“Escola é o lugar mais seguro”, defende presidente do Sinepe-CE sobre retomada das aulas

Em meio à reabertura, no Ceará, de diversos estabelecimentos que permitem aglomerações, Andréa Nogueira defendeu, em entrevista ao EntreFios, o ambiente escolar como o mais protegido e controlável

Por Caio Cysne, Isadora Lima,
José Manuel e Lídia Helen

Andréa Nogueira, presidente do Sinepe-CE / Arquivo pessoal

Após cincos meses sem aulas presenciais por conta da pandemia de coronavírus, as escolas particulares de Fortaleza deram início, em setembro, ao retorno gradual das aulas presenciais.

A retomada dessas atividades no setor educacional privado e público tem repercutido em todos os estados do Brasil, desde a suspensão, no mês de março, das atividades de ensino.

Os questionamento sobre o retorno se deve ao possível crescimento da taxa de infectados, principalmente entre crianças e adolescentes, e por conta da segunda onda de Covid-19, prevista por infectologistas.

No último dia 23, a presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Ceará (Sinepe-CE), Andréa Nogueira, concedeu entrevista ao EntreFios. Para a presidente, o ambiente escolar permitirá ensinar e educar crianças e adolescentes a seguir os protocolos de segurança. “Escola é o lugar mais seguro, escola você tá com professor, com diretor, com pedagogo, com gente que se preocupa com formação, com saúde, com vidas”, defende.

A implementação de planos e de contramedidas foi articulada para a volta às aulas, tendo eles em vista o sistema híbrido de aulas, sendo remotas e presenciais, com revezamento de dias, horários e quantidade de alunos por sala.

Com a implantação do ensino remoto, desde a suspensão das aulas, Andréa comenta que foi um desafio ter que adaptar aulas para o remoto. “Em 19 de março, a gente recebeu a informação da suspensão das aulas […], foi quando veio realmente o conselho a emitir o parecer viabilizando a realização da prestação de serviço educacional através das aulas remotas e a escola teve que se reinventar mesmo, toda a comunidade escolar”, relata.

No Ceará, a retomada das aulas presenciais nas escolas particulares já começou a acontecer. Desde 1º de setembro, as creches e pré-escolas voltaram a realizar as suas atividades, disponibilizando álcool em gel e espaços que respeitem o distanciamento social.

Confira a entrevista na íntegra no vídeo e alguns trechos transcritos a seguir.

Lídia Hellen: As escolas tiveram suas atividades presenciais suspensas desde o início do isolamento social pelo decreto do governo estadual e logo foi levantada a possibilidade de aulas online. Porém, aqui no Brasil, o ensino à distância não é utilizado com tanta frequência nos ensinos infantil, fundamental e médio. Como as escolas encaram o desafio de ministrar as aulas para os estudantes nesse formato?

Andréa Nogueira: É um verdadeiro desafio, né? Em 19 de março, a gente recebeu a informação da suspensão das aulas. E aí começou a saber como é que ia se dá esse processo. Foi quando veio realmente o conselho a emitir o parecer viabilizando a realização da prestação de serviço educacional através das aulas remotas, e a escola teve que se reinventar mesmo, toda a comunidade escolar. Desde o aluno passar a participar, porque as aulas remotas são comuns no ensino superior, né? Já acontece o modelo híbrido no ensino superior, principalmente no Sul e Sudeste. Aqui, a gente tem como aulas gravadas, mas a escola básica teve que se reinventar. Primeiro porque aqui, no estado do Ceará, a gente é muito plural. O que eu quero dizer com isso [é que] tem escola de pequeno, médio e grande portes. A escola de grande porte já tinha toda essa estrutura de plataforma, o que não era regra entre as escolas. Então, foi todo um processo. O Sinepe-CE ajudou muito, e eu realizei muita reunião com os associados, dizendo sobre a necessidade de cada um implementar, quem puder ter uma plataforma era o ideal, mas quem não pudesse tinha a oportunidade de estar fazendo essas aulas através de alguns meios, como Google Meet e o Zoom […].

A gente iniciou esse trabalho com treinamento, né? As escolas, gente, a gente não tem final de semana. Gestores e coordenadores nos ajudaram muito, que foi exatamente para treinar professores, para saber quem tinha condições de estar realizando esse processo nas suas residências, porque tinham professores que não tinham condições de estar realizando. Teve professor que não tinha o material adequado para estar fazendo. Então foi uma parceria de todos nós e, associada a isso, a [parceria] do aluno. Primeiro a escola se organizou, preparando e treinando os profissionais. Vimos quem precisava ter orientação e ajuda. Às escolas de menor porte, a gente sugeriu que tudo fosse realizado através de smartphone, porque muitos não tinham computadores e o processo começou assim, mas isso foi fundamental.

