Sobre fé e coragem

Amanda Oliveira
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readMay 20, 2021

Em meio às dificuldades que a vida traz, Maria Nilza Oliveira e Silva encontra na sua fé a coragem que precisa para seguir em frente

Por Amanda Oliveira

Maria Nilza / Arquivo pessoal

Ao ser questionada sobre os acontecimentos de sua infância, Maria Nilza ou — como é chamada pela maioria de seus conhecidos — dona Nilza responde que, aos 71 anos, só se lembra de uma coisa: da sua primeira comunhão.

“Lembro que o lugar era bem longe da minha casa, mas foi um dia que eu gostei muito”. Quem conhece dona Nilza não se surpreende com essa resposta, afinal, ela é o que muitos consideram “uma mulher de fé”.

Devota de Nossa Senhora de Fátima, ela tem a religião católica como centro de sua vida, aquilo que a impulsiona e a faz encarar os desafios. Talvez a fé não mova montanhas, mas certamente é o que move dona Nilza.

Criada em um bairro pobre de Fortaleza, começou a namorar cedo, aos 12 anos, e logo se casou. Aos 18, teve sua primeira filha, a primogênita do que viriam a ser sua prole de sete filhos. Sua primeira provação foi quando seu marido morreu, deixando-a sozinha, sem nunca ter trabalhado fora de casa, com sete crianças e adolescentes que precisavam de seus cuidados.

Nem ela própria sabia ao certo como conseguiria criá-los. Mas ela tinha fé. E assim começou a procurar serviços para ganhar dinheiro, como lavar roupa, arrumar a casa, pintar unha. Com a ajuda de seus filhos mais velhos, que ao final da adolescência também arrumaram emprego, dona Nilza conseguiu.

Alguns anos depois, sua filha, com trinta e poucos anos, teve de realizar uma cirurgia no coração. Era um procedimento arriscado, e um dos momentos que ela mais temera em sua vida. As amigas da Igreja ligavam nervosas, os outros filhos a olhavam preocupados. Mas ela tinha fé. E assim rezou durante toda a operação, e só encontrou alívio quando o médico avisou que tudo havia ocorrido bem.

A própria dona Nilza encarou seis operações (ou foram sete? Ela já perdeu a conta). Em todas elas, ela ficou calma e confiante, e as pessoas ao redor não entendiam sua tranquilidade. A verdade é que ela se preocupa menos com ela mesma do que com os outros.

Depois de alguns anos, diante de uma dor que parecia repentina, os exames apontaram um câncer, desses avançados, logo em três lugares. Logo ela, que nunca havia bebido nem fumado, logo no ano em que ela não fez exame, logo em meio a uma pandemia… Havia todos os motivos para que ela se perguntasse o porquê. Logo ela, que sempre foi tão temente a Deus; logo ela, que rezava todos os dias.

Mas ela não se perguntou, até porque, segundo a própria, não adiantaria nada. Não, ela tinha fé. E assim Dona Nilza apenas seguiu em frente e deu início às cirurgias, ao tratamento, à alimentação cuidadosa, que custa mais dinheiro do que ela acha aceitável. A pior parte é, para ela, ter de ficar descansando. Dona Nilza odeia ficar parada.

Atualmente, ela superou a quimioterapia — que fora incrivelmente bem sucedida — e realiza a chamada imunoterapia. O tratamento está indo fantasticamente bem. Tudo que poderia dar certo realmente dá. Quase um milagre. Isso não é surpreendente para a própria; afinal, Deus “só chama no dia que tiver que ser”. Ela acredita piamente que o segredo para superar os problemas é isso: ter fé e coragem. E é o que procura ter todos os dias.

Dona Nilza não foi para muitos lugares durante sua vida: saiu pouco da cidade, não vai a passeios no geral e, mesmo morando em uma cidade de litoral, só viu o mar depois de adulta, passando pela praia da Barra do Ceará, em Fortaleza, em um ônibus a caminho de um serviço. No entanto, ela afirma que não gosta mesmo de sair de casa, e que sua maior felicidade é quando seus filhos e netos vão visitá-la.

Há quem diga que não se deve crer tanto assim em algo, especialmente diante do cenário atual. Mas dona Nilza não se importa, afinal, ela não é o tipo de pessoa que precisa ver para acreditar. Tal qual o mar que ela por muito tempo não precisou ver pessoalmente para saber que existia, ou seus filhos crescidos, que ela sabia desde sempre que seriam pessoas honestas, ou sua recuperação, que agora está praticamente diante de seus olhos, ela acredita que um dia verá o Deus que dá sentido à sua existência.

Maria Nilza reza todos os dias e acredita que essa pandemia irá passar. Em vez de se desesperar diante das notícias, ela prefere tirar um tempo do seu dia para rezar, pedindo a Deus para que a tragédia e o sofrimento não atinja sua família e que todo o horror que vemos tenha fim. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

--

--