Pra surdo ouvir

Arthie Almeida
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readJul 29, 2021

[ARTIGO] Com cerca de 10 milhões de surdos, o Brasil necessita de medidas de inclusão social de deficientes auditivos, principalmente crianças, por meio da língua de sinais, que é de suma importância

Por Stella Almeida

Aparelho auditivo retroauricular que auxilia deficientes auditivos a ouvir / Canva

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em 2020, mais de 10 milhões de brasileiros são surdos e, entre essas pessoas, 2,7 milhões não ouvem nada. No mundo inteiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em 2050, 2,5 bilhões de pessoas terão algum tipo de grau de surdez.

São esses números gritantes, alarmantes, que exigem medidas de prevenção urgente para todas as idades, mas, além disso, a inclusão social de deficientes auditivos, principalmente crianças, por meio da língua de sinais, que é de suma importância.

Em seu último single lançado, o grupo musical sul-coreano BTS, mundialmente famoso, chamou atenção para além de sua musicalidade e conceito alegre ao apresentar uma coreografia que inclui gestos que fazem parte da Língua Internacional de Sinais.

O grupo já é conhecido por sempre se mostrarem por dentro de pautas sociais importantes, tanto dentro de seu país quanto no mundo, não poupando esforços de colocar suas críticas à sociedade dentro das músicas juntamente com mensagens de amor próprio e esperança em tempos sombrios como os de agora.

Logo, não foi de grande surpresa para os fãs os sete cantores mostrarem essa inclusão em seu videoclipe, em que convidam todos para dançar alegremente — inclusive, é o que mostram em sinais — , porém não deixou de ser uma atitude bem recebida até mesmo por pessoas que não os acompanham.

BTS fazendo o sinal que significa “dança” em conjunto com a coreografia / Reprodução/YouTube

A posição clara de envolvimento do BTS com essa pauta trouxe à tona o debate de inclusão de pessoas surdas por meio da língua de sinais entre os fãs e muitos que não imaginavam que surdos pudessem gostar de artistas que fazem música.

Contudo, mesmo que o Brasil tenha a Libras (língua brasileira de sinais), a utilização dela é quase escassa pela falta de reconhecimento — e até esquecimento — dessa língua como essencial na sociedade atual, que, mesmo com avanços, continua sendo capacitista.

Dentro da área da linguística, o principal objeto de estudo é a língua. No entanto, antes de Ferdinand de Saussure, considerado o pai da linguística, afirmar isso, Émile Benveniste resolveu estudar a comunicação das abelhas e chegou à conclusão de que elas de fato se comunicam, mas não possuem uma linguagem própria por apenas repassar suas mensagens por meio de “danças”, sem o uso do vocal para transmiti-las, uma vez que a linguagem é um conjunto da língua mais a fala.

Entre linguistas modernos, essa afirmação não é desconsiderada por se tratar igualmente de um estudo linguístico que contribuiu para o avanço desse âmbito do conhecimento, mas é impossível não considerá-la um tanto problemática por excluir deficientes auditivos e pessoas com afasias de fala que muitas vezes se utilizam exclusivamente dos sinais e gestos corporais para se comunicar.

Nem todas as pessoas surdas são incapazes de falar, mas todas elas têm em comum o fato de não conseguir manter uma conversa regular com a maioria das pessoas, de ter que normalmente assistir a um filme com legendas ou de não poder desfrutar da música mais tocada do momento.

Os níveis de surdez variam, mas as dificuldades não se anulam. Não são todos que conseguem arcar com os custos de um aparelho auditivo ou que têm a sorte de conseguir um pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — imagine não ter um sistema de saúde público como este — , então o mínimo a ser feito seria facilitar a existências dessas pessoas em sociedade com o uso de uma forma de comunicação mais inclusiva, como a língua de sinais. Mas o que esperar de um país que possui a própria língua de sinais como segunda língua oficial e prioriza o ensino de inglês, e às vezes espanhol, nas escolas?

A atitude que BTS demonstrou com Permission to Dance, apesar de alguns considerarem mínima, já foi de grande importância para aqueles que diariamente são invisibilizados na sociedade por seus próprios governantes e pessoas ao seu redor. Que BTS continue utilizando de sua popularidade para o bem e para falar mais alto por esses que buscam apoio, pois a música e a dança são artes que deviam sempre ser acessíveis a todos, inclusive pra surdo ouvir.

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