Caio Cysne: Em uma entrevista que o professor Airton Oliveira, o presidente suplente do Sinepe-Ceará, estimou que 95% dos alunos da rede particular têm acesso à internet. Isso facilitou para as escolas engajarem os alunos nas aulas?

Andréa Nogueira: Pronto. Com certeza. Se 95% tinha, foi o que viabilizou. Porque, gente, a prestação de serviço aconteceu bem, só que, inicialmente, nós esperávamos que isso fosse acontecer em dois meses. Agora o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, ele acontecer de forma remota durante seis meses, efeitos e prejuízos surgirão consideravelmente […].

Mas, nesse período, a gente se reinventou e implementou… As escolas implementaram as plataformas, prestamos serviço, a escola passou a entrar, adentrar na casa do seu aluno. E aí foi momento de educação: a gente precisa fazer comunicado porque os processos da aula… E passava alguém com toalha atrás [do estudante em videoconferência], e a gente falava que os microfones tinham que ser desligado. Mas o que foi que a gente passou para professores e educadores, o que a gente discutiu? Tudo é momento de educação. A gente vai precisar passar por esse processo e nós aqui vamos realmente ajudar, e a função é da gente mesmo. Eu parabenizo aos professores que desenvolveram, durante todo esse período, um excelente trabalho. Eles foram grandes protagonistas no processo de poder viabilizar o ensino-aprendizagem, o professor se reinventou. Ele teve que aprender. Gente, o professor do ensino fundamental tinha uma certa habilidade, mas a “tia”, como a gente chama a da educação infantil, que é a professora, ela é mais restrita nos meios digitais. Mas todas elas foram eivadas de motivação, de vencimento. Teve gente que nos procurou e disse: “Eu não vou conseguir”. E a gente destinou orientadora para atender esse professor. “Você vai”. Disponibilizamos os professores. “Olha, quem tem habilidade?”, “qual o seu tempo disponível para estar ajudando essa equipe que não tem tanta habilidade?”. E foi um momento tão solidário, de união no processo ensino-aprendizagem […].

Eu reuni todo o ensino superior, que era mais independente, e a gente estava ali com gestores e reitores discutindo sobre o futuro e o presente desses alunos, sabe. Foi um processo difícil, mas no todo eu acho que a gente realizou bem a prestação de serviço.

Eu parabenizo aos professores que desenvolveram, durante todo esse período, um excelente trabalho. Eles foram grandes protagonistas no processo de poder viabilizar o ensino-aprendizagem, o professor se reinventou.

José Manuel: Devido ao agravamento da pandemia, com grandes impactos econômicos, o setor educacional assistiu à demissão de professores e profissionais da área. Essa situação pode ser revertida no futuro? Se sim, como poderia ser?

Andréa Nogueira: “Com certeza, eu acredito, tenho esperança nessa reversão. Não foi interesse nosso a demissão. E eu lhe digo: a nossa orientação, minha como representante principal e de toda a diretoria do Sinepe, é que a demissão fosse o último processo a se realizar. Infelizmente, a demissão não aconteceu só no setor da educação, aconteceu em tudo, e em todas as atividades econômicas do país e do mundo. Mas o nosso setor tem uma representação muito grande em nível de contratações, em nível de Brasil, em nível mundial, principalmente das mulheres e porque tem uma demanda muito grande de professoras da Educação Básica, principalmente. Mas assim, essa reversão da demissão, eu acredito que vai ser automática.

Lídia Hellen: Um levantamento do Sinepe-Ceará aponta que 180 escolas de Educação Básica e instituições de ensino superior na rede privada encerraram as atividades durante a pandemia no estado. Outro dado da União das Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte aponta que 30% a 50% das escolas particulares do Brasil estariam correndo o risco de fechar devido à pandemia. Com o retorno gradual das atividades escolares presenciais, de que modo a senhora acha que o sistema educacional pode se recuperar?

