Em defesa dos refugiados

Gabriel Damasceno
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readFeb 12, 2022

A fotógrafa cearense Karine Garcez fala sobre sua trajetória como artista e os desafios de ser uma mulher islâmica no Ceará

Por Gabriel Damasceno

Karine Garcez / Acervo pessoal

Após alguns problemas técnicos, começamos nossa conversa. Karine Garcez se apresenta como uma mulher da cidade cearense de Redenção, do distrito de Antônio Diogo, filha de uma mulher negra, bisneta de um quilombola e filha de um homem que teve hanseníase.

Formada em Relações Internacionais, sua relação com a fotografia iniciou-se em 2012, quando viajou pela primeira vez ao Oriente Médio. Foi na Faixa de Gaza que teve suas primeiras aulas de fotografia. Segundo ela, fotografar é congelar um lapso de tempo, encher-nos de saudade pela memória registrada, eternizar um rosto que não queremos esquecer jamais.

Karine em Gaza, em 2012 / Arquivo Pessoal

Na época de sua viagem, o Oriente Médio passava por um dos momentos mais tensos de sua história. “A fotografia foi o caminho mais didático e que as pessoas poderiam compreender o que realmente estava acontecendo ali. […] Eu entrei na Faixa de Gaza em um momento em que havia sido assinado um novo cessar-fogo, que apenas os palestinos cumprem. O Egito também vivenciava um momento em que era a primeira vez que eles haviam eleito um presidente, que era o Mohamed Morsi, depois de décadas, depois do que o ocidente chama de Primavera Árabe”, diz Karine.

Visita aos campos de refugiados palestinos e sírios no Líbano, com apoio da ONG Humantarian Relief for Development; camisas do time do Fortaleza, que apoiou Karine em 2014 / Arquivo pessoal

Mais tarde, em 2014 e 2015, foi para Síria, Líbano e Turquia, pela ONG humanitária holandesa Al Wafaa Campaign, onde documentou as expressões de crianças e adolescentes palestinos que viviam em campos de refugiados. O resultado dessa viagem foi a exposição “Infância Refugiada”, exposta pela primeira vez no Museu da Imagem e do Som do Ceará, em 2016. O tema dos refugiados é um tema constante nas obras da fotógrafa. O projeto foi financiado de maneira independente pela própria Karine, por amigos e familiares dela.

No futuro, ela sonha em trabalhar em um projeto de fotografia e cinema sobre os refugiados ambientais no Ceará. “É uma coisa que as pessoas não estudam, não percebem, não veem. Essa é a realidade. Acredita-se que a questão do refugiado é só uma questão de outro país, de outro mundo, do qual a gente não faz parte, mas tá bem aí, né? Na nossa cara”, critica.

Fotos da exposição “Infância Refugiada”, de Karine Garcez

Sobre o islamismo, ela ouviu sobre a religião pela primeira vez aos 12 anos na escola, em uma aula de História. Interessou-se pelo tema, mas não tinha muito acesso a livros e textos que pudessem aprofundar seu conhecimento sobre o assunto. “Eu morava no interior do Ceará, não tinha nem energia direito”.

Somente durante sua vida adulta, aos 33 anos, Karine se converteu ao Islamismo e, naquela viagem de 2012, ela realizou um dos pilares da fé islâmica, o Hajj, peregrinação em torno da Kaaba. Uma repetição dos passos dos profetas Adão, Abraão e Mohamad.

Ser uma mulher islâmica no Brasil não é fácil. São vários os casos de discriminação que sofreu ao longo de sua vida. Karine relata que não faz mais orações na rua, se estiver sozinha, pois teve situações em que chegou a ser agredida por tentar exercer sua fé. “Já recebi email com ameaça, até abri BO [boletim de ocorrência], mas não deu em nada. Tem até um cara que é do Rio de Janeiro, que já foi preso várias vezes, me mandou várias mensagens no Facebook me ameaçando de morte“, complementa.

Inserida em um contexto de defesa dos direitos humanos, fotografia e religião. Essa é Karine, uma mulher muçulmana que correu atrás de seus sonhos para realizar seus projetos e que enfrentou diversas dificuldades em sua vida por conta de sua fé. “O fator ‘ser muçulmana’ fecha muitas portas, o fator ‘ser muçulmana usando véu’ quase que fecha tudo”.

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