Os sentimentos de quem vê doer

Liandraqueiroz
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readDec 4, 2023

Francisco José de Meneses relembra a difícil escolha que sua esposa precisou fazer quando se descobriu com câncer de estômago durante a gestação do segundo filho do casal

Por Liandra Queiroz

Francisco trabalhou durante anos em rádio e pôde cobrir eventos religiosos e esportivos / Acervo pessoal

Sentado à mesa logo após o jantar, Francisco José de Meneses relembra sua trajetória. O garoto que morava em uma simples casa na cidade de Mangabeira, no Ceará, e sonhava em ter um carro para chamar de seu, mudou-se para a área urbana de Pacajus e conquistou seu primeiro emprego no Banco do Brasil, conseguindo juntar dinheiro e conquistar o sonhado automóvel.

Mesmo que hoje trabalhe em sua própria confecção, Francisco passou por diferentes áreas até chegar aonde está hoje. Uma das suas experiências é como radialista. O estúdio frio guarda diversas máquinas nas quais ele aprendeu a controlar o som. Passava o dia lendo as notícias para saber o que levar para o programa durante a noite.

O tempo passou. Por meio do seu trabalho na rádio, ele encontrou uma mulher para amar e estar ao seu lado no altar. Eudenice Nogueira, ou Nena, como era chamada. Desse sentimento surgiram dois garotos, Fabrício e Fábio, mas o destino foi cruel e não permitiu que a mãe visse em vida seus filhos crescerem. Enquanto estava grávida pela segunda vez, um câncer de estômago foi descoberto, e a escolha entre o tratamento e o desenvolvimento do filho desejado teve que ser tomada pelo casal.

Durante sete longos meses, Francisco teve que ver sua mulher lutar contra uma cruel doença sem nenhum remédio, pois a vida do seu filho seria colocada em risco. No dia de um nascimento prematuro, sentiu pela segunda vez o sentimento de ser pai. Um bebê tão pequeno, que quase cabia na palma da mão. Durante dias, viu, angustiado, um ser com tão pouco tempo de vida lutar pela sobrevivência.

Com a perna tremendo, as mãos cruzadas em cima da mesa e os olhos arregalados. Os sentimentos de Francisco, ao ver os últimos meses de vida da mulher guerreira que chama de esposa, eram expressados. Enquanto a felicidade de ver o milagre que era a vida do seu filho existia dentro de si, a angústia de saber que talvez ele não visse sua mãe também estava lá.

A agonia de ouvir os gritos dela de dor quando chegava do trabalho enquanto cozinhava para seu filho mais velho jantar. A dúvida se estava fazendo o certo ao pedir que fortes remédios fosse dado a ela para que tivesse um pouco de paz.

A raiva de ouvir parentes que nem sequer sabiam o que estava acontecendo ou presenciaram aquelas cenas de desespero de alguém que lutava pela vida, acusando-o de tentar matar alguém que tanto queria curar e proteger. E, ao perceber que jamais conseguiria tomar para si a dor que era expressa aos gritos, a tristeza se tornou ainda mais presente.

Três meses após o nascimento de Fábio, foi quando tudo acabou, e viu Nena partindo para o encontro com Deus, como diz a religião que segue. Francisco sentiu a dor de perder alguém amado. Também sentiu o alívio de saber que agora ela estaria em paz, e toda a luta havia chegado ao fim, seu propósito na terra havia sido cumprido.

Explicou ao seu filho mais velho que aquela havia lhe dado a vida não estava mais ali. No velório, viu Fabricio dar a volta ao caixão e correr para os seus braços. Mesmo sem saber, ele estava consolando e dando forças a seu pai.

O tempo passou. Com ajuda de seus pais e sua família, criou seus filhos da melhor forma possível. Mas o universo foi gentil o suficiente com ele, para trazer para sua vida uma companheira para os anos seguintes. Lilian, a 21 anos, casou-se com Francisco e tiveram uma filha chamada Liandra. Juntos foram a família um do outro.

Viu seus filhos crescerem com alguém que, mesmo não tendo seu sangue, o tratou como filhos, trazendo-lhe uma enorme alegria. A paz se fez presente dentro de si ao ver que mesmo os parentes de Nena não tenham procurado seus filhos, eles mesmo assim encontraram pessoas que se tornaram seus tios e primos, sem se importar com a genética.

--

--