Indicadores sociais dependem de investimento na juventude, defende Júlio Brizzi

Pedro Santos
EntreFios - tecendo narrativas
22 min readJul 26, 2022

Em um bate-papo com a equipe do EntreFios, o vereador de Fortaleza Júlio Brizzi (PDT) comentou sobre os desafios da juventude local e que importância ele atribui ao jovem na sociedade

Por Andrynne Carneiro, Beatriz Acioli, Júlia Moura,
Larissa Martins, Olivia Rodrigues, Pedro Santos e Thaís Simião

Júlio Brizzi em entrevista ao EntreFios, no estúdio de rádio do curso de Jornalismo da UFC / EntreFios

Em 2021, o Inep apontou que mais de 5% dos adolescentes do Ensino Médio abandonaram a escola. Além disso, a taxa de desemprego entre os jovens está acima dos 20%. Esses dados sugerem um cenário preocupante para a juventude brasileira e, quando se fala dos adolescentes periféricos, as diferenças e os estigmas tendem a ficar mais evidentes.

Compreender a importância do jovem é fundamental para integrar essa parcela da população de forma apropriada. Para debater o tema, a equipe do EntreFios recebeu, em 1º de julho, o vereador Júlio Brizzi (PDT), defensor das causas da juventude.

Desde seu período como estudante do curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Júlio Brizzi começou a lutar pelos direitos da juventude e dos estudantes. Passou pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), quando conseguiu, junto com os outros integrantes da gestão, garantir a construção da residência universitária e a reforma do restaurante universitário do campus do Pici, em Fortaleza.

A partir do primeiro contato com a vida política, percebeu que o ambiente legislativo era a esfera onde gostaria de lutar pelos direitos da juventude. Filiou-se, então, ao PDT.

Durante a gestão do prefeito Roberto Cláudio (PDT), atuou como secretário de Juventude, quando ajudou a pensar e executar políticas públicas para equipamentos municipais como a Rede Cuca. Já na Câmara Municipal, na condição de vereador, conseguiu aprovar o programa “Bolsa Esporte”, que garante apoio financeiro a atletas e técnicos de várias modalidades esportivas.

Confira a seguir entrevista na íntegra, em formato de áudio, e a transcrição completa:

Larissa Martins: A gente sabe que você é formado em Direito pela UFC. Quando foi que surgiu o seu interesse pela área do Direito?

Júlio Brizzi: Pelo direito? Bem, na verdade, na minha família, têm muitos advogados. Tem muita gente que se formou em Direito, enfim, e eu não sabia o curso que eu ia fazer. Na época do terceiro ano, é uma coisa que é comum pra todo mundo. É uma pressão medonha, todo mundo: “Quê que tu vai fazer?”. E eu fiquei em dúvida, mas eu sempre tive meio que essa queda pelo Direito. Minha irmã fez Direito, tava fazendo Direito aqui, na UFC, e eu fiquei na dúvida. Fiz para Contabéis na Uece [Universidade Estadual do Ceará]. Fiquei em dúvida se eu fazia para Contábeis ou Direito, aí eu fiz para Contabéis na Uece e para Direito na UFC. Acabou que eu passei na Contábeis e não passei no Direito. Aí depois tentei de novo, e não passei outra vez. Na terceira vez, eu passei. E acabou que eu gostei, é um curso que eu acho que eu tenho afinidade na área de Humanas, curso que eu acho que tem tudo a ver comigo mesmo.

Andrynne Carneiro: Júlio, durante a sua vida acadêmica você participou do Diretório Central dos Estudantes, o DCE. Como foi essa experiência durante esse período?

