Haddad faz declarações questionáveis em Sabatina do UOL

RylleryMarques
EntreFios - tecendo narrativas
5 min readJun 10, 2022

A equipe do EntreFios checou quatro afirmações feitas em 6 de maio pelo pré-candidato do PT ao governo de São Paulo

Por Giovana Feitosa, Júlia de Andrade,
Letícia Ávila e Ryllery Marques

Fernando Haddad em sabatina para UOL / Reprodução/YouTube

O EntreFios checou a consistência de quatro declarações feitas pelo pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, durante uma transmissão ao vivo em 6 de maio no canal do UOL no YouTube. Haddad respondeu a perguntas sobre sua carreira política e sobre o atual cenário político-eleitoral brasileiro.

O petista é professor da Universidade de São Paulo (USP), foi ministro da Educação entre 2005 e 2012, nos governos de Lula e de Dilma Rousseff, e, em seguida, foi prefeito de São Paulo entre 2013 e 2016.

As etiquetas e o método de checagem utilizados pelo EntreFios para esta checagem são as mesmas da Agência Lupa, agência brasileira destinada a checar informações públicas.

Confira as etiquetas atribuídas a cada declaração checada e nossas análises sobre cada uma delas.

VERDADEIRO, MAS

“Só aqui em São Paulo, são 60 mil pessoas em situação de rua”

Durante uma crítica direcionada ao atual contexto sociopolítico brasileiro, Fernando Haddad disse que, em São Paulo, chegam a existir 60 mil pessoas em situação de rua.

A afirmação é verdadeira quando considerados os estudos realizados pelo Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, divulgados em outubro de 2021 por veículos como a Agência Brasil. A estimativa da ONG é feita com base nos atendimentos realizados em sua sede. A entidade constatou 66 mil moradores de rua na capital de São Paulo.

No entanto, o último Censo da População em Situação de Rua, realizado pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), da prefeitura de São Paulo, que colheu dados até o final de 2021, aponta para um número menor: seriam 31.884 pessoas vivendo nas ruas. Ou seja, os números oficiais da prefeitura totalizam menos da metade dos números apresentados pela ONG.

Se considerarmos que a prefeitura é parte interessada nesses dados, já que eles apontam para uma possível ineficiência da gestão de um problema social, podemos considerar os dados da entidade como um contraponto importante ao debate público sobre o tema. Contudo, o fato de Haddad não informar a fonte exata a cujos dados ele se refere, a declaração se torna passível de ponderação, sendo por isso atribuída a etiqueta “verdadeiro, mas”.

INSUSTENTÁVEL

“Hoje [6 de maio], foram anunciados os dados relativos ao desmatamento [da Amazônia]. Nós perdemos mais de mil quilômetros quadrados [de floresta]. O governo Bolsonaro conseguiu bater o recorde de desmatamento acho que de todos os tempos.”

Ao ser questionado acerca das propostas de governo para o agronegócio no estado de São Paulo, o pré-candidato a governador alega não existirem grandes problemas nessa área. Haddad afirma que a única forma de piorar o agronegócio nesse estado é se o desmatamento da Amazônia continuar a aumentar e critica o papel do atual governo federal nesse âmbito.

Essa afirmação de Haddad é considerada insustentável, visto que, na pesquisa citada, são levados em consideração dados referentes à série histórica do Deter, que realiza o levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia somente a partir de 2004. Logo, por não haver dados anteriores, não é possível identificar se esse recorde é, de fato, de “todos os tempos”.

Segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), noticiados pelo Greenpeace Brasil, entre os dias 1º e 29 de abril, os alertas apontam para um total de 1.013 km² de desmatamento, área equivalente a 138.957 campos de futebol padrão FIFA.

VERDADEIRO, MAS

“A prefeitura de São Paulo devolve 50% do IPVA, que é o que lhe cabe para o proprietário do carro elétrico”

A afirmação do ex-ministro da educação é verdadeira, mas cabe ponderação. Questionado sobre a geração de empregos no setor automobilístico e investimentos para geração de empregos de baixo carbono, o pré-candidato ao governo de São Paulo respondeu citando os incentivos ao uso de energias limpas durante seu mandato como prefeito da capital paulista. Ao citar a devolução de 50% do IPVA, Haddad afirmou que esse benefício é destinado a quem possui veículos elétricos.

No entanto, o ex-prefeito de São Paulo não esclareceu que a isenção não é acessível a todos os proprietários de carros elétricos. A Lei n° 15.997, em parágrafo único, afirma que a devolução da quota-parte do IPVA pertencente ao município deverá ficar restrita apenas aos cinco primeiros anos da tributação incidente no veículo. Ainda em seu artigo sexto, consta que o benefício fica restrito a veículos com valor igual ou inferior a R$ 150 mil.

A lei foi promulgada em 27 de maio de 2014. A Lei n° 15.997 consta no Diário Oficial de São Paulo de 28 de maio de 2014, segundo ano do mandato de Fernando Haddad na prefeitura da capital paulista.

VERDADEIRO, MAS

“Eu consegui, eu e o governador Tarso Genro, nós conseguimos uma emenda na lei de renegociação das dívidas que fez a dívida de São Paulo cair 60%. A dívida que era de 80 bilhões foi para 30. Quando mudou o governo em 2014, mudou o ministro, Joaquim Levy, que fez onda para cumprir a lei. Eu entrei com uma ação judicial e ganhei. E São Paulo hoje não tem dívidas graças a isso. Se não fosse isso, São Paulo era uma cidade endividada”

As afirmações do ex-prefeito da cidade de São Paulo são verdadeiras, mas merecem ponderações. A prefeitura de São Paulo obteve, em abril de 2014, uma liminar para que fosse efetuado o pagamento das parcelas da dívida com a União, algo que forçou a aplicação das novas regras estipuladas na chamada Lei de Renegociação da Dívida (LC 148/2014). Essa lei, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, reduziu a dívida da capital paulista. Esta retirou do cálculo da dívida a aplicação do IGP-DI mais juros de 6% a 9% ao ano e introduziu na fórmula o IPCA mais juros de 4% ao ano. No âmbito dessa lei, a União concedeu descontos sobre os saldos devedores dos contratos, em valor correspondente à diferença entre o montante do saldo devedor existente em 1º de janeiro de 2013 e aquele apurado utilizando-se a variação acumulada da taxa Selic desde a assinatura dos respectivos contratos. Essa autorização foi dada pela Lei Complementar nº 151 de 2015, algo que diz respeito à entrada do novo ministro.

No entanto, em relação ao que tange aos números relacionados a dívidas, é possível analisar que, no final de 2015, ou seja, no período entre a liminar obtida em 2014 e a devida troca de indexadores utilizados para reajustar as dívidas de estados e municípios com a União, houve um crescimento da projeção da dívida. Dessa forma, a cidade de São Paulo teve, até o fim de 2016, um crescimento exponencial do saldo devedor, que não chegou a ser exatamente R$ 80 bilhões até o final do mandato, mas que, de fato, foi reduzido significativamente com as medidas tomadas.

A equipe do EntreFios procurou a assessoria de Haddad para possíveis contra-argumentos quanto às ponderações apontadas, mas não obteve resposta até a data de publicação desta checagem.

--

--