Declarações checadas de Heitor Freire são falsa, exagerada e precipitada

EntreFios verificou a veracidade de afirmações feitas pelo deputado federal pelo PSL, um dos 11 candidatos à Prefeitura de Fortaleza, durante entrevista concedida em 10 de agosto à Rádio O Povo CBN

Por Juracy Oliveira, Juliete Rocha,
Denyse Mendes e Vanessa Freire

Heitor Freire em campanha para a Prefeitura de Fortaleza / Reprodução - Facebook

O deputado federal Heitor Freire, eleito em 2018 pelo Partido Social Liberal (PSL), é um dos representantes da direita cearense na corrida eleitoral de 2020 à Prefeitura de Fortaleza. Presidente Estadual do PSL Ceará, sua plataforma política é norteada pelo combate à corrupção e pela defesa do estado mínimo e da família tradicional.

Em 10 de agosto, ainda na condição de pré-candidato à Prefeitura, Heitor Freire concedeu entrevista à Rádio O POVO CBN. A emissora de rádio recebeu, ao longo de três semanas, os postulantes ao Paço Municipal para entrevistas de 20 minutos.

Separamos quatro declarações dadas pelo candidato durante a entrevista à rádio: a suposta ineficácia do lockdown para a contenção da pandemia, o possível uso de ivermectina para o tratamento de Covid-19, a alegação de que os gestores cearenses trataram o surto de coronavírus de maneira leviana e a afirmação de que Heitor Freire seria o deputado federal mais atuante da Câmara dos Deputados Federais, em Brasília.

Como metodologia para o fact-checking, aplicamos aquela estabelecida pela Agência Lupa, uma redação brasileira de checagem de declarações públicas. Escolhemos uma personalidade de destaque no estado do Ceará, cuja relevância é dada pelo cargo que já ocupa e também pelo cargo que almeja assumir. As declarações foram definidas pela importância que possuem dentro do contexto da pandemia e das eleições que se aproximam.

Selecionadas as declarações, consultamos jornais, sites e bancos de dados oficiais para levantar as informações necessárias. Para declarar o grau de veracidade ou de falsidade das declarações checadas, fizemos uso de etiquetas utilizadas pela Agência Lupa: “falso”, “ainda é cedo para dizer”, “verdadeiro, mas” e “exagerado”.

Freire concedeu entrevista à Rádio O Povo CBN em 10 de agosto / Reprodução

Somente ao final do processo, entramos em contato com a assessoria de imprensa de Heitor Freire, por e-mail e ligação telefônica, para que o deputado comentasse a respeito das declarações checadas. No entanto, não recebemos nenhuma resposta.

Confira a seguir a análise das quatro declarações:

FALSO
“Não existe um estudo científico que comprove a eficácia do lockdown […]. É muito pouco tempo para nós falarmos se essas ações de lockdown foram efetivas ou não”.

A informação analisada é falsa. Vários estudos já estimaram os efeitos empíricos do lockdown tanto na pandemia de Covid-19, quanto em outros surtos virais recentes, como a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS). Pesquisas realizadas em vários países, a partir de projeções matemáticas, atestam a importância das medidas de lockdown e de quarentena para diminuir o número de infectados e salvar milhares de vidas.

Um estudo realizado por pesquisadores do Imperial College London (Reino Unido), publicado em junho na revista científica Nature, estimou os efeitos das intervenções não farmacêuticas — lockdown, cancelamento de eventos públicos, fechamento de escolas e universidades, isolamento e distanciamento social — para o controle da pandemia de Covid-19 em países europeus (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Noruega, Reino Unido, Suécia e Suíça), entre os meses de fevereiro e maio, quando a flexibilização dos bloqueios começou a ocorrer na Espanha e também na Itália.

O modelo matemático criado pelos cientistas projetou um cenário no qual nenhuma dessas medidas havia sido tomada, sendo possível comparar o número de contaminados e de mortos hipotéticos nos meses seguintes com o total de registros efetivos da doença. Segundo o cálculo deles, foram evitadas em torno de 3,1 milhões de mortes nos países europeus incluídos no estudo, a partir das intervenções de circulação social implementadas desde o início da pandemia. Outro dado estimado sobre os efeitos das políticas de restrição é de que elas teriam reduzido em cerca de 81% a taxa de transmissão do vírus.

