O retorno de Suzana

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EntreFios - tecendo narrativas
5 min readAug 27, 2021

Aos 37 anos, Suz está pronta para realizar uma volta completa em torno de si mesma

Por Jaírlos Marques

Arquivo pessoal

Suzana Figueira Silva nasceu em Arapiraca, Alagoas, em 1984. Foi batizada com este nome por causa da personagem bíblica Suzana, filha de Helcias, de grande beleza e piedosa, que havia sido educada segundo a Lei de Moisés por pais honestos, do livro de Daniel, capítulo 13, versículo 2. Turrana, como foi apelidada pelo irmão caçula, considera ter tido uma infância feliz.

Desde que se entende por gente, lembra de já frequentar a missa e o cursinho da igreja para crianças, que sua mãe a levava para que pudesse “aprender onde está Deus”. Aos 8 anos, o padre da igreja que frequentava lhe concedeu uma licença especial que a permitiu fazer a primeira comunhão dois anos mais jovem do que a idade permitida. O mesmo padre, ela conta, seria preso anos depois por abuso sexual praticado contra meninos menores de idade.

Aprendeu a ler muito cedo, e outra licença especial a permitiu cursar o 1° ano do ensino fundamental aos 6 anos de idade. Aos 10, já cursando a quinta série, juntamente com alunos bem mais velhos que ela, Turrana lembra de algo que a marcou para sempre. Um belo dia, um ônibus da Secretaria da Educação parou em frente a sua escola e os alunos da sua turma foram convidados a entrar para assistir a uma aula de educação sexual. A professora ensinou sobre o ciclo menstrual, como colocar uma camisinha, como se prevenir contra DSTs e AIDS, e o que lhe pareceu ser o mais perigoso: gravidez na adolescência. Hoje, aos 37 anos, ela revela ainda ter medo de engravidar na adolescência.

Ao chegar em casa e contar sobre a aula, sua mãe ficou revoltada e a matriculou em uma escola de freiras só para meninas, da qual seria expulsa dois anos depois por mau comportamento. Aos poucos, parou de frequentar a igreja e se recusou a participar do sacramento da Crisma. Contudo, comparecia às reuniões do grupo de jovens só para agradar sua mãe, com quem a relação já estava desgastada.

Turrana começou a namorar escondida com um garoto que ela conheceu no cinema. Em um sábado à tarde, saiu de casa para mais uma reunião do grupo de jovens, mas desistiu para encontrar com seu namorado, que a esperava na porta da igreja. Uma das freiras a viu subir na garupa da bicicleta do rapaz e contou para sua mãe. Quando questionada sobre a identidade do homem barbudo que a buscou na porta da igreja, respondeu que havia sido Jesus.

A resposta a fez apanhar da mãe pela primeira (e única) vez, aos 16 anos de idade. Foi a gota d’água para que fugisse para o Rio de Janeiro, onde passou a ser chamada de Suzy. Seu sonho era ser atriz da Globo e atuar em Malhação. Pretendia voltar apenas quando fosse rica e famosa, tal qual Tieta. Suzy não passou no teste para a novela, mas conseguiu um emprego em uma cafeteria ao lado do antigo Projac. Entre um cliente e outro, servia café para pessoas como Eva Wilma, Vera Fischer e Selton Mello.

Gostava do emprego, mas passou no vestibular para Filosofia, em Brasília. Mudou-se, então, para a capital do país, onde começou a ser chamada por todos de Susu. Trabalhava de dia como atendente em uma locadora de filmes e estudava à noite. Foi na universidade que conheceu o grande amor da sua vida. Ele era seu colega de turma, por quem ela nutriu um amor platônico que durou por quatro semestres até ela tomar coragem de se declarar. Planejou tudo, dia e horário. Iriam ao cinema assistir A Máquina (2006), um filme de romance em que a protagonista sonha em ser atriz. Depois sairiam para jantar e então o pediria em namoro. Ela o esperou na porta do cinema por três horas. Quando a projeção do filme acabou e viu todos indo embora, decidiu ir para casa. Descobriria apenas no dia seguinte que seu grande amor havia morrido atropelado quando ia ao seu encontro. Susu jamais teve coragem de assistir A Máquina. Triste, abandonou o curso e foi morar em Recife.

Na capital pernambucana, passou a atender por Su e começou a cursar Educação Física. Na tentativa de conseguir um emprego para se manter na cidade, candidatou-se a uma vaga de atendente na loja de uma operadora de celular. Estranhou quando a entrevista foi marcada para ser realizada depois do expediente, mas foi assim mesmo. Precisava do emprego. Encontrou com o gerente na porta da loja, que já se encontrava fechada e depois ele a levaria a um prédio onde ela iria preencher sua ficha e pagar R$130 por seu uniforme. Quando descobriu que deveria desembolsar esse valor, recusou a vaga. O moço, até então simpático e sociável, ficou agressivo e a segurou forte pelo punho. Era noite e não havia movimento na rua. Assustada, disse que todo o dinheiro que tinha era R$ 90 e que pagaria o restante no dia seguinte. O homem aceitou a quantia e marcaram um novo encontro na loja. Desta vez, para sua surpresa, Su descobriria que o tal gerente não trabalhava ali, e que ela havia sido roubada. Tampouco conseguiu o emprego, que só viria três meses depois como caixa de um cinema pornô. Estudava de dia e trabalhava à noite.

Dois anos depois, porém, encontraria o golpista novamente. Desta vez, em uma reportagem de um programa policial. Ele havia sido preso por aplicar o mesmo golpe em mais de cem pessoas, incluindo homens e mulheres, além de ser acusado de mais de 20 estupros. Su descobriria naquele momento que praticamente pagou para não ser estuprada. Desde então, diz que passou a desconfiar mais das pessoas. Tornou-se cética, menos sociável e mais fechada.

Já formada em Educação Física, atendeu a um pedido do irmão e se mudou para Fortaleza, onde descobriu, segundo ela, a melhor cidade do mundo para morar. Adotou de vez o nome artístico de Suz Figs e iniciou o curso de Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Ceará. Estudava de dia e trabalhava como personal trainer à noite.

Arquivo pessoal

Atualmente cursa Letras, também na UFC, e mora sozinha com nove gatas. Não pretende mudar de cidade novamente, mas faz planos de voltar a Brasília apenas para presenciar a posse do presidente Lula. Suz não se tornou atriz global, mas já trabalhou em mais de vinte filmes cearenses como produtora, diretora, roteirista, diretora de arte, assistente de direção, técnica de som, fotógrafa e atriz. Tem aguardado com ansiedade sua segunda dose de AstraZeneca e revela já ter comprado a passagem da sua próxima viagem. Vai retornar à Arapiraca, não para se vingar, tal qual a personagem de Jorge Amado, mas para reencontrar sua mãe depois de vinte e um anos, para quem ela sempre foi simplesmente Suzana.

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