Júlio Brizzi: Ah, foi uma experiência honrosa e única. Especial pra mim. Eu, na verdade, sempre tive o interesse em me engajar nas coisas desde criança. Estudava num colégio chamado Imaculada Conceição, aqui, no Centro, colégio de freiras, colégio com uma educação vicentina, de São Vicente de Paulo. E lá tinha um projeto de formação de lideranças, e era aluno com sei lá, seis anos de idade na escola. E era uma coisa que eu achava sempre muito legal. Eu sempre me envolvia, mas eu nunca queria estar à frente das coisas. Eu participava, as pessoas me chamavam, me incluíam, mas eu meio que ficava, mas não queria assumir responsabilidades. E, na faculdade, quando eu entrei na Uece, eu não me envolvi muito, mas aqui, no Direito, logo que eu cheguei, eu fui pra Atlética [Associação Atlética Acadêmica da UFC], já na primeira. Antes de eu entrar na faculdade, começar as minhas aulas, eu já estava organizando o campeonato, tinha um pessoal conhecido do colégio, enfim, da faculdade, da Atlética, já me chamou pra organizar e tal. Então, eu entrei na Atlética antes de entrar na faculdade de Direito. E depois acabou que, na Atlética, no dia a dia, na turma, acabei que eu fui chamado para compor uma chapa, eu era do segundo semestre, pro Centro Acadêmico, que era uma gestão que já estava há algum tempo e tal, a gente queria… Era uma turma que queria tirar essa gestão, e a gente montou uma chapa lá com a maioria de calouros e alguns veteranos. E acabou que a gente ganhou a eleição lá, e eu entrei no Centro Acadêmico. E de lá pra cá, depois eu fui pro CA de novo, enfim, e a gente montou um grupo na UFC que era um grupo independente, que não era de partido político. Então, existia sempre uma divisão muito clara de disputa de grupos partidários que eram organizados em ideologias é…, enfim, específicas. E aí existia um grupo A, dois grupos que se juntavam e outros dois grupos se juntavam, e se matavam alguns anos. E aí a gente não queria nem ser de um nem de outro. A gente montou uma terceira chapa em 2004 e acabou que a gente ficou em terceiro lugar. Eram só três chapas, mas a votação foi surpreendente, ninguém acreditava, nem a gente. A gente ganhou lá na Faculdade de Direito, e na outra eleição a gente acabou se juntando com outros grupos, e acabou conseguindo eleger a chapa “Eu quero um DCE diferente”, em 2006, que tomou posse no dia 23 de fevereiro. Então, acabou que eu fui escolhido como secretário-geral da chapa, internamente, depois em um processo de votação interna e a gente teve uma gestão até 2007, que, pra mim, foi algo muito, muito importante. Tanto a Atlética, como o CA, como o DCE, porque a universidade, a Faculdade de Direito tem muito isso. As pessoas tratam a Faculdade de Direito muito como um cursinho, e como um selo também, por ser federal, é uma universidade… No caso da Faculdade de Direito, ela tem um selo da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], [porque] a OAB recomenda todos os anos. Tem uma nota alta no Enade [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes], tem uma nota alta. 80% dos alunos passam na prova da OAB, aqui na UFC. Então realmente é uma faculdade muito boa para estudar. Eu não enxergava como um espaço apenas para isso, mas também como espaço que tem que ter a extensão, tem que ter a pesquisa, tem que ter os projetos como a Atlética, projetos que não são simplesmente de pesquisa, mas de extensão, que podem dialogar com outras formações, como a liderança, como a questão do esporte, enfim, várias coisas. E eu defendia isso, inclusive entrava na sala de aula e dizia: “Isso aqui não é um cursinho, pessoal, vocês têm que participar”. Então, foi muito marcante a experiência pra mim, a gente chegou à faculdade, vocês não vivem isso, mas a gente chegou à faculdade em que faltava luz, porque a luz era cortada porque não era pago — professor Robson está vendo ali, sabe. Quando chovia, a goteira é inundava algumas salas, e o prédio que era chamado de “prédio novo”, que era dos anos 1970 — a Faculdade de Direito é bem antiga, é de 1903. Então, a gente tinha uma faculdade em que os professores titulares não iam dar aula, que não tinha projetos.