Um outro estudo realizado por pesquisadores foi a revisão crítica de 29 pesquisas feita para a Cochrane Library, sob encomenda da Organização Mundial da Saúde (OMS), a respeito das três mais recentes epidemias de coronavírus (SARS, MERS e Covid-19). Todos os estudos analisados chegaram à mesma conclusão de que as medidas de quarentena e de lockdown são efetivas para conter os surtos virais. Além disso, a revisão desses trabalhos revelou que as políticas de distanciamento e de controle social reduzem entre 44% e 81% o número de infectados, implicando na redução de 31% a 63% no número de mortes. Evidências também sugerem que quanto antes elas forem decretadas, maior será a sua eficácia e menores serão os custos financeiros.

No Brasil, dois pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Paulo José da Silva e Claudia Sagastizábal, também criaram uma projeção para identificar as tendências na taxa de replicação do vírus desde 24 de março, momento em que os protocolos de distanciamento social passaram a ser adotados. Os dados foram disponibilizados em um site atualizado diariamente que mostra a quantidade de vidas salvas com a manutenção das medidas de isolamento social para as próximas duas semanas, no país todo e em cada uma das cinco regiões. Segundo esse modelo matemático, entre os dias 25 de agosto e 7 de setembro, 6.471 vidas seriam poupadas no Brasil, 1.463 delas apenas na região Nordeste.

Essas pesquisas demonstram a eficácia do lockdown para o controle da pandemia, mas são dados observáveis apenas de maneira abstrata, a partir de estudos e simulações, pois são contaminações e mortes que não ocorreram porque foram evitadas pela imposição de medidas restritivas. Mais visíveis são os altos custos econômicos e sociais implicados nessas políticas de anticontágio, até então inéditas nessa escala global. Porém, sem elas, fica comprovado que a expansão da Covid-19 teria seguido em crescimento exponencial.

AINDA É CEDO PARA DIZER
“O governador deveria investir mais em prevenção, levantando a imunidade da população, utilizando alguns medicamentos que, até então, são eficazes, como a ivermectina”.

A informação analisada pode vir a ser verdadeira. Ainda não é. Não há estudos conclusivos que comprovem a eficácia do medicamento. Na declaração, o deputado sugere ao governador do estado do Ceará, Camilo Santana (PT), que invista na prevenção e na imunidade da população com a utilização da ivermectina.

O fármaco ganhou visibilidade, principalmente nas redes sociais, em abril deste ano, quando o estudo da Antiviral Research indicou que o remédio foi capaz de inibir a replicação do SARS COV-2 in vitro. Os pesquisadores infectaram células isoladas com o novo coronavírus e aplicaram dosagens da ivermectina. As doses foram capazes de remover todo o RNA viral das células em 48 horas. Os especialistas defenderam que poderia ser um remédio com potencial para tratar a Covid-19, já que é barato e possui efeitos colaterais leves. Porém, o estudo cita que são necessárias mais investigações para afirmar se o medicamento trará benefícios aos humanos.

A ivermectina é um remédio utilizado no tratamento de infecções causadas por vermes e parasitas, tanto em humanos, quanto em animais. Estudos anteriores mostraram que o medicamento possui potente atividade antiviral contra o HIV-1 e o vírus da dengue. Os especialistas em pesquisas sobre o novo coronavírus acreditam que a ivermectina pode apresentar o mesmo efeito no vírus SARS-COV-2 porque possui uma fita de RNA simples envolvida por uma camada de proteínas, parecida com a estrutura dos vírus causadores da AIDS e da dengue. Ainda assim, o medicamento nunca foi aprovado no tratamento dessas doenças.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) ressalta que não há medicamentos com comprovação para prevenir ou curar a doença. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) esclarece que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso da ivermectina para o tratamento da Covid-19, bem como não existem estudos que refutem a utilização.

O Conselho Federal de Farmácia alerta para a falta de estudos conclusivos sobre o resultado de fármacos para o tratamento de Covid-19, assim como a respeito das consequências da ivermectina de uso veterinário em humanos. Alguns especialistas também destacam que o aumento da concentração de várias substâncias, não apenas a ivermectina, pode inibir qualquer vírus in vitro.

