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pedro igor
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readApr 29, 2021

Autora do livro Supernova, a meio historiadora e meio jornalista Juliana Vicente prefere se definir como uma artista, uma metamorfose ambulante

Por Pedro Igor Lima

Juliana Vicente é cearense e autora independente / Acervo pessoal

Minutos antes de bater o ponto no trabalho, Juliana se permitiu falar sobre sua vida através da tela de seu celular — o que ela mesma diz ser incapaz.

Nascida, criada e morando em Fortaleza, Juliana Vicente está prestes a se formar em Jornalismo pela UNI7, mas isso não é o mais relevante para esta narrativa: ela está prestes a lançar seu primeiro livro.

O idealismo da missão jornalística fez Juliana largar o curso de História em 2014 e traçar a mesma jornada que Ilze Scamparini teria traçado para chegar à Itália. Não deu certo. Antes membro de movimentos sociais, Juliana se viu obrigada a seguir carreira no Jornalismo corporativo, milhas distantes do que acreditava ser a profissão… e da Itália.

Juliana percebeu o quanto a realidade se distanciava de seu idealismo. “A gente tem que trabalhar pra viver”, afirma com o desapontamento na voz reproduzida por uma tela. Da casa onde mora com a mãe, o irmão, quatro gatos e três cachorros, afirma que sua vida deveria ter sido mais parecida com o filme Capitão Fantástico, longe da sociedade capitalista, em meio à natureza.

O jornalismo estava corrompido demais para Juliana, que, mesmo assim, não perdeu a essência da profissão: a curiosidade. Dizem que todo jornalista é fofoqueiro, mas a verdade é que, para ser jornalista, é preciso ser curioso.

A curiosidade de Juliana a levou para vários lugares do mundo, mesmo sem nunca ter saído de seu país. E para lugares bem longe do que se costuma imaginar, como a Coreia do Sul e o Japão. Apaixonada por línguas e culturas, Juliana adquiriu uma bagagem repleta de referências midiáticas, que seriam ao mesmo tempo inspiração e matéria-prima para sua obra.

O e-book Supernova: O começo nasce do fim, livro de estreia de Juliana, que aborda temas como amizade e depressão / Reprodução/ Kindle

Antes ficwriter (autora de fanfictions — histórias ficcionais escritas por fãs sobre seus ídolos), agora uma autora com nome, referências e aspirações: Juliana Saraiva de Paula Freies, ou melhor, Juliana Vicente.

Buscando saber o porquê de usar um nome artístico no lugar de seu nome, recebo uma resposta emocionada: “É uma homenagem ao meu avô”. Com lágrimas nos olhos, Juliana relata com orgulho a história de seu avô, que, mesmo aos 90 anos, sente-se doente por não mais trabalhar. Todo nome carrega uma história, mas o de Juliana Vicente recupera uma história de perseverança de um homem do interior que não teve as mesmas oportunidades que a neta.

E é do interior do Ceará, mais precisamente de Boa Vista, que Juliana trouxe as inspirações para sua obra. Não só inspirações daquele riacho cruzando a cidade, marcado na memória da infância, mas também da obra de Bernard Cornwell (autor britânico de ficção histórica), que se dista bastante de sua obra caraterística: dramas psicológicos sobre sentimentos e inquietações humanas.

“Mas eu acho que é muito [mais relacionado] à vontade que eu sempre tive de colocar tudo no papel, tudo o que eu penso, tudo que eu sinto; porque, apesar de cursar Comunicação Social, eu não sei falar; então vai muito dessa coisa de colocar no papel”, afirma Juliana sobre as razões de ser escritora.

Escrever só se aprende escrevendo, e Juliana aprendeu a escrever através de suas criações na plataforma Wattpad — plataforma de autopublicação majoritariamente de fanfictions — que ela mesma define como sua faculdade de escrita criativa. No meio das diversas histórias escritas enquanto telemarketer, Juliana guardou uma delas, a história da Ana e do Kenshin, que agora vem ao mundo sob o nome de Supernova: a história sobre como você sai da adolescência para a vida adulta lidando com um evento traumático.

“Supernova é um livro que eu queria ter lido na época que eu tive depressão, porque eu não entendia o que eu tinha, por que eu estava sofrendo tanto”.

Pergunto a origem dos nomes daquelas personagens que tanto tinham a ver com Juliana. Kenshin vem de Kenshin Himura, protagonista da série de anime Samurai X; já Ana, uma homenagem a Anna Scott, do filme Notting Hill. Um caldeirão de outras referências compõe Supernova, tal como o evento astronômico que dá título ao livro: a dor que Ana sentia em razão de seus traumas explode, mas passa, e dá vida a uma nova Ana.

Juliana sofreu com Síndrome de Burnout no começo de 2020, mas daquilo que passou nasceu “Supernova’’. Ter com quem compartilhar o que sentia foi a ponte que precisava para se tornar outra pessoa. Não superar tudo aquilo, mas sim renascer daquela dor. E foi preciso da parceria de sua família, que muito a incentivou a escrever, para que Juliana Vicente nascesse. Afinal, pessoas precisam de pessoas.

Quando pergunto quem será Juliana Vicente daqui pra frente, recebo uma resposta: uma artista que escreve, uma designer artística e uma autora de referência para novos autores, mas, sobretudo, uma artista que não passa fome. Enfim, uma metamorfose ambulante.

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