Mais feijão, menos fuzil

Ricardo Pereira
EntreFios - tecendo narrativas
2 min readSep 1, 2021

[CRÔNICA]

Por Ricardo Pereira

Foto: João Daniel Araújo / Instituto SOS Periferia

Na última sexta-feira do mês de agosto, já acostumado com a ausência de mainha em casa a semana inteira, fui surpreendido com uma folga repentina da casa onde ela trabalha.

— Hoje eu vou limpar a MINHA casa!

Escuto meu nome sendo chamado por ela, mas, para quem conhece seu tom de voz alegre e altivo, estranharia, assim como eu, a forma como fui chamado.

Demoraram segundos para que nossa conversa sobre a escassez de alimentos na geladeira se transformasse em lágrimas sobre seu rosto. Não consigo lembrar a última vez em que nossa situação financeira estava dignamente confortável, e parece ter piorado com a pandemia, já que não é a primeira ou segunda vez que vejo esta mesma angústia se transformar em choro desde o ano passado.

Entre palavras de apoio e lágrimas enxutas, meu celular vibra com a mensagem de um amigo: “Não tenho o que almoçar, me ajuda”. Enquanto o espero chegar à minha casa, percebo, então, que estamos anestesiados com notícias absurdas diariamente, mas o barco Brasil continua afundando, e sabemos bem para qual lado a corda sempre arrebenta. O almoço daquela sexta-feira se tornou um desabafo mútuo entre eu e ele sobre o desassossego e a imprevisibilidade de se ser pobre neste país.

Entre uma fofoca e outra no feed do Instagram, fico surpreso com mais alguma manchete lamentável para a dignidade humana do brasileiro: “Ceará atinge 44,3% da população vivendo na pobreza”. E, ironicamente, a pobreza cresce junto aos preços. Aumento nos valores do gás, da energia, da cesta básica… Esta conta não fecha!

Apesar da insegurança alimentar instaurada no país, o presidente da República continua resumindo suas preocupações ao armamento. Enquanto sua mesa não estiver vazia, Jair Bolsonaro continuará buscando “mais fuzil e menos feijão”. E isso tudo aperta o coração. Mas, mesmo com adversidades, agradeço pelo aperto não ser no estômago.

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