Ilustrando a si próprio

Carolina Galvão
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readSep 1, 2021

[PERFIL] O ilustrador Helder Carlos de Xavier, de 20 anos, encontrou na ilustração digital uma forma de expressar sua visão pessoal acerca da realidade

Por Carolina Galvão

Ilustrador 6lacaute. Reprodução/Instagram

Sendo uma criança curiosa e criativa, Helder Carlos de Xavier se encantou cedo pelo mundo das artes. Seu primeiro contato com elas se deu por meio de programas infantis da TV Globinho; os personagens e as histórias narradas ali despertaram nele algo que, anos mais tarde, traria frutos.

Seus trabalhos com artes gráficas começaram em 2019, inicialmente sendo somente algumas experimentações despretensiosas com colagens. Contudo, logo percebeu que poderia misturar seus estudos antropológicos com arte, dando vida para sua visão política acerca da sociedade ao seu redor.

Influenciado pela intensa cena artística presente no Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (Uece), onde cursa Filosofia, em Fortaleza, Helder iniciou a publicação de seus trabalhos, por meio de um perfil no Instagram, adotando o pseudônimo Cartola para assinar suas ilustrações e 6lecaute para as colagens.

No entanto, essa divisão não durou muito tempo: logo deixou as colagens de lado e direcionou seu foco para as ilustrações gráficas de personalidades negras, passando a ter somente 6lecaute como sua assinatura e nome artístico.

Personagens fictícios, artistas, amigos e companheiros seriam seus modelos principais nessa fase inicial. Sua primeira publicação oficial, uma releitura do ator Daniel Kaluuya, na cena final do filme Get Out (2017), abre os caminhos para a identidade artística que seria construída a partir dali.

Durante a entrevista, houve uma queda de energia que interrompeu nossa conversa no momento em que eu o questionava sobre os motivos por trás da escolha de seu nome artístico. Ao voltarmos, sua resposta, por coincidência, pareceu encaixar perfeitamente com o momento.

“A partir dessa primeira publicação, comecei a soltar imagens de pessoas pretas, porque ‘blackout’ significa realmente isso: trazer a escuridão para o meio da luz. Inclusive, acabou a sua energia quando eu cheguei.”

As influências de sua vida acadêmica são estabelecidas por meio dos significados de suas obras. Fazendo uso de um dos maiores pressupostos da Filosofia, o de criticar a tudo, até mesmo o que já é tido como certo, além de ter a práxis, conceito que opta pela ação concreta, como sua linha de estudo, Helder, por meio de sua arte, torna ilustrada a sua crítica à Filosofia branca e eurocêntrica, que durante décadas alimentou e legitimou a violência e discriminação contra a população negra, trazendo à tona os debates que perpassam esses corpos periféricos e marginalizados, tão ignorados pela academia.

Obra “Mal encarado demais para ser Cristo” (2021)
Obra “Mal encarado demais para ser Cristo” (2021) / Reprodução/Arquivo Pessoal

Para além da influência acadêmica, seus trabalhos refletem sua personalidade e suas crenças. Optando por desenvolvê-los no silêncio e de forma isolada, 6lecaute tem o autorretrato como característica marcante, indo além e mergulhando em uma conversa com si próprio, buscando em suas experiências pessoais uma forma de expressão política e social.

“O meu trabalho é repleto de conversas com pessoas que conviveram comigo; não é a fala de outra pessoa, senão a minha. Ali sou eu, puro e simplesmente. É meu corpo, minha mente e meu espírito. É minha fuga”.

Mesmo após suas obras serem reconhecidas e disponibilizadas na revista Rolling Stones Brasil e no Instagram do Museu de Arte de São Paulo, MASP, e com mais de 4 mil seguidores em seu perfil oficial no Instagram (@_6lecaute), Helder comenta sobre a dificuldade de se obter retorno financeiro por meio de sua arte, na condição de artista independente no Brasil. A visibilidade obtida nessas plataformas, não é o suficiente para garantir uma relação estável entre produção e venda.

A xenofobia e o racismo presentes no cenário artístico nacional, dominado pela região Sudeste e por pessoas brancas, também são fatores que afetam diretamente seu desempenho lucrativo. A produção e impressão das ilustrações geram gastos que, sem a verba vinda das vendas, tornam inviável a manutenção de seu trabalho.

Ao falar sobre projetos e visões de futuro, Helder se mostra esperançoso ao desejar que, em breve, consiga garantir seu espaço enquanto ilustrador e artista independente.

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