Permissão machista para usar DIU

Catarina Varela
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readAug 11, 2021

[COMENTÁRIO] Cooperativas de saúde estavam exigindo permissão de maridos para inserção do dispositivo intrauterino (DIU) em mulheres casadas, o que nos lembra do machismo enraizado na sociedade até hoje

Por Catarina Varela

DIU é um pequeno objeto de plástico em formato de T inserido no útero para atuar como contraceptivo / Reprodução/Estadão

No último dia 3, o jornal Folha de S.Paulo lançou uma reportagem sobre cooperativas de seguros de saúde que estavam exigindo a permissão de maridos para realizar a inserção do dispositivo intrauterino (DIU) em mulheres casadas, fazendo-nos lembrar que ainda é necessário encarar o machismo enraizado na sociedade ainda hoje.

Achávamos, no início do século, que em 2020 teríamos carros voadores, skates flutuantes e cadarços que se amarram sozinhos, mas, em vez disso, ganhamos uma pandemia global e, apesar de todos os avanços na área da saúde — depois de muita luta —, vemos atualmente um claro retrocesso em vários campos da sociedade.

A situação anda tão ruim que podemos ter pensado em vários temas em que está havendo retrocesso, mas o foco dessa vez é a situação absurda revelada pela Folha de S.Paulo no último dia 3. A reportagem fala de cooperativas da Unimed em Minas Gerais e no interior de São Paulo que estavam exigindo a autorização dos maridos para realizar a inserção do DIU em mulheres casadas, usando como justificativa a lei sobre planejamento familiar. Fica pior ainda quando sabemos que essas cooperativas envolvidas atendem mais de 50 municípios nos dois estados.

A medida tomada pelas cooperativas impõe à mulher a ideia de que ela é incapaz de tomar decisões por conta própria, quando, na verdade, o DIU é um método contraceptivo e também é reversível. Imagina se, para comprar o anticoncepcional na farmácia, a esposa precisasse pedir permissão para o seu marido.

Nós viemos de um histórico de que, até 60 anos atrás, as mulheres só poderiam trabalhar com a permissão do cônjuge. Essas e outras medidas só foram mudar depois da Constituição de 1988. Antes disso, mulheres eram colocadas no mesmo nível de menores de idade e pessoas com deficiência intelectual, e chega a ser sem sentido concordar com uma medida dessas atualmente. Não faz nem 30 anos que o Brasil ratificou tratado sobre a eliminação de todas as formas de descriminação contra mulheres, mas a luta para conquistar direitos plenos ainda está em andamento.

Recapitulando, em pleno século 21, enquanto estamos todos os dias lutando para garantir um pouco mais de direitos, ainda temos que ouvir sobre posições retrógradas fruto do machismo enraizado na sociedade, mas a culpa deve ser nossa de achar que as mulheres deveriam ter a liberdade de tomar as próprias decisões.

Claro, nem tudo está perdido, conseguimos ver no horizonte que essa situação não vai ficar assim para sempre.

O caso foi imediatamente contestado por especialistas e advogados a favor do direito da mulher, porque, como diria o próprio executivo do Procon de São Paulo, Fernando Capes, “isso é uma prática abusiva, ilegal, descabida e afrontosa à condição e dignidade da mulher”. E eu não poderia ter dito melhor.

O caso é que as cooperativas já voltaram atrás depois do exposed e logo um projeto de lei poderá ser aprovado para impedir que um disparate desse aconteça novamente. Mas a pergunta é: até quando teremos que conviver com o avanço do retrocesso?

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