Só tinha o Naju, que [atualmente] é o Caju [Centro de Assessoria Jurídica Universitária Popular], e a Atlética. E não tinha muita estrutura e nem apoio. Enfim, era uma dificuldade, o auditório fechado, a biblioteca muito antiga, e uma das nossas propostas do CA foi para realmente mudar isso. Então a gente fez esse trabalho, conseguimos na época várias emendas parlamentares, de diversos, parlamentares, mandamos para todos, pedimos para todos, fomos atrás de todo mundo e de um em um, porta em porta. A gente conseguiu, na época, os estudantes conseguiram lá várias coisas, como a reforma do prédio [do curso de Direito], desse prédio [Centro de Humanidades 2, onde está o curso de Jornalismo], conseguiu ampliar a quantidade de salas, enfim…Conseguimos criar o doutorado anos à frente, que era também uma questão antiga da faculdade de Direito, e conseguiu ter hoje um doutorado lá.

Thaís Simião: Eu queria saber se essa sua participação no DCE te ajudou de alguma forma na sua entrada pelas lutas dos jovens, da juventude.

Júlio Brizzi: Com certeza. Com certeza. Para mim, o DCE foi determinante porque, nesse processo de formação de liderança, eu sempre tive oportunidade de participar, mas eu sempre fugia. Então eu ficava mais de fora e questionando os outros, sendo sempre uma pessoa que ficava questionando. E, quando eu entrei na faculdade, na UFC, eu acabei me engajando. Entrei, como falei para vocês… Não era de partido político, não tinha uma família política… Minha família também não é rica, nada que as pessoas geralmente mentalizam na política. E acabou que, com essa experiência, eu fiz uma reflexão para a minha vida. Eu falei: “Vou ficar a vida inteira negando as coisas? Vou ser um cara frustrado… As coisas sempre ficam vindo atrás de mim e eu fico negando, me escondendo… Vou ser um cara frustrado na minha vida ou então aceito isso como uma vocação e tento realizar, bem ou mal, mas pelo menos tento, para fazer o que eu gosto”. Eu gosto de trabalhar pelos outros, gosto de estar envolvido nessas coisas, gosto de ter responsabilidades. Adoro trabalhar. Muitas vezes isso é ruim também, eu gosto disso. Então eu acabei decidindo entrar em um partido político, depois que eu me formei em Direito. Escolhi o PDT para me filiar, por livre e espontânea vontade. O PDT, na época, era oposição a tudo, então eu não tinha interesse nenhum, a não ser a bandeira do partido, de educação, trabalho… A história do PDT, que reivindica uma história do país que é fundamental. A história do trabalhismo, que vem do Getúlio [Vargas], que vem com todas as estruturas macro que a gente tem hoje no país, de indústria, de legislação, CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], direito de voto da mulher, enfim. Tudo isso foi dessa época, então essas bandeiras que me encantam, né? Logicamente, todos os partidos têm seus defeitos […]. Todos, todos, todos. No formato político do país hoje, são todos. Todos, todos, todos. Não escapa nenhum, pela própria estrutura burocrática partidária. Enfim, mas política é isso. É bom, é ruim, lida com o que a gente tem de melhor, com o que a gente tem de pior… Com todos, todos os seres humanos, todos os partidos, todos os ambientes… Enfim. Não é algo fácil, mas é algo que pode mudar a vida das pessoas. Pode mudar a vida das pessoas se ela for feita com esse propósito. Então isso me encanta. De repente, você vê uma coisa que você defendeu na política, ou pensou, e um grupo específico vai lá e consegue aquilo ali… Isso é muito legal! Dei o exemplo para você da residência [universitária] do Pici, que a gente botou lá no papel, foi unânime, né? Todo mundo da oposição se classificou, pediu… Mas que também ninguém acreditava que fosse sair. E saiu tão rápido. E tem a residência do Pici desde já. Então, fui para a inauguração… Nem lembro o ano, vocês não eram nem nascidos, eu acho, 2009, 2010, 2011… Acho que foi inaugurado algum ano desse aí… 2012. Tem até no YouTube o vídeo… Enfim. Então isso motiva, entendeu? Você vê que, com aquela ação política, você vê a vida da pessoa mudar. Você pode mudar a cidade, né? Uma coisa que, cara, é incrível isso aí, eu acho.