Andréa Nogueira: Deixa eu te dizer o que aconteceu, como a educação infantil não teve condições. Os pais voltaram a trabalhar e não puderam acompanhar os seus filhos. É um processo… É um ciclo natural, os pais começaram a rescindir os contratos. Rescindidos os contratos, turmas morreram. Finalizaram. E aí foi onde começou a existir demissões e as escolas… A gente tem uma demanda… É porque, quando a gente trata de Fortaleza, a gente pensa em dez nomes de escolas de Fortaleza, que não é a realidade. Então pequenas escolas atendem à grande parte da população. Grande mesmo. Porque nem o governo do estado e nem o do município conseguiria abarcar todos os alunos. Então o ensino na rede privada é hoje um direito educacional necessário. Então, as rescisões começaram a existir porque a implementação do sistema de ensino remoto não atendeu a todo o alunado. Principalmente a educação infantil. E foi lá onde a gente teve o maior número de fechamento de escolas. É o setor mais prejudicado entre educação básica e ensino superior. E esse percentual de 180 [instituições cearenses de ensino que encerraram atividades na pandemia], essa informação foi minha, foi um levantamento em nível de estado. Existe também, no interior do estado do Ceará, muitas faculdades, só com número reduzido, que também não conseguiu se manter. O nosso sindicato também incorpora os cursos de línguas, de idiomas, que muitos fecharam. Então esse percentual aconteceu de forma e com a retomada do processo das atividades presenciais. Por que isso vai retomar? Porque a vida vai voltar, retomar diariamente.

Quando a gente trata de Fortaleza, a gente pensa em dez nomes de escolas de Fortaleza, que não é a realidade. Então pequenas escolas atendem à grande parte da população. Grande mesmo. Porque nem o governo do estado e nem o do município conseguiria abarcar todos os alunos.

Isadora Lima: Como você se sente em relação à disparidade social que nós temos. Quando pensamos: “primeiro a escola particular deve voltar, pois é a que tem condições; e a escola pública vem depois”. Como a senhora se sente em relação a essa desigualdade entre estudantes de públicas e particulares?

Andréa Nogueira: É uma oportunidade de esclarecer: a rede de ensino privado nunca quis isso. A rede de ensino privado defendeu a necessidade de uma retomada das atividades presenciais, de todos, certo? Mas a gente defendeu principalmente a nossa, porque a gente dizia que tinha condições de retornar. Então, ninguém defendeu desigualdade, ninguém pregava isso, de forma alguma, tá entendendo? A nossa visão, o que nós defendemos nas reuniões do grupo de trabalho ocorridas juntamente com o secretário de Educação… Contudo, nós defendíamos que as escolas públicas deveriam também se reorganizar para cumprir os protocolos.

Caio Cysne: Professora, as escolas particulares ligadas ao Sinepe-Ceará registraram, no fim do mês de junho, uma perda de 14% de matrículas. Qual a expectativa para o retorno desses alunos ao sistema de ensino? Vocês vislumbram possíveis matrículas de novos alunos nas escolas particulares pós-pandemia?

Andréa Nogueira: Nós já estamos recebendo essa procura, os pais já estão na lista de espera. Porque o que foi que a escola fez? Deu prioridade àqueles que permaneceram. A educação infantil, no dia primeiro agora [1º de setembro], ela vai sair do percentual de 35% para 50% [de estudantes ocupando a sala de aula presencialmente]. Então nós já encaminhamos a pesquisa de retomada e já abrimos novas vagas. Mas vai ser normal esse processo. Porque todas as escolas já estão recebendo novamente os seus alunos e isso nos deixa felizes, não só pelo lado financeiro. É porque lugar de criança e adolescente é dentro da escola.

[…] Todas as escolas já estão recebendo novamente os seus alunos e isso nos deixa felizes, não só pelo lado financeiro. É porque lugar de criança e adolescente é dentro da escola.

Isadora Lima: Professora, você considera que a porcentagem de alunos que voltaram às escolas foi satisfatória?

Andréa Nogueira: Ainda é muito cedo para a gente saber, porque a gente tá com limite, né. Eu particularmente, na nossa escola, quem cancelou [matrícula] já tá pedindo pra voltar, já tá pedindo pra voltar, porque a gente criou uma relação, porque a gente tem um percentual de retomada. O governador estipulou 50% para a educação infantil e 35% para a segunda e terceira séries. Com o limite de 35% na educação infantil, algumas matrículas, os pais que pediram para retomar vão retomar agora no dia primeiro [1º de outubro], porque, dentro dos 35%, já não permitia mais, certo? Mas eu acredito que esse retorno vai acontecer de forma satisfatória e crescente.

Isadora Lima: Você comentou como na escola tem o tapete higienizador, tem álcool em gel… Eu vi uma entrevista da infectologista que trabalhou junto com vocês no Instagram. Ela recomenda também instalação de pias e mais ambientes arborizados. A escola teve algum gasto a mais com isso, o que poderia acabar sendo prejudicial à receita dela?

