Declarações de Eduardo Girão vão de insustentáveis a exageradas

Clara Klink
EntreFios - tecendo narrativas
7 min readOct 28, 2023

EntreFios checou oito afirmações feitas pelo senador cearense filiado ao partido Novo em entrevista concedida ao jornalista Carlos Di Franco no YouTube, em 13 de setembro

Por Clara Klink, Grasieler Martins, Isabella Pascoal, Jessica, Xaio Lopes e Yasmin Louise

Luís Eduardo Girão é um político cearense filiado ao Partido Novo | Reprodução — Waldemir Barreto/Agência Senado

Durante entrevista conduzida pelo jornalista Carlos Di Franco em seu canal do YouTube, em 13 de setembro, o senador cearense Eduardo Girão (Novo) abordou dados diversos referentes à atual situação da sociedade brasileira, desde políticas públicas até questões sociais.

Entre eles, foi mencionada a descriminalização do porte de drogas e do aborto, as investigações da Operação Lava Jato, a situação econômica do Brasil e as emendas parlamentares a que deputados e senadores têm direito.

As etiquetas e o método utilizados pelo EntreFios para esta checagem são os mesmos da Lupa, agência brasileira especializada em checar a veracidade de declarações públicas.

Confira, a seguir, a checagem das declarações expressas pelo senador durante a entrevista:

INSUSTENTÁVEL

“(…) Tanto que 80% da população, 80% é contra a legalização das drogas.”

O senador aborda alegalização” de todas as drogas no país, de forma genérica. Não há pesquisas acerca da descriminalização das drogas como um todo, sendo divididas em suas substâncias e os seus respectivos usos.

Especificamente sobre a maconha, uma pesquisa recente do DataFolha, divulgada em 23 de setembro, constatou que 72% da população brasileira é contra a legalização do uso geral dessa droga, 6% a mais do que a pesquisa anterior realizada em 2018. Já o uso medicinal da cannabis é apoiado por 76% dos brasileiros. A pesquisa entrevistou 2.016 pessoas maiores de 16 anos em 139 municípios do país, nos dias 12 e 13 de setembro.

Fonte: G1/DataFolha
Fonte: G1/DataFolha

No caso da cocaína, o estudo do Paraná Pesquisas para a Gazeta do Povo revelou, em 2018, que 70% da população brasileira é contra a legalização da cannabis, enquanto 84,3% é contra a cocaína. Para esta pesquisa, foram entrevistadas 2.020 pessoas em todos os estados do país.

EXAGERADO

“Agora, o aborto, o índice é ainda maior. Cerca de 90% da população […]”

Há pesquisas como a Global Views on Abortion, divulgada em 22 de agosto de 2023 pelo Instituto Ipsos. A consulta foi feita com 23.334 pessoas de 24 países. No caso do Brasil, 15% da população seria contra a legalização do aborto em todos os casos e 15% seriam a favor.

Os dados revelam também que há situações em que os brasileiros são favoráveis ao aborto: quando a gravidez ameaça a vida da mãe (66%), quando é resultado de um estupro (70%) e quando o bebê tem grandes chanches de nascer com sérios problemas de saúde (50%). Esses três casos de aborto já são permitidos pela Justiça brasileira.

Na visão geral do estudo internacional, 43% dos entrevistados se posicionaram contra a legalização do aborto no país, e 39% se posicionaram a favor. Há, portanto, um empate técnico, dada a margem de erro de 3,5 pontos percentuais.

Fonte: Ipsos/Global View on Abortation

Já a pesquisa com dados gerais que mais se aproxima da declaração do senador é a registrada pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), divulgada em 23 de setembro de 2022, segundo a qual 70% da população seria contra a legalização do aborto, e 20% seriam a favor. A pesquisa foi realizada entre 9 e 11 de setembro e ouviu 2.512 pessoas em 158 municípios brasileiros. Ainda assim, o dado apresentado pelo político é exagerado.

FALSO

“As mulheres que fazem o aborto… A ciência avançou tanto a nível mundial e já demonstraram pesquisas de universidades que a mulher que faz o aborto tem uma propensão muito maior às mulheres que não praticam esse ato de ter problemas com o envolvimento de álcool e drogas, problemas de depressão, síndrome do pânico e suicídio.”

Alegações sobre o aborto afetar seriamente a saúde da mulher já foi feita por Eduardo Girão em outros momentos. Em março de 2023, ele dissertou seu argumento com mais detalhes.

Eduardo afirmava que a sociedade tem o dever de prevenir a gravidez indesejada, investindo no planejamento familiar e na promoção da adoção, mas jamais deveria instituir o aborto como alternativa legal, na avaliação dele.

