Quando ir embora é necessário

Ludmyla Barros
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readFeb 11, 2022

O professor José Lucas Souza Ramos relembra momentos de sua vida, como pesquisador e LGBTQIA+, que o levaram a sair de sua cidade natal no interior do Ceará em busca de um lugar no qual poderia ser ele mesmo

Por Ludmyla Barros

Lucas e sua filha Shakira na cidade de Vitória (ES) / Arquivo pessoal/Instagram

Era o último sábado de janeiro, um dos poucos momentos tranquilos que tinha no meio de uma rotina recheada. Apesar disso, José Lucas Souza Ramos estava um pouco abatido: havia passado o dia com saudade das conversas com as tias, da tapioca quentinha e do quintal da avó.

Tudo isso, porém, estava em Acopiara, cidade cearense a 1.800 km de Vitória (ES), onde mora. O professor se pegou, então, surpreso com esse desejo de voltar para sua cidade natal, já que aquele era um lugar do qual havia feito de tudo para sair.

Lucas lembra com carinho dos momentos bons de sua infância em Acopiara: os domingos vendo filmes, comendo bem na casa de familiares, rindo bastante. Do resto, porém, ele não sente falta. Cidades pequenas sabem ser hostis com crianças LGBTQIA+.

Por conta disso, cresceu querendo destacar para as pessoas um lado seu para que não vissem o outro. Isso se deu a partir da infância, uma época em que, segundo ele, não se consegue controlar os trejeitos. Até chegar a uma adolescência na qual isso era tudo o que fazia. Passou a odiar estar em família e se apegou mais a amigos e à realidade deles, ficando cada vez mais distante de sua própria vida.

Foi então que decidiu que precisava sair daquela situação e daquela cidade de qualquer jeito. Era a única forma de ser ele mesmo. E foi o que fez. Em 2012, partiu para Juazeiro do Norte, visando ao ensino superior.

Resolveu cursar Enfermagem, apesar dos vários fatores desestimulantes que existiam: os professores, o próprio mercado de trabalho e, principalmente, seu pai.

“Meu pai nunca quis que eu fizesse Enfermagem. Para ele, era uma ‘profissão de gay’”.

No ambiente universitário, ele resolveu que ia mostrar para todos que era capaz de ser um enfermeiro muito bom. E seu esforço chamou atenção. Já no primeiro período, conheceu uma professora que o apresentou à pesquisa acadêmica, universo no qual se destacou muito. Foi essa professora que o convidou para morar em Vitória.

A princípio, morava em uma república de estudantes, em uma situação complicada. Com o passar do tempo, tudo foi se acertando. Uma oferta de emprego ia surgindo, logo em seguida outra, até que se viu professor de pesquisa em uma universidade privada.

Sua atuação na pesquisa foi sendo cada vez mais reconhecida e, em 2022, ele elaborou um projeto de trabalho com adolescentes de uma favela de Vitória, com o objetivo de oferecer formação sobre preconceitos estruturais como homofobia, transfobia e racismo. Sua proposta foi aprovada em primeiro lugar.

“Com esse desgoverno, veio uma necessidade de mudar dentro da minha área. E essa pesquisa foi a resposta. Posso usar meu trabalho para ajudar as pessoas e diminuir o negacionismo e preconceito”.

Ao longo de todos esses anos, Lucas foi se reaproximando da família e fazendo visitas recorrentes à cidade natal. Porém, conforme conquistava mais coisas, ele percebia que ia ganhando o respeito de pessoas que não o tratavam tão bem antes. Isso o causou muita angústia.

“Eu pensava: ‘Quem que é de verdade? Quem vai estar comigo se eu ficar sem nada?’”, conta. Hoje, ele sente que superou essas questões e sabe identificar as pessoas que o querem bem, acima de tudo.

Com o passar do tempo, ele começou a abrir os sentimentos com os parentes e a discutir com propriedade assuntos que antes lhe causavam aflição. Voltou a frequentar a casa da avó e a criar memórias felizes em cima de cenários já estabelecidos como traumáticos.

Depois de tanto trabalho, tantas lembranças, tantas dúvidas, hoje, neste sábado livre, o sentimento predominante de Lucas em relação a Acopiara é simplesmente de saudade daqueles que, mesmo após tempos sem vê-lo, estarão sempre ali quando resolver voltar, esperando-o de braços abertos e aceitando-o do jeitinho que é.

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