Andrynne Carneiro: Júlio, você mencionou que a sua família não tem esse lado político forte, não tem partido… Mas você se mostrou bem engajado durante a sua vida acadêmica. E eu queria saber quais figuras, quais pessoas te inspiraram nessa sua construção política ao longo da sua vida.

Júlio Brizzi: Tem uma pessoa que me inspirou desde criança, que é a Irmã Elizabete da Silveira. Ela era a madre… acho que chama madre… Ela era a madre lá do Imaculada. Era uma mulher incrível, inteligentíssima, uma líder nata, mulher forte. Morreu com 91, 92 anos. Mulher incrível, de voz firme, que liderava muito por ela mesma, e não por qualquer cargo que ela tivesse lá. E ela que era entusiasta dessas formações desde criança. Ela achava que as pessoas tinham que realmente se envolver, tinham que se organizar… Enfim, ter isso. Ela é uma pessoa que me inspirou muito desde sempre, desde pirralho. E muitas, tantas outras também, que eu conheci, que eu não conheci, mas que eu sempre observei e vi como pessoas inspiradoras. O próprio [Leonel] Brizola [ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, além de fundador do PDT] é um deles, né? É um cara que sempre tentou… Porque quando você vai… A política é um negócio que, se a pessoa quiser fazer carreira, ou então quiser se dar bem, ela vai dar “amém” para todo mundo e vai tentar seguir sempre o fluxo das coisas. Não importa o fluxo. Se tá o Lula no poder, o cara vai dizer que é Lula. Se tá o Bolsonaro no poder, o cara vai estar lá na base do Bolsonaro. Se tá o Ciro, o cara vai estar na base do Ciro… Então, a política tem muito disso também. Faz parte. Assim como é o ser humano, quando ele está lá na política, é o ser humano que está lá. Então isso é fácil. Geralmente eu observo e vejo mais as pessoas que vão no contrafluxo, aquelas que têm uma ideia fixa e que querem transformar aquilo ali, elas compram as brigas e elas vão fazer, entendeu? Então tem várias pessoas assim na história. Geralmente são situações que você acha impossível de fazer… Então o Brizola meteu um Cieps [Centros Integrados de Educação Pública, apelidados de Brizolões], nos anos 1980, no Rio de Janeiro, que era uma escola para mil alunos, que tinha cinco refeições por dia, um dia inteiro de aula, para acolher a família da comunidade dentro da comunidade. E o cara fez 504 Cieps no Rio de Janeiro. Então, ele pegou metade do orçamento do estado do Rio de Janeiro, elitista, enfim… Tudo com a Rede Globo lá dentro, tal e fez o Cieps. Então ele fez isso quando foi governador do Rio Grande do Sul nos anos 1950. Ele fez 6 mil escolas, ele começou a construir escolas nos distritos do interior, em todo lugar. Contratou 48 mil professores quando ele foi governador do Rio Grande do Sul nos anos 1950. Então, entender que a educação é a grande ferramenta de transformação, por exemplo, em comprar essas brigas. E ele sempre comprou as brigas que tinha que comprar para poder fazer isso… Que não é fácil, porque tem muito interesse envolvido na política. Então essas pessoas — estou dando alguns, mas teria vários exemplos para dar — , elas me inspiram.

Larissa Martins: A gente gostaria de saber um pouco mais das suas ações como político e também como atuante pela causa jovem. Depois de ter atuado no movimento estudantil, você ocupou cargos públicos como secretário de juventude de Fortaleza e atualmente você é vereador de Fortaleza pelo PDT. De onde você acredita ter vindo a vontade para se engajar na vida político-partidária?