Em seu discurso, Eduardo traz: “Vários estudos científicos, como os de Barrett, Taylor, Howard, Harris, Coleman, Fergusson, concluem que, nessas mulheres que praticam o aborto, a incidência de doenças circulatórias, complicações hepáticas e placenta prévia cresce de forma assustadora. É 190% maior a possibilidade de essas mulheres contraírem câncer de mama. É 55% maior o risco de [terem] problemas mentais. [É] 220% maior, em relação às mulheres que não praticam aborto, o risco de dependência química. E olha qual é a grande chaga hoje que a gente vive no mundo, a grande pandemia da atualidade: em 150% dos casos aumenta, na mulher que faz o aborto em relação à mulher que não o pratica, o índice de depressão e suicídio”.

A BBC lançou uma matéria em 1º de dezembro de 2008 sobre o estudo coordenado por Fergusson, citado por Girão.

O dado verdadeiro é: “Mulheres que se submetem a abortos têm 30% mais chance de terem problemas mentais do que as mulheres que nunca passaram por isso, segundo uma pesquisa publicada na última edição da publicação científica British Journal of Psychiatry”, em vez de 50%, como alega o senador.

Além do esclarecendo do próprio Fergusson de que não há nada neste estudo que sugira que a interrupção de uma gravidez esteja associada com menores riscos de problemas mentais que o nascimento, indo contra o cenário criado por Girão.

VERDADEIRO

“[…] Foi do céu que caíram aqueles 6 bi, ‘B’ de bola, ‘I’ de índio, 6 bilhões de reais que já entraram na conta do governo do Brasil a partir de devolução de propinas, de roubo, né?”

Eduardo Girão afirma que o Governo Federal recebeu mais de R$ 6 bilhões a partir da devolução de propina do esquema de corrupção deflagrado pela Operação Lava Jato.

Apesar de o senador não apresentar uma janela de tempo exata, de acordo com dados divulgados pela Petrobras e publicados em nota pelo Ministério Público Federal, o Governo Federal recebeu mais de R$ 6 bilhões, sendo verdadeira a fala do político.

EXAGERADO

“Se alguém tá devolvendo isso [dinheiro desviado por esquemas de corrupção deflagrados pela Operação Lava Jato], é porque tomou de forma ilícita. E eu vou dar um exemplo apenas: o ex-gerente da Petrobras [Pedro Barusco], do terceiro escalão, só ele devolveu quase 500 milhões de reais. Tava no exterior.”

A afirmação feita pelo senador é de que o valor de R$ 500 milhões em devolução de propina veio apenas do ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco. Contudo, de acordo com nota oficial emitida pelo Ministério Público Federal (MPF), o montante devolvido pelo ex-gerente, que se encontrava na Suíça, foi de 157 milhões de reais, R$ 343 milhões a menos do que o senador afirma. O dado, portanto, é exagerado.

FALSA

“[Lula] tem a audácia de dizer que precisa trocar o avião presidencial para que tenha cama de casal, que tenha uma série de outras regalias que vai custar 400 milhões de reais.”

Em nota, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) informa que não há nenhuma decisão sobre a aquisição de um novo avião, portanto o senador Eduardo Girão traz em sua fala um conteúdo que não se sustenta.

Vale ressaltar ainda que o atual modelo da aeronave presidencial, o Airbus A319 ACJ, batizado como “Santos-Dumont”, é equipado com quarto com cama de casal, possui banheiro com chuveiro, sala de reunião e sistema de vídeo e áudio, além de oito poltronas.

EXAGERADO

“Nós recebemos emendas parlamentares de bilhões de reais. Cada senador, para você ter ideia, tem direito a R$ 80 milhões hoje de emendas parlamentares.”

O senador Eduardo Girão exagerou ao dizer que os senadores têm direito a R$ 80 milhões em emendas parlamentares.

De acordo com o Orçamento Público para 2023, é destinado o valor R$ 46,3 bilhões para as emendas parlamentares, sendo R$ 21,5 bilhões destinados às emendas individuais distribuídas entre deputados federais (77,5% do valor global) e senadores (22,5% do valor global). Do modo como foi divulgado pelo Senado, o valor individual para cada senador é de cerca de R$ 59 milhões de reais.

Ainda há a destinação de verba para as emendas de bancada e emendas de comissão, mas que não são calculadas de forma individual para cada senador.

Além disso, o valor das emendas individuais aumentou após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que tornou inconstitucionais as emendas RP9 — chamadas também de emendas de relator, ou “orçamento secreto” — , tornando necessária a redistribuição desse valor pelo orçamento.

INSUSTENTÁVEL

“[…] Um país [Brasil] que vendeu 1 trilhão de dólares que faturou com o petróleo”

O senador afirmou que o lucro da Petrobras ultrapassou um trilhão de dólares, mas nenhum dado público existe para corroborar tal informação. Ao analisarmos os dados dos últimos cinco anos, notam-se resultados significativamente menores do que o declarado pelo senador, mesmo quando somados os cinco últimos valores.

Histórico de lucros da Petrobras de 2018 a 2022:

Fonte: Status Invest e Petrobras

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