“Eu tô cansada, mas tô feliz”

Clarice Lima
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readFeb 11, 2022

Odete Carvalho Lima revisita suas memórias e sonhos enquanto cozinha numa tarde ensolarada

Por Clarice Lima

Odete posa na praia / Arquivo Pessoal

Discreta e bastante tímida, Odete conta um pouco sobre sua vida enquanto corta as verduras e prepara o jantar. Preocupada em tentar “falar bonito”, ela começa contando sobre a infância simples, em tempos em que brincar na rua era rotina.

“A minha infância foi bem diferente da atual. Não existia celular, videogame, a gente só tinha televisão. A gente brincava muito na rua, todo mundo junto, menino e menina. Apanhava também de vez em quando, né?”, diz, soltando uma risada.

Disposta a fazer essa visita ao passado, ela continua contando suas memórias, dessa vez visitando a Odete da adolescência, incumbida de cuidar dos irmãos mais novos enquanto os pais saíam para trabalhar. “Minha adolescência foi dentro de casa. Comecei a fazer as coisas dentro de casa muito cedo, porque minha mãe trabalhava como doméstica. Aí tive que assumir a responsabilidade. Acho que foi com uns 14, 15 anos. Eu e minha irmã, a Dinha, que éramos as mais velhas. Tanto que a gente não podia estudar no mesmo horário; se ela estudava de tarde, eu tinha que estudar de manhã”, detalha.

Questionada se sentia falta de viver mais a própria adolescência, ela assente e responde: “Sentia. A gente não saía. Não ia pra praia, pro shopping. Vim sair depois dos 17, 18 anos. Eu já era praticamente casada, cuidando da casa e das crianças, só faltava o marido”.

Tem algum momento que foi muito marcante na sua vida? Que, até nos dias atuais, a memória ainda é muito vívida? “Acho que a primeira vez que eu fui ao cinema foi muito marcante. Foi na época que estreou o filme Ghost. Eu já trabalhava”.

A Odete de 15 anos, quais eram os sonhos dela? “Eu nunca fui muito sonhadora, não. Sempre tive meus pés no chão. Meu sonho era casar, ter minha casa, ter minha família”.

E a Odete de 52 anos, quais os sonhos que ela tem? “Meu sonho? Ser rica! (Ela ri, ainda cortando as verduras). Ter dinheiro, passear. Viajar, que a gente nunca viajou, conhecer as cidades brasileiras. Meu sonho é passear”.

Existe algo que você tem muita vontade de realizar, mas ainda não conseguiu? “Tenho muita vontade de fazer uma visita à Nova, lá na Itália, conhecer o país que minha irmã escolheu para morar”.

Quando pergunto quem é a Odete, surge a dúvida que todos enfrentamos para definir quem somos. Ela para de cortar as verduras, olha para mim, depois olha ao redor. Pensa, tenta formular uma frase. E então, aos poucos, ela me conta quem é.

“Acho que… Eu sou uma pessoa que gosta de ajudar, que se preocupa com pai e mãe, se preocupa com o próximo. Me sinto bem quando tá todo mundo feliz, quando consigo realizar alguma coisa que a minha filha quer. Quando consigo ajudar alguém. Hoje, por exemplo, eu tô cansada, mas tô feliz, porque eu consegui ajudar a minha mãe. Eu tenho muita consciência. Se eu me definir com uma palavra, é consciência. Sou justa, consciente”.

E você é feliz? “Acho que eu sou. Triste eu não sou, né? É, sou feliz. Tenho uma casa, tenho uma família. Eu sou feliz”.

“Acabou?”, ela questiona, terminando de cortar as verduras. Digo que sim e agradeço. Ela sorri e deseja boa sorte. Volta pro fogão, continua a fazer o jantar, cozinhando com cuidado e carinho. Afinal, Odete Carvalho Lima e o cuidado são parceiros inseparáveis. E quem pode conviver com ela, ah, caros leitores, essa pessoa tem a maior sorte do mundo.

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