Transfeminicídio: a maior marca de sangue da bandeira nacional

Ricardo Pereira
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readJul 31, 2021

[ARTIGO]

Por Ricardo Pereira

Somente de janeiro a junho de 2021, 80 pessoas trans e travestis foram assassinadas no Brasil. (Foto: Brendan McDermid/REUTERS)

No último dia 9, mais uma vida teve fim por decorrência da transfobia no Brasil. Em 24 de junho, Roberta da Silva, uma mulher trans de 32 anos, teve seu corpo incendiado por um adolescente de 17 anos.

A vítima vivia em situação de rua em Recife e foi surpreendida enquanto dormia próximo ao Terminal de Ônibus do Cais de Santa Rita quando o jovem jogou álcool e incendiou seu corpo.

Com 40% de seu corpo queimado vivo, Roberta foi internada no mesmo dia do ataque no Hospital da Restauração Governador Paulo Guerra, na capital pernambucana. Antes de sua morte por falência respiratória e renal, foi intubada com dificuldades para respirar, passou por diversas cirurgias e teve seus dois braços amputados.

Lamentavelmente, o caso de Roberta não é isolado, muito menos infrequente. Em menos de um mês, foram registrados quatro assassinatos de mulheres trans em Pernambuco. O que os casos de Fabiana (30), Kalyndra (26), Pérola (37) e Roberta têm em comum? Além da motivação, por ódio aos corpos transgêneros, a forma brutal como ocorreram e continuam ocorrendo com tantas outras, mortas a tiros, facadas, asfixiadas e queimadas vivas.

A passos extremamente lentos, o debate sobre transgeneridade vem ganhando espaço, e artistas e figuras públicas trans representando grandes marcas no país e no mundo. Apesar disso, estamos falando de exceções, de minúsculas parcelas que estão conseguindo desviar de suas expectativas de vida de 35 anos. O Brasil segue sendo, pelo 12º ano consecutivo, o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo, segundo a ONG Transgender Europe.

O mais recente levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) mostra que, somente no primeiro semestre de 2021, 80 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, sendo 78 delas travestis e mulheres trans, e dois homens trans e transmasculines. Além dos assassinatos, foram contabilizados, ainda, nove casos de suicídios, 33 tentativas de assassinato e 27 violações de direitos humanos.

São fatos como esses que sinalizam a extrema urgência da implementação de políticas públicas eficazes para a garantia da dignidade e manutenção da vida da população trans e travesti. Em casos tão revoltantes e brutais, como o de Roberta da Silva, ressoa na memória os versos de Oração, música da artista multimídia, artivista e travesti Linn da Quebrada:

Não queimem as bruxas,

mas que amem as bixas,

[…] clamem que amem,

que amem as travas também”.

Junto à constância de notícias violentas envolvendo vidas de pessoas transgênero, é preciso, também, manter a constância na luta por uma expectativa e condição de vida digna da pessoa humana no país mais transfóbico do mundo. Por Dandara Kettley, assassinada a pauladas, pedradas e tiros em Fortaleza. Por Quelly da Silva, que teve seu coração arrancado em São Paulo. Por Keron Ravach, de 13 anos, a mais jovem adolescente trans a ser assassinada no Brasil, por meio de pauladas, chutes e socos em Camocim, no Ceará. Por elas e todas, continuamos em luto e em luta.

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