Júlio Brizzi: O movimento estudantil, para mim, foi importante pra poder me entender como uma pessoa que gostava dessas coisas de ter essa vocação. Depois de tomar a decisão de entrar no PDT, quando eu me formei, e me colocar assim para a vida pública, fui presidente da juventude do partido, cheguei a ser presidente nacional da juventude. Fui vice-presidente, assumi um período do PDT e, desde 2006, da época do DCE, a gente discutia política de juventude, que era uma temática recente no país. [Como] política pública, na Europa, por exemplo, é dos anos 1970 pros anos 1980. No Brasil, a gente começou a discutir em 2000, 2001, mas com efetividade em 2003, quando o Lula assumiu [a Presidência da República]. Ele criou a Secretaria Nacional de Juventude, e aí criou o Pró Jovem, que é o grande programa para a juventude brasileira de qualificação. E aí tinha quatro eixos e tinha toda uma discussão para criar um sistema nacional através do conselho, através de uma política nacional que pudesse engajar os estados e municípios. E aí a gente começou, já desde a época do DCE, começou a estudar isso aqui, em Fortaleza. Também foi criado um organismo de juventude dentro dessa esteira, que foi quando teve uma política nacional que tem orçamento, que tem programa, então os estados e municípios se adequam. É assim geralmente porque, se ele quiser receber o recurso, se ele quiser executar o programa, ele tem que estar adequado para isso, e geralmente isso acontece em toda política pública. Na de juventude, não foi diferente. E aqui, a gente começou a estudar e tentar contribuir com esse debate. Tinha um grupo de estudo, inclusive, que a gente se reunia à noite para estudar, da juventude do PDT, e existe uma lógica na própria política de juventude. No Brasil, por exemplo, a gente está em um período em que a gente nunca mais vai ter tanto jovem como a gente tem agora. Nunca mais! A população naturalmente envelhece. Hoje as populações… Têm cidades do Japão, têm países da Europa que têm déficit populacional porque o povo envelheceu e não tem mais taxa de natalidade que suporte a continuidade da população local. Então, isso é um problema gravíssimo. No Brasil, atualmente, a gente tem uma pirâmide etária que ela está um botijão de gás ainda, que tem muito jovem, tem muita gente nesse segmento do meio. Aqui, no estado do Ceará, não é diferente. Em Fortaleza, por exemplo, um terço da população tem entre 15 e 29 anos. Se você pegar de 12 até os 45 anos, é mais da metade da população. A população é muito jovem. E a população jovem tem uma necessidade específica para toda política pública. Então, ela tem necessidade específica para saúde, ela tem necessidade específica para a cultura e lazer, que quem é idoso não tem, como tem o jovem. Ela precisa ter, nesse momento da vida, educação, ela precisa ter acompanhamento psicológico, por exemplo, ter pelo menos a disponibilidade disso, ela precisa ter qualificação profissional, porque está entrando na idade economicamente ativa. Então, é um setor populacional que tem que ter uma atenção específica. A política de juventude defende isso e ela é uma política transversal porque ela dialoga com várias outras: saúde, esporte, trabalho, educação, cultura e enfim. Então, por exemplo, para Fortaleza investir na juventude, tem que ser uma prioridade, não porque eu queira. Se não for, a gente vai perder uma chance histórica que a gente nunca mais vai ter de acolher esse público, qualificar esse público e preparar esse público para poder envelhecer e, obviamente, ocupar os espaços de trabalho, liderar. É, enfim, para nossa cidade poder ter esse espaço de desenvolvimento econômico e pessoal e social também. Então essa é uma luta que cidades como Fortaleza tem que ter e várias outras do estado. Caucaia tem uma população jovem para caramba, Maracanaú também e a maioria das cidades do estado. Então, falando de política pública, isso é fundamental. E acabou que eu tive algumas defesas durante esse período. A gente defendeu, por exemplo, a PEC da Juventude, que colocou a juventude na Constituição Federal, que não tinha a palavra “juventude” na Constituição. E, para vocês terem ideia, eu consegui colocar, no ano passado, na Constituição do município, em 2021.

Da esquerda para a direita: Andrynne Carneiro, Larissa Martins e Thaís Simião na realização da entrevista / EntreFios

Andrynne Carneiro: Você disse que foi presidente da juventude e, aos 28 anos, o senhor também assumiu o comando da Superintendência do Trabalho e Emprego do Estado do Ceará. Sendo tão jovem e entrando tão cedo, quais problemas o senhor enfrentou durante esse período?

