Senador Eduardo Girão distorce fatos em entrevista ao canal Leda Nagle

Jonh Hebert
EntreFios - tecendo narrativas
10 min readMay 26, 2023

O EntreFios checou declarações proferidas pelo político cearense filiado ao partido Novo durante sabatina realizada em 5 de maio, no YouTube

Por Francisco Apoliano, Guilherme Azevedo,
Jonh Hebert e Pedro Paiva

Senador Eduardo Girão em entrevista ao Canal Leda Nadle / Reprodução/YouTube

N a semana em que estava prevista a votação do PL 2630, a chamada Lei das Fake News, a jornalista Leda Nagle entrevistou em seu Canal no YouTube o senador cearense Eduardo Girão, do partido Novo.

Além de abordar o PL 2630, o senador respondeu questionamentos e se posicionou sobre temas como o atentado de 8 de janeiro, as medidas adotadas pelo Governo Federal, a suposta censura por parte do Poder Judiciário, a composição das casas parlamentares e os projetos que tramitam no Legislativo.

As etiquetas e o método utilizados pelo EntreFios para esta checagem são iguais aos da Lupa, agência brasileira destinada a checar informações públicas.

EXAGERADO

“A Abin [Agência Brasileira de Inteligência] informou, dois dias antes [do atentado de 8 de janeiro], as intenções dos vândalos de depredar, quebrar, inclusive com uso de armas, a sede dos três poderes. E o que o governo Lula fez? (…) Ele não apenas não fez nada, como ele fez foi tirar a guarda presidencial, 20 horas antes do ataque. A força de segurança nacional também foi desmobilizada. Então… Tá muito estranho isso”.

De fato, houve o envio de dados da Abin ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) antes dos ataques. Contudo, o GSI não retirou a guarda: segundo relato jornalístico veiculado no site da Folha de S.Paulo, que teve acesso a documentos sigilosos, o órgão não convocou reforços em resposta à ameaça dos atos golpistas.

Contudo, há ponderações necessárias para a contextualização da fala do senador. Primeiramente, conforme a apuração da Folha de S.Paulo, a Abin notificou uma possível conivência da Polícia Militar e das Forças Armadas com os atos golpistas, o que ficou nítido com o desdobramento do atentado.

A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) escoltou os vândalos do Quartel General Forte Caxias até a Esplanada dos Ministérios. Além disso, segundo relato jornalístico veiculado no site do G1 do Distrito Federal, Flávio Silvestre de Alencar, major da Polícia Militar, foi exposto em vídeo ordenando os demais policiais militares a deixarem o local, permitindo o avanço dos criminosos, o que também demonstra conivência de órgãos totalmente alheios ao governo Lula na atividade antidemocrática em questão.

Além disso, segundo apuração da Folha de S.Paulo, parte dos criminosos do 8 de janeiro, após os ataques, voltaram para o “QG” do Exército e, ainda, contaram com a proteção de militares, munidos de escudos e automóveis blindados, a fim de impedir a entrada da PM-DF no acampamento bolsonarista, sediado à frente das dependências do Exército.

É verdade que o GSI é ligado à Presidência da República, respondendo, portanto, ao governo Lula. Contudo, o GSI opera de forma autônoma em questões técnicas. Segundo as seções “I” e “VII” da MP 1154, assinada em 1º de janeiro de 2023 pelo presidente Lula, apesar de ser um órgão da Presidência, o GSI é coordenado pelo ministro de Estado responsável.

Com isso, cabe ao presidente da República somente indicar ou exonerar o ministro encarregado de coordenar esse órgão. Também, intuitivamente, o presidente da República não tem o poder de dispensar a guarda do Palácio do Planalto, por exemplo, e sim dispensar sua guarda pessoal, somente.

Portanto, isso impossibilita a categorização da aspa de Eduardo Girão como completamente verdadeira, tendo em vista que, além da falha na escolha lexical de “retirar”, o senador não ofereceu a devida contextualização, que indica a cooperação entre os golpistas, a Polícia Militar e as Forças Armadas, que são órgãos que fogem completamente de qualquer controle da Presidência da República.

A afirmação, portanto, é exagerada.

FALSO

“[O Governo Lula] revoga a portaria do Ministério da Saúde, que não vai ter mais a necessidade policial de ir atrás do estuprador, ou seja, cadê os direitos humanos da mulher, para não ser mais violentada?”

A portaria a que o senador se refere é a de nº 2.561, assinada em 2020 pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ela estipulava que o médico deveria notificar a polícia ao realizar abortos em mulheres vítimas de violência sexual. Além disso, ele ficava encarregado de colher a descrição da violência sofrida e identificar testemunhas. O médico ainda deveria preservar fragmentos de embrião ou feto da vítima, para posteriormente entregá-los à autoridade policial.

Diversos setores da sociedade civil criticaram a medida.

