Nem mesmo Paris

Juliete Costa
EntreFios - tecendo narrativas
5 min readOct 30, 2020

Raquel Ramos Machado é advogada, professora da UFC, mãe e defensora da luta feminina por igualdade

Por Juliete Costa

Raquel Ramos à frente da Faculté de Troit Paris Descartes / Imagem: Lara Machado

Andando pelas ruas de Paris naquele dia, em 2012, até mesmo a grandiosidade da Torre Eiffel assumia um aspecto secundário. O Arco do Triunfo era agora símbolo de uma realidade distante.

As principais obras-primas da humanidade expostas no Museu do Louvre não eram capazes de tranquilizá-la. Nem mesmo uma Paris inteira conseguiria acalmar o coração de Raquel Ramos Machado.

A ansiedade em saber se havia sido aprovada para o Doutorado em Direito na Universidade de São Paulo (USP) era tamanha que nem mesmo Paris embrulhada em papel de presente a faria esquecer por completo do resultado. “Nem se me dessem Paris inteira, eu me aquietaria”.

Ao receber a aprovação, enquanto estava em viagem na França, os sentimentos foram de alívio e felicidade. Afinal, era um sonho que estava se realizando. Na USP, conviveu com outras pessoas que davam muito valor ao estudo. Por esse motivo, a experiência de estar em um ambiente de excelência a estimulou a buscar a própria excelência.

Com graduação e mestrado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel sempre acreditou no ideal de justiça. O interesse pela área do Direito começou desde criança. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, Raquel, ainda criança, andava com um livro da Carta Magna embaixo do braço. Hoje, chefe do Departamento de Direito Público da UFC, é coordenadora do Grupo Ágora, um projeto que estuda o papel dos partidos políticos, assim como as potencialidades da democracia representativa e participativa.

Engajada na luta das mulheres, Raquel promoveu, por meio do Grupo Ágora, um curso de educação política para mulheres com o objetivo de incentivar a participação da mulher nos espaços formais de poder, sobretudo, nos mandatos eletivos.

Como feminista que se tornou ao longo de suas vivências exteriores ao lar, passou a propor um discurso de luta por igualdade de gênero. Ao ser indagada a respeito da participação da mulher na política, demonstrava ao mesmo tempo serenidade e inquietação ao falar sobre a discrepância entre homens e mulheres em relação tanto aos direitos civis como aos direitos políticos.

Enquanto explicava que todas as mulheres têm que lutar para garantir seus direitos, era perceptível, por meio da voz mais incisiva, seu desejo por mais engajamento feminino. “Quanto mais mulheres nós tivermos na política, mais chances nós estamos dando à política de mudar, de ter uma nova forma de realização, e nós precisamos dessa mudança”, defende.

O assunto política está presente em quase todos os momentos da sua atuação profissional. Aparece em sala de aula, na condição de professora de Direito Eleitoral na UFC; vem à tona quando atua como membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e volta a surgir na condição de membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (ABRADEP).

A política poderia ser abordada por ela sob inúmeras vertentes técnicas. No entanto, Raquel preferiu expor seu envolvimento com a política da maneira como surgiu em sua vida, desde quando era apenas uma menina com uma constituição embaixo do braço: “Eu me envolvo com política como cidadã”.

As viagens são recorrentes na vida de Raquel, ora a trabalho, ora a lazer. Foi professora pesquisadora convidada da Faculdade de Direito da Universidade Paris Descartes, na França; da Universidade de Economia de Viena, na Áustria; e da Faculdade de Direito da Universidade de Firenze, na Itália.

Raquel Ramos Machado em casa, na companhia de seus livros / Imagem: Lara Machado

Para a advogada, viajar é ganhar mundos e carregá-los para desenhar os próprios dias em uma espécie de libertação.

Os livros também a acompanham, seja em um dos passeios que lhe faça lembrar de uma obra; seja no sofá de casa.

Na época em que cursava seu doutorado, em 2013, o país vivia o início de uma crise política que perdura até hoje. Os movimentos sociais, naquele ano, eclodiram em razão não só do aumento da tarifa do transporte público, mas também em protestos contra a construção de estádios para Copa do Mundo de 2014, assim como por reivindicações para melhorias na saúde e na educação.

A série de manifestações populares, iniciadas em Porto Alegre e São Paulo, marcaram o contexto social e político no qual Raquel se formou doutora em Direito, sendo elemento constitutivo de sua formação profissional. Mais tarde, tornaria-se professora de Direito Eleitoral. Naquela conjuntura, era um período que assinalava a consolidação de um sentimento geral de desconfiança e insatisfação com as instituições públicas e a políticas.

O estudo sempre ocupou uma parcela significativa em sua vida. Desde criança gostava de estudar sobre qualquer tema. Reconhece seus privilégios ao ter tido a oportunidade de somente estudar, sem precisar trabalhar. Além disso, cursou todo o ensino superior em instituições públicas e, por essas razões, sente-se em dívida com a sociedade.

Pesquisadora e professora, acredita que a melhor forma de ser uma estudante é sendo professora, porque, assim, pode compartilhar seus conhecimentos. “Não sonhei em ser professora, me tornei professora ao longo da vida”.

Reluta em se autodenominar “empoderada”. Diz-se uma mulher satisfeita com a sua profissão. A palavra “empoderada”, para Raquel, carrega um significado talvez categórico demais para uma pessoa usar para si. Procura estimular outras mulheres para que busquem na sua vida um ambiente de satisfação, uma vez que percebe que as pessoas, de modo geral, têm medo de serem quem elas desejam pelo receio de serem criticadas. Assim, sente-se não empoderada, mas corajosa.

Raquel Ramos Machado é uma mulher disposta a lutar por seus sonhos, que não hesita em fazer o possível para realizá-los. Apesar de envolvida com pautas sociais e políticas que visam ao bem do outro, não esquece de si mesma. Procura descobrir o mundo enquanto partilha seu tempo com as pessoas que ama.

É mãe, filha, professora, estudante, advogada. Contudo, qualquer conceito ainda é limitado para definir quem de fato ela é. “Definições criam fronteiras que não existem na minha alma, porque, antes de ser qualquer coisa, sou aprendiz e aberta para a vida”, esboça.

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