Júlio Brizzi: Olha, foram vários. Eu lembro que, na época da Superintendência, eu tive essa oportunidade e eu sofri um preconceito gigantesco para entrar porque o que eu tinha de idade era o que a maioria dos servidores tinham de tempo de trabalho. Então, naturalmente é: “Pô, vem um menino aqui, deve ser filho de alguém e vem aqui só pra passar tempo e tal”. E acabou que esse preconceito sempre existe para o jovem, você vai atrás do primeiro emprego, “não tem currículo”, mas como que vai fazer currículo se não tem oportunidade? Enfim, muitas vezes não se julga pela habilidade que a pessoa apresenta e pelo potencial que ela pode ter, mas pelo currículo, se já tem, e às vezes é difícil de ter. E então, o jovem sempre sofre esse preconceito. E, nesse caso aí, até pela própria estrutura do órgão público, um órgão antigo do país, que tem uma estrutura com pessoas que ficam muito tempo e já tem uma história toda pra você chegar assim… Mas, pelo contrário, foi uma experiência muito boa, passei 22 meses lá, foi uma experiência muito boa de aprendizado, me dediquei bastante e aprendi muito. Profissionais muito qualificados lá, me acolheram superbem depois de passado esse preconceito inicial. Então, assim, eu sou muito grato, muito grato mesmo a todos os servidores, foi uma experiência muito bacana, muito bacana. Enfim, foram várias dificuldades. A gestão pública é um desafio por si só, da menor função à maior função, digo em relação à responsabilidade.

Andrynne Carneiro: Você falou sobre a ampliação da Rede Cuca, que, no governo do Roberto Cláudio, ex-prefeito Roberto Cláudio, equipamentos, muitos equipamentos, algumas novas sedes. E eu queria saber o que você considera ser a importância de iniciativas como o Cuca para a formação do jovem?

Júlio Brizzi: É uma importância muito grande, né? Porque, por exemplo, o Cuca é o espaço do jovem na cidade. Então o Cuca, às vezes, as pessoas fazem alguma confusão. O Cuca é um prédio. Foi feito um prédio, foi pego um empréstimo na época, foi feito um prédio com o objetivo de criar um equipamento cultural para os jovens. Então foi feito um plano de necessidades, um projeto, e foi feito o prédio. Em 2014, quando o Cuca do Jangurussu e do Mondubim foram entregues, o prefeito Roberto Cláudio criou um programa da política pública, que é a Rede Cuca, que é a rede de qualificação e tal, que é o que funciona dentro do prédio. Então o prédio por si só, o prédio, que é o Cuca e a Rede Cuca, é o programa da política pública, que tem orçamento, que tem meta e tal. Então, o Cuca é um equipamento fundamental, que, se bem gerido… E não é fácil essa gestão lá, porque você trabalha com vários centros diferentes, né? Porque são várias áreas. Lá, você trabalha no esporte, você trabalha cultura e, na cultura, tem várias linguagens, você trabalha direitos humanos, que aí tem várias abordagens, protagonismo, empreendedorismo, questão da mulher, política LGBT, enfim, leitura, letramento. E o Cuca é o espaço em que o jovem tem que se sentir acolhido, ele tem que se sentir abrigado, ele tem que ter lá um espaço para ele ter uma ideia e conseguir executar, tem que ter pessoas que orientem e apoiem, tem que ter os cursos de formação que são vários também. Então, o Cuca cresceu muito na gestão do prefeito Roberto Cláudio. Em 2014, tinha três Cucas já funcionando, foram ofertadas 33 mil vagas de formação. Em 2018, foram 80 mil vagas de formação diferentes. Então, a ampliação da quantidade, da oferta, alguns projetos.

Larissa Martins: Júlio, em setembro do ano passado, em 2021, a Câmara dos Vereadores de Fortaleza aprovou o “Bolsa Esporte”, que foi proposto pelo senhor. É um programa que garante o apoio financeiro de atletas e técnicos de diferentes modalidades esportivas. A gente queria saber quais são suas principais expectativas para o programa.