Existem estudos clínicos em andamento, porém os resultados não foram publicados. Os testes do estudo sobre a ivermectina como tratamento antiviral para pacientes infectados por SARS COV-2 ainda não estão disponíveis. Outro estudo em desenvolvimento é acerca da eficácia da ivermectina subcutânea em pacientes com Covid-19. A data prevista para a conclusão é 30 de setembro.

Alguns países autorizaram a administração do medicamento, como é o caso do Peru, para casos leves e graves, desde que seja decidido entre o médico e o paciente. Outros países como os Estados Unidos afirmam que o medicamento não é indicado para tratar a Covid-19. De acordo com a Food and Drug Administration (FDA), testes adicionais são necessários para determinar se a ivermectina pode ser apropriada para prevenir ou tratar a Covid-19. No Brasil, as orientações do Ministério da Saúde sobre o manejo clínico e o tratamento da Covid-19 não indicam a utilização da ivermectina.

VERDADEIRO, MAS
“Os gestores trataram este problema [pandemia do coronavírus] de forma leviana e o Ceará está com os piores números”.

O trecho essencialmente objetivo da afirmação (“o Ceará está com os piores números”) é verdadeira, mas o leitor merece um detalhamento. Como aponta o Painel Coronavírus Brasil, até 10 de agosto (a data da entrevista de Freire à rádio), o Ceará estava em terceiro lugar no número de casos confirmados do novo coronavírus. No entanto, é impreciso afirmar que os governantes tenham negligenciado a situação da pandemia.

Os primeiros casos de Covid-19 no Ceará foram confirmados no dia 15 de março. Dois dias antes, o Comitê Estadual de Enfrentamento à Pandemia já havia sido instituído por decreto. No estado do Rio de Janeiro, quarto no número de casos acumulados, o Gabinete de Enfretamento foi criado em 12 de março, sete dias após a confirmação do primeiro caso, em 5 de março.

O estado de São Paulo declarou situação de emergência em saúde em 20 de março, passados 19 dias do primeiro caso confirmado. Quanto ao Governo do Estado do Ceará, a situação de emergência foi decretada no dia posterior aos primeiros casos confirmados, em 15 de março.

Quando comparado ao estado de São Paulo, o governador Camilo Santana determinou o fechamento dos estabelecimentos do estado em menor tempo desde a confirmação dos primeiros casos, em 19 de março. Foram fechados bares, feiras livres, restaurantes, lanchonetes, templos, igrejas, barracas de praia, shopping centers, museus, cinemas e academias, com exceção de serviços essenciais como farmácias, hospitais, clínicas veterinárias e supermercados. O governador paulista decretou o fechamento de estabelecimentos apenas em 24 de março.

A Prefeitura de Fortaleza deu início, em 18 de abril, aos serviços do hospital de campanha no Estádio Presidente Vargas (PV), destinado ao atendimento a pessoas contaminadas com o novo coronavírus. No estado da Bahia, o primeiro caso confirmado foi em 6 de março, mas o primeiro hospital de campanha foi inaugurado em 12 de maio, mais de dois meses após a confirmação da doença no estado.

No ranking de transparência de contratações emergenciais, o Ceará está em primeiro lugar, atingindo a pontuação máxima, com um investimento aproximado de R$ 618,4 milhões. Minas gerais e São Paulo estão em 8º e 12 º lugar, tendo investido, respectivamente, R$ 1.4 bilhão e 2.8 bilhões para o enfrentamento da doença. Dos 417 municípios baianos, 359 deles não cumprem as exigências legais para fornecer maior transparência nos gastos para o combate da pandemia de Covid-19. Isso significa que os gestores de 86% dos municípios baianos não estão permitindo que os cidadãos fiscalizem o uso dos recursos públicos empregados nas ações para o controle de disseminação da doença.

