Não se sente falta daquilo que não se conhece

Ismael Camurça
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readJul 13, 2023

Na busca diária por felicidade, o agricultor Elizeu Antônio de Oliveira vai percebendo que família e trabalho marcam o corpo e a alma feito cicatrizes

Por Ismael Camurça

Elizeu Antônio de Oliveira aos 20 anos (1990) / Arquivo Pessoal

Meu pai esperava que a entrevista fosse tratar de sua vida sob uma perspectiva biográfica, detalhando toda a sua trajetória de vida. Não seria bem assim. Lançando o olhar para a paisagem rotineira e verde à nossa volta, ele inicia o monólogo relatando a graça que eram suas professoras na infância ensinando no povoado de Formoso, em Pacajus (CE), quando ensinavam pela manhã e, pela tarde, iam para a mesma escola a fim de passar o estudo para os demais no dia seguinte.

Ao refletir sobre sua juventude, fica em silêncio por cerca de vinte segundos. Em seguida, ele me diz que, apesar das dificuldades, foi feliz. Se tinha algo para comer no almoço e no jantar, era motivo de felicidade. Para Elizeu e os oito irmãos, a vida que tinha na roça os obrigava a trabalhar durante a infância e, desde cedo, sentia-se privado de muitas das experiências das quais um jovem pode desfrutar.

Tem em casa a presença de dois filhos distintos, porém com vozes e fisionomias muito parecidas, sendo chamados por ele de “jornalista” e “empreendedor”. Define o jornalista como “brando” e o empreendedor como “firme”, tais como Esaú e Jacó, pontua como um bom cristão. Talvez por isso tenha um tato diferente para cada um.

Brevemente revela como gostaria de ser diferente do avô dos filhos. Apesar de tanto sentir saudades e reconhecê-lo como boa pessoa, entende que poderia ter sido melhor como pai. Não lamenta por trabalhar desde cedo, mas diz que não queria ter sido podado.

“Até pra gente namorar, precisava ficar na aba do papai, nunca soube sair e ganhar o mundo, ‘matutão.”

De fato, é diferente.

Conta sobre o período do qual, aparentemente, não se orgulha tanto: uma adolescência tardia que o fez se entregar ao álcool e ao trabalho até sua pele queimar, carregando essas marcas até hoje. Sequer notou quando se tornou um homem adulto. O tempo é cruel e estava ocupado demais trabalhando.

Quando se deu conta, estava se casando aos 27 anos com uma morena natural de Quixadá. Segundo o Leu, como é carinhosamente chamado, só uma mulher mais valente para amansar um homem valente. Sem querer, teve quatro filhos com ela e agora, sim, era um homem feito.

Elizeu e sua esposa, Irismeire, no pós-casamento (1997) / Arquivo Pessoal

De alguma forma, sempre dava um jeito de tirar o foco de si mesmo. A questão era sobre ele e para ele, mas estava falando dos outros e dando atenção para os outros. Nunca soube o que é existir para si. Como seria, então, não se sentir protagonista da própria vida? Hoje ele seria. O personagem principal é Leu, conhecido por ser feliz, porque não sente falta daquilo que não conheceu.

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