Andréa Nogueira: Teve. A gente teve, sim, uma perda financeira, tá entendendo? Se você quer ter uma plataforma padronizada, para ter uma segurança maior para o seu aluno, ela varia entre 10 mil e 15 mil [reais], tá entendendo? Por isso que não foi opção de todo mundo. A construção de pias… Eu visitei várias escolas, inclusive na nossa a gente realizou, a gente chegou a ter até estações de higienização, que são pias. A gente colocou [pia] próxima à cantina, duas pias na educação infantil. A gente teve grandes investimentos em razão dos grandes investimentos. Um totem, gente… Aquele objeto que tem um álcool em gel, ele varia de R$ 356 a R$ 400. A gente tem que ter cada um em cada nível de entrada, recepção, educação infantil, ensino médio. Aí, então, no mínimo a escola contrata quatro [totens]… Um tapete sanitizante, um absurdo: tapete de 60 cm, o kit dá de R$ 90 a R$ 130. Então tudo muito custo. Fora a manutenção diária do álcool em gel.

Lídia Hellen: Com o enfraquecimento econômico, quais motivos levaram o sindicato a apoiar o retorno das aulas e a inserção do sistema híbrido para estabilidade das escolas?

Andréa Nogueira: O motivo é porque o próprio governador do estado apontou que o setor da educação voltaria no dia 20 de julho, na quarta fase. A equipe de Saúde tanto do governo do estado, como do município apontavam que as curvas epidemiológicas de Fortaleza permitiam. Então, se a gente tem um cenário de saúde controlado e se a gente, naquela época, tinha 90% das atividades econômicas já voltando, por que a escola não poderia voltar? Escutamos um epidemiologista, um infectologista e outro epidemiologista. Fomos aos órgãos, fomos à Prefeitura, mostramos isso, tabela. “É por isso que a gente vai voltar” [argumentaram]. Se 95% das atividades econômicas voltaram, presume-se que os pais também voltaram às suas atividades de trabalho. E o principal também: a saúde emocional das crianças e do adolescentes. A gente tá vendo aí, nos países, as reportagem que estão surgindo é sobre o prejuízo emocional dessas crianças, sobre os índices que estão acontecendo de automutilação de adolescentes, até de crianças também, por esse período de confinamento.

Se a gente tem um cenário de saúde controlado e se a gente, naquela época [20 de julho], tinha 90% das atividades econômicas já voltando, por que a escola não poderia voltar?

José Manuel: O estado do Amazonas foi o primeiro no Brasil a fazer retomada gradual das aulas presenciais na rede privada e pública, dentro da capital, Manaus. Também houve retorno das atividades nas escolas nos estados do Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo e, mais recentemente, no Rio Grande do Sul, que abriu em 11 regiões do estado. Como o sindicato avalia a abertura das escolas e a ação de reparação educacional, agora que o Ceará teve essa retomada, estando no início recente?

Andréa Nogueira: A nossa avaliação é que a retomada em 1º de setembro, com educação infantil, ela foi uma retomada muito tardia. A escola retomou a atividade presencial, com mais tempo do que deveria, né. Isso gerou um prejuízo muito grande no processo ensino-aprendizagem, na saúde mental e emocional dessas crianças e dos adolescentes, que vai voltar realmente com esse problema, vai voltar para as escolas, vai voltar para a família, mas que a gente vai ter que contornar.

Caio Cysne: O último decreto estadual [decreto nº 33.742, de 20 de setembro] autoriza a retomada no sistema híbrido de ensino e estabelece os protocolos de distanciamento social. A senhora já tinha falado sobre a questão do uso do álcool em gel e de máscara. De que forma podemos assegurar que tais protocolos serão seguidos à risca pelas escolas? Haverá algum tipo de fiscalização?

Andréa Nogueira: Vai ter fiscalização, sim, e a escola vai aguardar, porque a gente não quer descumprir protocolo, não, porque a gente tem compromisso com a saúde pública também. A escola da rede privada realizou parceria com o governo do estado para realizar a testagem. Disponibilizamos centros, recebemos as testagens e realizamos 4.913 testes em 4 dias. Nós fizemos porque tinha que ter responsabilidade com a educação e porque a gente vê a educação como prioridade desse estado no Brasil.

Isadora Lima: Se houver um aumento de casos no estado e o governo decidir de novo pelo fechamento das escolas, qual seria a posição do Sinepe-CE em relação a isso?

Andréa Nogueira: Se tiver um aumento na cidade, é a Secretaria de Saúde do Estado e do Município que tem que se reunir, analisar e ver. Ela vai ver toda a atividade econômica em si. E agora eu estou torcendo, confiante que nosso estado continue nessa regularidade.

--

--