Para onde vamos quando dormimos?

[CRÔNICA]

Por Vitoria Hellen

A pandemia de Covid-19, que aterrorizou e ainda aterroriza a população mundial, também me afetou. Eu, uma jovem mulher da capital do Ceará, que sente até demais e acaba por expressar esses sentimentos por escrito.

Eu tinha uma vida antes disso e ela estava perfeita. Faculdade, amizades, namoro e expectativas pro futuro estavam em ordem e pela primeira vez em anos havia felicidade. Claro que esse cenário não se alongou por muito tempo, afinal, nunca tive sorte, e o vírus, então, trancou todas as pessoas dentro de casa.

O começo foi um delírio da minha mente, já que o cárcere em casa me acorrentou aos móveis. Virei uma cama e não era mais humana. O último resquício de que um dia tive vida era o medo, sentimento inerente à qualidade de ser humano. Se o medo não me fosse mortal, eu até agradeceria pela migalha de vida.

Diante desse caos, fui obrigada a olhar para dentro de mim. E, quando você olha pro abismo, ele também te olha de volta. Entrei em agonia profunda e só queria dormir para evitar de passar o dia a chorar. Afinal, para onde vamos quando dormimos? Com certeza, para longe de todos os nossos traumas, e isso era um alívio.

Esse é um relato generalista, vistas as várias fases que passei frente à sensação de luto ao ver morrer a minha antiga vida. Atualmente, encaro o abismo e vejo que ele é uma parte minha também, apesar dos olhos famintos dos traumas a me devorarem. Reconheço e abraço o caos que há em mim.

A vida está florescendo aos poucos, já existe esperança para o próximo ano. Ganhei outra vida, outra oportunidade de viver em meios diferentes e me agarro a isso. A arte em si é poder ver o desabrochar da sociedade após um apocalipse, como uma flor que finalmente abre as suas pétalas após um longo inverno.

Apesar disso, até hoje durmo demais. Talvez essa seja uma forma de minha mente escapar da agonia de ser eu. Quem sabe em um sono diferente a paz dure mais do que oito horas.