Menos de um mês após a sua assinatura, em debate promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB/SE), a delegada da Polícia Civil Ana Carolina Machado Jorge classificou a portaria como uma “aberração jurídica, um instrumento que é totalmente divergente dos princípios basilares da Constituição Federal”. No mesmo debate, a advogada e professora Corina Rosa afirmou que a medida burocratiza uma ação que já está prevista na lei, obrigando a mulher a detalhar a violência que sofreu. “É como se ela tivesse obrigação de provar e circunstanciar a história de como ela foi estuprada”, diz ela.

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) se posicionou, em nota publicada em seu site oficial, frontalmente contra a portaria e solicitou sua imediata revogação. De acordo com a instituição, a determinação de encaminhar a denúncia às autoridades configura flagrante violação do direito ao sigilo, privacidade e autonomia da vítima, além de violar o sigilo profissional estipulado no Código de Ética Médica. A Febrasgo ainda ressalta, com base em evidências científicas, que a medida pode resultar no afastamento da mulher dos espaços de assistência, além de pouco influenciar na prisão e condenação do autor do crime.

Em setembro de 2020, 13 deputadas da bancada feminina na Câmara apresentaram um projeto de decreto legislativo (PDL) para sustar a portaria nº 2.561/2020, que já havia sido modificada pelo Ministério para retirar a palavra “obrigatória” do trecho que estipulava a notificação, por parte do médico, à autoridade policial.

Para a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), a norma, mesmo depois da alteração, continuava a sugerir que os profissionais da saúde cumprissem com o papel de polícia. Segundo ela, a nova portaria não passava de uma manobra do governo, uma vez que a anterior já estava na pauta para apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao assumir o Ministério da Saúde, no início do ano, a ministra Nísia Trindade prometeu revogar todas as medidas “sem base científica, sem amparo legal, que contrariam princípios do SUS”.

Sendo assim, a revogação da portaria não impede a investigação policial de qualquer denúncia de estupro que seja levada às autoridades, apenas extingue determinações anteriores que, para especialistas e movimentos da sociedade civil, estavam em desacordo com os princípios do SUS, além de ferirem gravemente os direitos fundamentais das mulheres previstos na Constituição Federal.

A informação, portanto, é falsa.

FALSO

“(…) Documentários que foram censurados, nunca a gente tinha visto no Brasil recente, o que aconteceu… O Brasil Paralelo foi censurado… um documentário”.

O fato em questão citado pelo senador se refere à decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 20/10/2022, uma semana antes do segundo turno das eleições, pela suspensão da monetização do canal Brasil Paralelo e da exibição do documentário “Quem mandou matar Jair Bolsonaro?”.

O relator, ministro Benedito Gonçalves, argumentou que o adiamento da exibição do documentário (prevista inicialmente para o dia 24 de outubro de 2022) em uma semana não configurava censura, mas visava evitar a ampla divulgação de um tema explorado repetidamente pelo candidato em sua campanha e, além disso, de que as pessoas jurídicas (no caso, o Brasil Paralelo) “têm se valido por reiteradas vezes de notícias falsas prejudiciais ao candidato adversário, com significativa repercussão e efeitos persistentes mesmo após a remoção de URLs”.

A conclusão de que não há censura na ordem de adiamento da exibição do documentário foi acompanhada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. A ministra, inclusive, reiterou que considera a decisão “excepcionalíssima” e que “não se pode permitir a volta de censura sob qualquer argumento no Brasil. Esse é um caso específico. Estamos na iminência de ter o segundo turno das eleições. A proposta é a inibição até o dia 31 de outubro, dia subsequente ao segundo turno, para que não haja o comprometimento da lisura, higidez e segurança do processo eleitoral e dos direitos dos eleitores”, ressaltou.

O ponto problemático do caso é que os ministros não teriam tido acesso prévio ao conteúdo do documentário para análise, o que, segundo o ministro Raul Araújo, “sem saber o teor do documentário, a Justiça Eleitoral não pode presumi-lo para antecipar uma sanção à liberdade de pensamento”.

Para complementar esse debate, procuramos a especialista Helena Martins, doutora em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB, 2018) e professora de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC). “De fato, não é usual haver proibição de exibição prévia de conteúdos. Para evitar censura, o que ocorre é a responsabilização em caso de, após a veiculação, se verificar a existência de problemas ou mesmo crimes”, analisa.

E complementa: “A decisão de adiamento, em linha com esse entendimento, não vetou a circulação. O que o STF fez foi, em caráter excepcional, tendo em vista o impacto potencial do conteúdo, adiar seu lançamento, afinal a estreia de documentário se daria seis dias antes do segundo turno das Eleições 2022.

Como divulgou o STE, a decisão “evita que tema reiteradamente explorado pelo candidato em sua campanha receba exponencial alcance, sob a roupagem de documentário que foi objeto de estratégia publicitária custeada com substanciais recursos de pessoa jurídica”.

A informação é, portanto, falsa.

