Não queria orgulho, queria ele vivo

Giordana Santos revive memórias da curta vida de seu irmão Manoel; envolta nas cicatrizes da perda, ela relembra desde seu nascimento até seu último suspiro aos 26 anos de idade

Por Hayra Sales

Manoel de Messias e Giordana Santos / Arquivo pessoal

Sentada na beirada da cama, Giordana Santos relata como foi a vida de Manoel, seu irmão caçula, olhando para a parede, enquanto tenta resgatar memórias de infância. Seu pé vai e volta como sinal de inquietude, pega no colo um de seus cinco cachorros e começa a falar.

“Uma pessoa que era intensa, o Manel vivia como se não tivesse amanhã. Quando inaugurou o metrô, ele foi correndo participar! Adorava filme de terror e não guardava mágoa. Ele até ficava com muita raiva na hora, mas não era rancoroso”.

Como irmã mais velha, ela esteve presente no nascimento dele. Manoel de Messias Gomes dos Santos Filho nasceu em casa, lá no Piratininga. Seu pai, Messias, foi correndo chamar a parteira. Ele nasceu rápido, sem muita dificuldade, sem muito sofrimento, sem muitos gritos.

Seu primeiro banho, quem deu foi sua irmã. Molhou, limpou, secou, tudo com muito carinho. Aquela criança pequena mais parecia um brinquedo.

Com seu crescimento, as traquinagens foram maiores. Corria por todos os cantos, metia-se nos mais diversos lugares. Manel sempre foi aventureiro e, por isso, metia-se em muita encrenca, como no dia em que foi passar por baixo da cerca de um terreno baldio e acabou rasgando a bunda e voltando para casa bem rapidinho. Mudou-se com a família para outro bairro, lá no Alto da Mangueira, no mesmo Maracanaú em que nasceu e viveu até o último suspiro.

Entre o fim de sua adolescência e o início da vida adulta, descobriu uma paixão: filmes de terror e ação. Eram histórias intrigantes das quais não conseguia tirar o olho. Chegava do trabalho, assistia, assistia e assistia até onde aguentasse.

Manel sempre foi intenso em tudo: brigava em alto tom, mas perdoava na mesma facilidade. Talvez, trazer orgulho para a família fizesse parte de seus sonhos. Mas ele não precisava. A família não queria orgulho. A família queria sua presença.

Manel conheceu uma moça com muitos problemas e que acabava por se refugiar nas drogas. Foi aí — até onde se sabe — que ele conheceu esse mundo ilusório e infeliz da dependência, do vício, da adrenalina. O empolgante e depressivo mundo dos entorpecentes.

Era uma loucura: ele saía e se metia em furadas maiores. Complicado. Até um agiota chegou a bater em sua porta para cobrar o dinheiro que ele devia. Levou um tiro de raspão em outra situação, atrás da cabeça, pertinho de casa. Tentaram matá-lo, mas não se sabe o motivo.

Manel e sua namorada tiveram um filho em 2010. Felipe, que pouco conheceu o pai. Mas o casal se separou, e a criança foi morar com ele quando tinha apenas seis meses de vida, por interseção de sua irmã, Tereza, que não permitiu que o bebê fosse para o orfanato. Sua nova namorada, Danielle, já havia se encantado e sentido amor pela criança, passando a considerá-lo como seu próprio filho.

Em 8 de setembro de 2012, Manel acordou cedo. Como durante toda a semana, sentou-se na cadeira de balanço e pôs-se a assistir a filmes de faroeste com seu pai, homem homenageado por meio do nome do filho. Ele almoçou, conversou, estava tão tranquilo naquela semana, tão presente. Mas nada foi notado como diferente, pois ele sempre foi aberto a expressar sentimentos.

Após assistir a mais filmes pela tarde, Manel pegou emprestada a bicicleta de sua outra irmã. Era vermelha, brilhante e nova. Chegou em casa por volta das duas horas da madrugada, contou que havia sido assaltado no viaduto perto de casa.

Após uma breve discussão com seu pai, foram todos dormir. Ele, como de costume, armou sua rede na cozinha, onde sempre dormia com um lençol azul estampado e bem fino de seu filho, que estava na casa de sua namorada. Levantou na madrugada, Giordana o viu na porta do quarto observando a família adormecer. Mas, como estava muito cansada do dia, voltou a dormir.

Por volta das três da madrugada, sua mãe, Liduina, foi ao banheiro que ficava na cozinha, entrou e, na hora de sair, viu a rede vazia, olhou para cima.

“Messias, corre, o Manel se enforcou!!!”

Todos acordaram com o grito trêmulo e desesperado da mãe, que acabara de presenciar o suicídio de seu filho de 26 anos, na própria cozinha, com o mesmo lençol azul. Ele subira do botijão de gás e fizera um nó na viga do teto.

Giordana, paralisada, não conseguiu ajudar. Seu pai gritava para que ela prestasse os primeiros socorros que havia aprendido no curso de Bombeiros. Nada adiantou. Manel deu seu último suspiro nos braços do pai.

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