“Eu descobri que não era ocidental”

Alessandro Fernandes
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readFeb 5, 2022

Sandra Guimarães nasceu no Rio Grande do Norte, mas se mudou sozinha para a França aos 20 anos. Em uma tarde fria na cidade de Aubervilliers, ela conversou virtualmente sobre veganismo, anarquismo e histórias dos sete países por onde passou

Por Alessandro Fernandes

Sandra Guimarães está sentada em um objeto de madeira. Ela usa uma saia de cor azul ciano e uma blusa de cor azul escuro. Ela tem a pele branca, cabelos pretos soltos e olhar sério. Ao fundo há luzes pisca-pisca e algumas plantas.
Sandra Guimarães / Arquivo pessoal

É no cenário da sua casa, em Aubervilliers, comuna na periferia norte de Paris, que Sandra me recebe virtualmente com um sorriso no rosto, cabelos presos e uma blusa de cor preta, ou melhor, através de uma videoconferência. Com um poster feminista e um cartaz escrito “Visite a Palestina” ao fundo, é nesse lugar que Sandra fala sobre sua vida, entre risadas e boas histórias.

Ela é a quinta de sete filhos, foi a primeira a nascer no litoral do Rio Grande do Norte, na cidade do Natal. Ainda aos 13 anos, decidiu que iria fazer intercâmbio e estudar fora do país. Filha de sem-terra, Sandra entendeu que trabalhar seria a única forma de conseguir dinheiro e tentar a vida no exterior.

Partiu para Paris aos 20 anos, onde dividia seu tempo entre o trabalho como babá e as aulas de francês. Sem pretensão alguma, ela encontrou um panfleto da Universidade Sorbonne e decidiu se inscrever no curso de Linguística. Foi lá onde descobriu sua primeira paixão, a linguagem.

Passados seis anos vivendo em uma quitinete apertada, dividindo o tempo entre o mestrado na universidade e o trabalho, Sandra se encontrou novamente na comida, uma paixão antiga que tinha pela gastronomia e alimentação. Foi em um café com sua orientadora que Sandra expressou que já não mais queria a vida acadêmica. Ela conta que sempre gostou de cozinhar, mas descobriu no veganismo uma possibilidade de fazer comida com propósito.

A culinária vegetal foi, então, a ponte que ligou ela a todas as outras lutas sociais da qual hoje faz parte. E foi folheando uma revista de Antropologia que a escritora e cozinheira se aproximou da Palestina e do conflito militar com Israel. Do outro lado da tela, Sandra sorri ao contar do seu planejamento, isso porque, após largar o mestrado, ela pretendia permanecer três semanas no país, mas acabou morando durante cinco anos entre Belém e outras cidades da região.

Durante sua passagem pela Palestina, Sandra tomou consciência da importância do veganismo político na transformação da sociedade. Lá trabalhou como professora de francês, atuou como militante pelos direitos palestinos e fez da sua casa um modesto restaurante vegano, enquanto vivia com Anne, sua esposa, com quem tem uma relação não monogâmica. Desde 2010, ela mantém um blog chamado Papacapim, sobre alimentação, veganismo, temáticas LGBTQIA+ e causos da vida.

Print de Sandra Guimarães durante a entrevista. Ela usa headphones pretos e uma blusa preta. Está sorrindo, ao fundo há uma planta e um poster com o símbolo do feminismo. Seus cabelos pretos estão presos.
Sandra Guimarães durante entrevista / Alessandro Fernandes

De lá, Sandra passou por Beirute, no Líbano, onde disse ter encontrado a melhor comida do mundo e imensas desigualdades sociais. Em Londres, trabalhou por dois anos e chegou à conclusão de que nunca mais irá trabalhar em um restaurante. Dividiu o tempo na Alemanha trabalhando em uma queijaria vegetal de um brasileiro, falando francês em casa e inglês na rua — foram dois anos sem verbalizar uma palavra em alemão, diz em meio a risadas. Mas foi na Bélgica onde tomou um susto. “Eu descobri que não era ocidental”, conta ela em meio aos relatos de racismo e xenofobia enquanto era voluntária em um centro de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ exiladas.

Sandra brinca que seu maior talento é planejar sonhos. E é assim que ela encerra a nossa conversa. Tem um compromisso com as Brigadas de Solidariedade Popular (BSP), o coletivo anarquista que faz parte. Sua tarefa no BSP é atuar na defesa de refugiados e, mais recentemente, contra a destruição dos jardins operários de Aubervilliers, que darão lugar a uma piscina olímpica e a um complexo aquático para as Olímpiadas de Paris em 2024.

Entre um belo cartaz escrito “Visit Palestine” e um poster escrito em árabe, com 100 datas importantes para os movimentos feministas — presente de uma amiga em seu aniversário de 40 anos — , Sandra espera o fim da pandemia para voltar com tours político-veganos em Paris para turistas, além de querer construir um manifesto pela cozinha vegetal. Mas isso só vai acontecer no Brasil. Como ela mesma disse, “faz mais sentido eu escrever ele comendo jaca [no Brasil] do que baguette”.

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Alessandro Fernandes
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Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Ceará. Tem 20 anos, é apaixonado por Comunicação Independente e adora conversar sobre veganismo popular.