Júlio Brizzi: Eu fiquei muito feliz com isso porque o “Bolsa Esporte”… A gente conseguiu criar o “Bolsa Jovem”, em 2019, e aí o resultado foi algo extraordinário, porque o jovem… Vamos lá [fala em tom de exemplo]: a Larissa é da dança. Ela vai sair de casa [para dançar]. Se a mãe dela não tiver condição, os pais dela já vão… Se tiverem condição, vão reclamar; se não tiverem, reclamam mais ainda: “Tu já vai para essa dança? Só para dar despesa dentro de casa”. Porque tem que pagar a passagem do ônibus, tem que comprar sapatilha se for ballet.

Larissa Martins: Sabe o pessoal do Kpop?

Júlio Brizzi: Sei.

Larissa Martins: Pronto, eu participo.

Júlio Brizzi: Pronto, se for o Kpop, tem as fantasias, as roupas, os figurinos do Kpop são vários, variados, né? Alguns são “invocados” demais e caros. Quem faz ballet tem uma sapatilha, que é cara, a sapatilha [custa] 200, 300 reais, dura um mês, dois meses uma sapatilha de ballet. Fora o figurino para espetáculo, fora o valor… Enfim, uma série de coisas, isso tudo é despesa. E aí às vezes o jovem vem, por ter essa vocação, esse interesse, essa necessidade, tanto social de estar num grupo… Então, a Larissa é de um grupo de Kpop, de dança, ela tem o grupo dela que ela troca informações, que ela troca gostos, interesses, paixões. É, tem também a questão física, do exercício, que ela faz, que faz bem pro corpo dela, que faz bem para a mente dela. Então, para o jovem, esse tipo de engajamento é fundamental, só que, quando ele começa a dar despesa em casa e o pai tem que optar em pagar energia e pagar o figurino dela, cria um conflito dentro de casa. Então, o jovem precisa ser visto como ele deve ser. Como um ativo, como uma coisa boa. Então, se ele está indo para aquilo ali, eu estou investindo nele e na saúde mental dele, na questão social, nos aprendizados, nas habilidades. Obviamente, quem tem que dividir entre isso e a comida, vai ficar com a comida, é claro. Então o “Bolsa Jovem” veio para fortalecer o jovem, tanto na paixão que ele tem de poder fazer o que ele quer, então ele vai pegar aquele dinheiro, ele vai guardar, se ele souber gerenciar, ele vai conseguir comprar um notebook ou ele vai conseguir pagar um figurino melhor ou vai fazer um curso se for o caso da dança ou de outra coisa, vai participar de uma competição que ele quer… Aquilo ali ajuda ele a fazer aquilo. Fortalece a posição do jovem e também fortalece dentro de casa: o jovem que era visto antes como um problema pelo “Bolsa Jovem”, ele passou a ser visto como um… “então, meu filho, não perca o treino não, viu?”, antigamente era “você já vai para esse treino aí?”, agora é “não perca mais o treino não, você tem que ir. Já foi?” tá, mas não vá se machucar não cê não pode perder e tal. Então o “Bolsa Jovem” a gente viu muito isso, a importância que foi pro jovem e para o jovem de alto rendimento que, por exemplo, tinha uma bolsa de 1.200 reais, para parte cultural na primeira edição né, para o esporte mais ainda. Então o jovem ele tem um talento ele ta competindo e tal, e às vezes ele se classifica para uma competição fora e aquilo ali vira é uma punição para ele, porque ele não tem dinheiro para ir, ele tem que pagar a passagem, tem que pagar a hospedagem, a alimentação, fora o suplemento, a inscrição na competição e tal. Então é um negócio que é complicado, e é cruel. E a gente criou o “Bolsa Jovem” para isso e o “Voa Juventude” também, então o jovem que ia pra uma atividade relevante ele tinha a passagem e a hospedagem. O atleta ia para uma competição… a gente chegou a mandar uma galera que está sempre aqui no Benfica aqui no skate, que a Gentilândia é a principal praça que a gente tem aqui de skate na cidade agora junto com a Beira Mar, que é uma pista que ficou linda lá. Então, o jovem aqui era a polícia correndo atrás porque o skatista vai andar sem camisa, do jeito que anda e tal, e tudo o jovem negro da periferia, aquele negócio. E agora o jovem, a gente mandou 10 para competir lá em São Paulo, por exemplo, ganhamos dos 10 primeiros, 3 foram daqui de Fortaleza, né? E o primeiro não foi nosso porque roubaram lá, o juiz roubou ele, que era o Kevin, que era pra ter ganho um carro lá ia ganhar um carro ele ia para lá e ganhar um carro voltar com um carro pra cá e roubaram ele lá, mas enfim foi em 2019, é que eu me senti com isso, o Kevinzinho é bom demais. E, ele passou a ter esse apoio então recebia a bolsa, a passagem, a hospedagem, o Cuca pagava a inscrição, pagava a inscrição da dança também pro pessoal porque o jovem precisa desse incentivo e aí você também traz a família, você ajuda dentro de casa, você divide a despesa em casa e faz com que o jovem passe a ser visto como uma coisa boa, a atividade que ele vai o fazer seja uma coisa boa e necessária. Então, foi um projeto que deu certo e a gente resolveu criar o “Bolsa Esporte” para fortalecer mais o esporte. A gente fez um estudo no orçamento do município, viu as possibilidades, já tinha o resultado do “Bolsa Jovem” e o “Bolsa Esporte” foi criado, a lei foi publicada em novembro de 2021 e foi feito o primeiro edital, que inclusive saiu hoje o e-mail para quem passou, mandaram o e-mail hoje para poder fazer a assinatura. Vocês são do Bolsa Esporte? Passaram? Conhecem?