O estado do Ceará está entre os cinco com maiores números de casos confirmados. No entanto, é equivocado declarar que os governantes tenham tratado a situação da pandemia de forma leviana, já que várias medidas foram tomadas de forma antecipada e seguindo as recomendações da OMS. As ações, que incluem o isolamento social rígido, garantiram ao estado o prêmio de transparência nos gastos com o enfrentamento da pandemia. Também foram construídos hospitais de campanha exclusivos para o diagnóstico e o tratamento da doença na capital e no interior do estado. Assim, é possível considerar que o governo do estado agiu de maneira mais rápida, em comparação com governantes de outros estados.

EXAGERADO
“Vocês vão ver que eu fui o deputado com mais projetos de leis e proposições. No ano de 2019, acredito que fui o segundo […] Agora, esse ano, eu sou o deputado que mais tem projetos de leis e proposições […] Então, se forem no site da transparência e fizerem essas análises, verão que eu sou o deputado federal mais atuante. Nunca tive uma falta”.

A informação analisada é exagerada. Diante de uma pergunta feita por um internauta, Heitor Freire afirma que foi um dos deputados federais com mais proposições e projetos de lei no ano de 2019 e 2020. Ainda que a fala esteja no caminho certo, houve um exagero na declaração.

Os dados do Portal da Câmara dos Deputados revelam os deputados que mais apresentaram proposições e projetos de lei no ano passado, como demonstrado nos gráficos abaixo.

Os deputados cearenses com mais projetos de lei em 2019 foram Roberto Pessoa (PFL), Célio Studart (PV) e Mauro Filho (PDT). Já aqueles que mais apresentaram proposições foram André Figueiredo (PDT), José Guimarães (PT) e Roberto Pessoa (PFL). Heitor Freire não ficou em segundo lugar, como relatou na entrevista à rádio.

O candidato à Prefeitura teve um total de 486 proposições apresentadas, 458 delas ainda em tramitação. Além disso, ele propôs 112 projetos de leis. Com exceção de um deles, todo o restante ainda está em curso. Um desses projetos é o PL 3.418/2019, que prevê a prisão preventiva de reincidentes em crimes praticados contra mulheres, ainda em análise na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara.

Apesar dos números serem significativos, o parlamentar não ficou entre os primeiros, como demostrado no gráfico. Segundo os dados analisados, o deputado ficou em 10º e 4º lugar, respectivamente, entre os políticos que mais apresentaram proposições e projetos de lei.

No ano de 2020, os gráficos demonstram que os deputados com mais projetos de lei foram Eduardo Bismarck (PDT), José Airton (PT) e José Guimarães (PT). Aqueles com mais proposições foram André Figueiredo (PDT), José Guimarães (PT) e Luizianne Lins (PT).

Heitor Freire ocupa o 9º lugar em proposições, com 79 proposições, 73 delas ainda em tramitação; e o 12º lugar em projetos de lei, com 19 projetos de lei, todos em tramitação. Entre eles, há o PL 1.180/2020, que aguarda despacho do presidente da República. Esse projeto prevê a atuação profissional de estudantes do último ano dos cursos da área da Saúde quando em situação de calamidade pública (como a Covid-19), com a devida supervisão de um profissional.

Quanto à quantidade de faltas de Heitor Freire na Câmara dos Deputados, fizemos o levantamento dos dois anos de atuação do deputado na checagem. Em 2019, ele teve 5 ausências justificadas em 27 reuniões de comissão. Já em 2020, ele teve 4 ausências justificadas e 1 não justificada em reuniões de comissão. Revisando esses dados, demostramos que o candidato se equivocou na sua fala, porém não foi nada alarmante.

Concluímos que o deputado teve uma boa atuação durante esses dois anos, tendo mais de 50% de seus projetos ainda em tramitação. No entanto, sua declaração foi exagerada: ele não ficou entre os três deputados mais atuantes em nenhum desses anos. Como não obtivemos retorno da assessoria do parlamentar, não podemos verificar os métodos utilizados para que ele chegasse a essa conclusão.

Declarações como essas, proferidas em período eleitoral, podem influenciar nos votos dos cidadãos. Por isso, o processo de checagem de fatos dos atores políticos demanda uma metodologia precisa de coleta e de compilação de dados. A sua responsabilidade social consiste na tarefa de analisar e condensar informações que o ouvinte da rádio O POVO CBN provavelmente não buscaria confirmar por outros meios.

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