A busca pelo afeto na série “Manhãs de Setembro”

Rayssa da Costa
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readJul 29, 2021

[RESENHA] Cantora, compositora e intérprete Liniker estreia como protagonista nas telas, em produção da Amazon Prime Video

Por Rayssa da Costa

O desenvolvimento da série gira em torno da relação entre Cassandra (Liniker) e seu filho Gersinho (Gustavo Coelho) Foto: Reprodução/Twitter

A afetividade nas relações humanas da vida real não segue uma fórmula padrão ou uma receita perfeita. Pelo contrário, é constantemente impactada por questões sociais, traumas e escolhas — entre erros e acertos.

É por meio dessa humanização dos laços que “Manhãs de Setembro” conta a história de Cassandra, interpretada por Liniker. A série é uma produção da Amazon Prime Video.

A personagem principal tem a vida transformada após descobrir a existência de seu filho de 10 anos, Gersinho, através de uma visita inesperada de Leide (Karine Teles), com quem se envolveu anos atrás. No dia que antecede a notícia, Cassandra comemora, ao lado de seu namorado, Ivaldo (Thomas Aquino), a realização de seu sonho: o aluguel de sua quitinete, onde pretende morar sozinha aos 30 anos. Ela, que é travesti e preta, é motogirl durante o dia e cantora numa casa noturna, onde anseia ser cover de Vanusa.

Referência da música brasileira, a cantora mineira Vanusa é também homenageada na série, que herdou o nome de um de seus clássicos, “Manhãs de Setembro”. O vínculo de Cassandra com a música é refletido nas suas interações com a voz póstuma de Vanusa, e existe como um pilar que a mantém firme para seguir sua vida nos momentos de incertezas. As belas canções de Vanusa na voz e interpretação de Liniker, são um show à parte no audiovisual.

A série se destaca pela construção dos personagens, apresentando suas complexas, e não tão belas, faces: por vezes, Cassandra se mostra dura e fria diante do filho, processando a situação. Não é proposto um percurso utópico de acolhimento e, assim, não o é cumprido. Há uma disputa de narrativas entre as particularidades de Cassandra e Leide em torno do filho. Já Gersinho, interpretado por Gustavo Coelho, a todo momento cativa amor e atenção por onde passa.

Além do elenco principal, a produção conta com coadjuvantes estrelados por Clodd Dias (Roberta), Gero Camilo (Aristides), Paulo Miklos (Décio) e a brilhante participação especial da cantora e compositora Linn da Quebrada (Pedrita). Nesse eixo do drama, os personagens LGBTQIA+ enriquecem o roteiro com suas particularidades, além de formarem a rede de apoio com a qual Cassandra pode contar em São Paulo.

Durante os capítulos, a trama não se limita a discutir a transição de gênero da protagonista. Vai além, colocando em debate diversas outras questões ligadas à travestilidade e além dela: as diversas formações familiares possíveis, carreira profissional, moradia, amor romântico e sonhos. Em entrevista, Liniker fala sobre a importância de abordar a história de uma travesti preta pela perspectiva do afeto, elemento necessário nas relações humanas e que é, por diversas vezes, negado a esse grupo social.

“[…] a gente só quer ser amada. Já não basta toda a luta de tentar sobreviver diariamente numa sociedade que mata, que é transfóbica, que é racista… Acho que continuar vivendo sem a esperança de um dia ser amada é muito duro. São trajetórias muito intensas que ao longo desses capítulos todos a gente vai vendo o quão o afeto é transformador”, detalhou ao Portal Pop.

“Manhãs de Setembro” é complexa do início ao fim do quinto episódio, último da temporada. Apesar da curta duração, a história e o elenco do drama vão além do esperado e entregam essa produção de altíssima qualidade. O final provoca em quem assiste a ânsia de querer mais aprofundamento para a próxima temporada, já confirmada. O afeto, como elemento central da trama, é diluído em personalidades e histórias que nos instigam a refletir e a torcer por um possível final feliz.

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