Larissa Martins : Não, a gente tá só acompanhando.

Júlio Brizzi: É, saiu hoje esse e-mail, que era uma coisa esperada, a Secretaria de Esporte do Município que está fazendo e agora eles vão assinar e, em algum momento, vão começar a receber as bolsas para poder ajudar nas atividades. E, se mostrou uma política fundamental. Eu sou super a favor da política de transferência de renda. Super a favor, sou a favor da renda básica, sou a favor de políticas desse tipo. Porque, primeiro, se for bem feita ela consegue ter um resultado imediato, consegue ter um resultado de médio e longo prazo também. E ela reduz muito a despesa de execução porque eu to pegando o “Bolsa Jovem”, a gente pegou cinco editais que tinham cinco editais de protagonismo, aí nesses cinco editais a gente precisava lançar um edital para cada um tinha que mandar cada grupo uma proposta com orçamento e tal, tal, tal, tal, tal e depois tinha que executar, prestar, conta, executar, prestar, conta tinha dedução de imposto tinha dedução de não sei o que, tal. Então, acabava que a gente fazia o edital, consumia um trabalho gigantesco da gestão, um trabalho gigantesco de quem ia participar, o “caba” ficava com raiva porque tinha recebido pouco recurso porque ficava sem conseguir prestar conta a gente ficava com raiva porque o “caba” não prestava conta e o controle cobrava a gente e o “Bolsa Jovem” não tem isso o “Bolsa Jovem”, esse recurso vai direto pro jovem poder executar. Na primeira edição, ele foi acompanhado, ele tinha que fazer relatório e acompanhado, alguns sei lá dez, quinze por cento foram desligados porque não cumpriram né? Acho que quinze por cento ou pouco mais, então tem efetividade e é mais barato para a gestão executar e é mais barato e tem um resultado ali na ponta né? Então eu sou a favor quando bem feito.

Júlio Brizzi: E acho que o “Bolsa Esporte” pode cumprir esse papel de fortalecer um segmento que na nossa cidade é prioritário. E na minha parte, eu acho que a política pública que tem que ser prioridade é o esporte, porque o custo per capita é baixo, você consegue atingir várias pessoas com menos recursos, tem resultado de curto prazo. Curto prazo você já tem um resultado, médio prazo e longo prazo também. Você atinge aí muitas pessoas indiretamente. Então é uma política pública que, na minha concepção, ela tem que ter prioridade.

Júlio Brizzi concedendo entrevista à Thaís Simião, Larissa Martins e Andrynne Carneiro/ EntreFios

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