“Era uma decepção ser como eu, hoje não é mais”

Isabellyvasconcelos
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readNov 30, 2023

Ao deixar sua cidade natal, Levi Fernandes Fialho descobriu que ser um garoto gay comum doía-lhe mais do que deveria

Por Izabele Vasconcelos

Levi Fernandes Fialho em frente ao Departamento de Psicologia da UFC, em Fortaleza / Izabele Vasconcelos

Aos 19 anos, Levi Fernandes ansiava por liberdade, acolhimento e compreensão. Do sertão do Ceará, o garoto saiu para cursar Psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza. E foi na capital cearense que o estudante se deu conta de que sua orientação sexual poderia ser tratada com maior leveza, libertando-se do modo como ele aprendeu a lidar com o tema em sua cidade natal.

Ainda criança, tomou consciência sobre os comportamentos padronizados que lhe foram impostos. Levi considera que seu processo de descoberta foi influenciado pelo fato de ter crescido ao lado apenas de sua mãe, o que lhe gerava receio de desapontar a única pessoa a quem ele poderia recorrer na vida.

Ao adquirir alguma percepção sobre si mesmo, passou a sentir desgosto e a entrar em estágio de negação sobre sua orientação. Como não desapontar o único adulto que cuida de você? A resposta para isso veio por meio das muitas tentativas de ser um bom filho a todo custo, um bom menino, doce e esforçado. “Se eu fosse bom, se isso fosse o que se destacava em mim, tudo ficaria bem”. Tentava suprir a sensação de amargor por ser quem é e por não ser aceito.

A infância do jovem foi o já conhecido relato do gay reprimido por medo de desapontar a família, dor que é descrita como algo comum, esperado. Levi relembra de modo nostálgico sobre como sua forma de expressão e comportamento geravam repulsa nos meninos de sua idade, sendo excluído de grupos na escola e recebendo ofensas verbais.

Lança um sorriso desconcertado ao lembrar de quando se obrigou a gostar de meninas, na tentativa de se encaixar socialmente e de cumprir um padrão esperado no ambiente familiar.

Em território interiorano, era imenso seu sentimento de não pertencimento. “Todos conhecem todos” e se intrometem na vida uns dos outros — define Levi as interações na cidade natal enquanto retorce os dedos ao se reencontrar com as cenas de cobrança e de invasão de privacidade.

Imerso num ambiente de repressão velada pelos “bons costumes”, o garoto pensou em transformar em palavras quem ele era para sua mãe. Com relação fortalecida pela proximidade pós-pandêmica, a conversa foi libertadora. Mesmo não sendo o momento em que ele se sentia mais preparado, ainda assim foi o momento necessário.

Falar naquele momento foi a decisão correta, antes que ele se enganasse mais sobre quem era, e não quem desejavam que fosse. Levi estava se perdendo no processo, no medo construído, um medo que ele não sentia mais em relação à mãe, uma pessoa em que, agora, ele só via conforto.

Foi difícil explicar para quem lhe gerou que talvez tudo poderia mudar entre eles. O alívio de um momento já passado converte-se em finas lágrimas nos olhos castanhos de Levi. O medo já não existe.

A superação desses momentos teve como apoio o consumo de arte. Ou melhor, o abraço, como ele bem pontua. Levi tenta sorrir ao lembrar da música “Flutua”, de Johnny Hooker em parceria com a cantora Liniker, mas a emoção o impede.

O que vão dizer de nós?
Seus pais, Deus e coisas tais
Quando ouvirem rumores do nosso amor?

Baby, eu já cansei de me esconder
Entre olhares, sussurros com você
Somos dois homens e nada mais

Eles não vão vencer
Baby, nada há de ser em vão
Antes dessa noite acabar
Dance comigo a nossa canção

E flutua, flutua
Ninguém vai poder querer nos dizer como amar.

Levi se comove recitando e cantarolando os versos, lembrando que via nas letras a possibilidade de amar, mas, ao mesmo tempo, carregava o receio de que esse amor pudesse não ser acolhido pelas pessoas que ele estimava.

Nas palavras distantes de um menino sonhador, a letra da canção fala sobre as crenças que fazem pessoas comuns com histórias de amor comuns serem oprimidas por força maior.

Essa busca de reconhecimento nas artes nem sempre gerava felicidade. Levi pontua também a sensação de constante perigo que sente, até hoje, e como isso foi intensificado pela retratação de homossexuais e seus processos no meio artístico. A tensão cresce no diálogo, quando ele inicia a explicação sobre como a sensação de insegurança lhe persegue em sua rotina.

“Tudo que fere o que eu sou, no que eu acredito, é considerado perigoso pra mim. Porque a gente não sabe até onde vai a liberdade do outro, né? Até então ‘liberdade’, entre aspas. A gente cresce vendo nas mídias que casais homoafetivos não são felizes porque um vai morrer, ou um morre assassinado, ou um tem Aids, o que é um problema enorme. É sempre tratado assim na televisão: o rapaz que sofre preconceito, que é agredido na rua e que entende, porque ele tem que entender. Então a gente acaba tendo esse sentimento de que em qualquer momento estamos suscetíveis ao perigo”.

Fortaleza entregou a Levi opções de aceitação pelo desconhecido, o estranho. As palavras saem de sua boca com cautela ao descrever o gosto do livre, do possível, num local onde a pluralidade soma-se à preocupação de cada um com sua própria vida. Nunca foi tão bom ser apenas mais um na multidão.

Foi em Fortaleza que Levi Fernandes finalmente materializou seu anseio por liberdade, acolhimento e compreensão. Entre risos, ele reflete: imaginar é muito bom, viver é chocante e poder amar é indescritivelmente bom. É quase flutuante descobrir que não há ninguém com poder de nos dizer como amar.

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