FALSO

“Eles vão voltar, como eles voltaram com outro projeto que me preocupa muito, que é o jogo de azar, a jogatina, a volta dos cassinos, de bingos ao Brasil. […] E eles fizeram isso na Câmara. Olha só: no ano passado, eles aproveitaram a véspera de Carnaval, quando os deputados não estavam mais aqui [em Brasília], estavam viajando, e, meia-noite, olhe só, […] eles colocam para votar um projeto superpolêmico como esse e aprovaram ali, na calada da noite, literalmente”.

O PL 442/1991, que regulamenta bingos, cassinos, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalos, foi aprovado na Câmara dos Deputados na madrugada de quinta-feira (24), em fevereiro de 2022.

É importante lembrar que, no ano passado, as festividades do Carnaval foram suspensas nas maiores cidades do país em decorrência do surto da variante ômicron da covid-19. Nos lugares onde o feriado foi mantido, a terça-feira de Carnaval ocorreu no dia 1º de março, cinco dias depois da votação, o que desmente a declaração de que a votação teria sido realizada na véspera do Carnaval.

O placar da votação — 246 votos a favor, 202 contrários e 3 abstenções (87,91% de presença) — contraria a declaração do senador de que os deputados não estariam mais em Brasília à altura da apreciação do projeto de lei.

INSUSTENTÁVEL

Esse projeto iniciou [sua tramitação] aqui [no Senado], infelizmente. E foi durante a pandemia, em 2020, no momento em que a votação ocorria de forma remota, e sem debate […]. [Durante a votação] no Senado, tiveram algumas emendas, destaques, mas aquela coisa sem debate.

É verdadeira a afirmação de que o PL 2630 foi tramitado e votado utilizando o sistema de deliberação remota, regime especial adotado pelo Congresso por conta da pandemia de covid-19. Apesar disso, não se pode afirmar que o PL 2630 foi votado sem debate. O projeto foi discutido e debatido remotamente por senadores antes e durante sua votação.

A primeira passagem do PL 2630 no Senado foi simbolizada por divergências entre os senadores sobre diferentes pontos do projeto — que teve quatro relatórios antes de ser votado no Senado. Durante a votação no plenário virtual, também foram debatidas e acatadas mudanças no texto.

Após aprovação no Senado, o projeto foi encaminhado à Câmara, onde está em discussão há quase três anos. Neste período, de forma remota e presencial, essa casa legislativa conduziu 27 reuniões técnicas, um ciclo de debates com 11 painéis e 15 audiências públicas. Esses eventos reuniram 150 especialistas, representantes de empresas, universidades, instituições e ativistas de direitos humanos, abrangendo diversos setores relacionados ao assunto. Além disso, foram realizadas audiências e sessões das comissões.

A Câmara dos Deputados também apensou 90 projetos ao PL 2630, com temáticas semelhantes que estavam em tramitação nas comissões, o que evidencia o diálogo e as negociações acerca do projeto.

FALSO

“Aqui, no Senado, a maioria é governista, tá? Lá na Câmara é mais equilibrado. Aqui, no Senado, quem manda são os governistas…”

Ao analisar a atual composição do Congresso Nacional e considerar dois parâmetros específicos para avaliar a base governista, podemos chegar a uma conclusão. O primeiro parâmetro é a proporção de parlamentares que pertencem aos partidos que compõem a coalizão governista, pois quanto maior for o número de parlamentares desses partidos, maior será a efetividade do governo. Já o segundo fator é a capacidade do governo de obter maioria nas votações de seus projetos, o que confere a ele um alto poder para avançar com suas propostas de governo.

Na análise específica da formação do Senado Federal, o cenário não corresponde a um alinhamento majoritariamente favorável ao poder executivo atual. Segundo análise dos gráficos abaixo, temos pouco mais de 11% de todo o Senado correspondente aos partidos alinhados ao Governo Federal, e apenas 18,6% da Câmara de Deputados, se consideramos as Federações Partidárias (Federação Psol, Rede e Federação Brasil da Esperança — Fé Brasil) como critério de igualdade (mínima) de propostas com o Governo Federal. Em contraponto, temos os partidos União Brasil, PP, PSD, PSC e PL com mais de 40% das cadeiras da Câmara de Deputados, configurando uma base de oposição consistente.

Tabela representativa dos partidos/blocos da Câmara de Deputado atual / Fonte: https://www.camara.leg.br/deputados/bancada-atual / Tabela: Francisco Apoliano
Composição da Câmara dos Deputados em 2023 / Dados: Câmara de Deputados / Gráfico: Francisco Apoliano
Composição do Senado Federal em 2023 /Dados: Senado Federal / Gráfico: Francisco Apoliano

Portanto, analisando a conjuntura das duas casas legislativas, podemos concluir que o cenário não corresponde ao que é colocado em questão pelo senador, tornando essa afirmação falsa.

Conforme demonstrado pelos gráficos e pela conjuntura política até o presente momento, o cenário legislativo de 2023 é majoritariamente conservador, composto por partidos que tendem a votar de acordo com a ocasião e/ou necessidade de seus próprios partidos.

Esses partidos, popularmente conhecidos como “centrão”, não podem ser categorizados essencialmente como oposição, muito menos como governistas.

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Jonh Hebert
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