Traumas de uma festa junina

Richardson Pereira
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readNov 10, 2021

[PERFIL] Aos 15 anos de idade, Ricardo Pereira não imaginava que iria vivenciar algo tão ruim numa festa de São João; hoje, em sua vida adulta, descreve o que aconteceu como “um dos momentos mais traumáticos de sua juventude”

Por Richardson Pereira

disponível em: https://lux24.lu/agenda/lusitanos-festa-de-s-joao-em-bonnevoie/

Quem imaginaria que em uma simples data comemorativa tão animada e cheia de diversão, alguém poderia se sentir tão fragilizado, assustado, vítima de preconceito e violência? Para Ricardo, isso era algo totalmente distante.

Jovem, por volta dos 15 anos, Ricardo, junto de sua família, saíram do Pará rumo ao Ceará. Agora morador do Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza, estava se adaptando a nova localidade e aos costumes cearenses.

Bandeirinhas, balões, chapéus de palha e enfeites adornavam os locais. Era junho, e as festas juninas estavam começando. Parecia ser um São João comum. Para Ricardo, um garoto tímido, trajado com sua roupa “matuta”, iria apenas comemorar a data na programação de sua escola, festejando como as outras pessoas ali presentes.

Num cenário onde tudo parecia tranquilo e nos conformes para uma festa, Ricardo precisou ir ao banheiro. Era um compartimento relativamente pequeno, com pias pequenas no canto da parede e divisórias separando os três sanitários que ali tinham. Ao adentrar, Ricardo não percebe nada de estranho. Até que, pouco tempo depois, sente uma vibração agitada vindo em direção à porta. Seria outros alunos da escola que também precisavam usar o banheiro? Supostamente sim. Mas quem dera fosse.

A agitação aumentou, até que dois jovens abrem a porta abruptamente. Ricardo consegue finalmente perceber a presença deles vendo apenas seus sapatos por debaixo da porta da cabine de onde estava. Ao abrir a porta da cabine, se depara com os garotos segurando uma bomba tipicamente usada nas festas de São João. Era um objeto um pouco menor do que a mão de quem o portava. Não previa o efeito dela, até presenciá-lo.

Os outros garotos rapidamente a acenderam, jogando o objeto prestes a explodir no chão. Não só isso, saem rapidamente do banheiro, deixando Ricardo sozinho e trancando junto dela.

Tudo ocorre rapidamente, como num flash. A única ação que o jovem conseguiu tomar foi de se distanciar o mais longe possível da bomba e tampar seus ouvidos para o que estava prestes a acontecer. Então, dentro daquele lugar fechado, ouve-se o som estridente de uma explosão. Ricardo descreve a situação como “assustadora e muito barulhenta”, tanto que, ao sair do banheiro, não só com um pouco de tontura, mas com seu ouvindo chiando, sentia apenas um som profundo e agudo ecoando em sua mente. Depois de passar pela porta, acompanhado por rastros de fumaça, Ricardo observa que quem estava por trás do que aconteceu eram seus colegas de classe, que riam sem nenhum pudor do que acabara de fazer.

Ricardo atribui o que aconteceu ao fato de não ter muitos amigos e por conta de seu sotaque paraense, que destoava um pouco do jeito de falar de seus colegas de classe.

“Eu não era de fazer amizade com todo mundo e eu era tímido também. Acho que foi por isso e também por conta do meu sotaque, que era diferente na época. Eles fizeram isso na maldade mesmo”.

Ricardo Pereira / Arquivo pessoal

O que chamamos de bullying hoje em dia não tinha nome na época. Para alguns, não passava de “tiração de sarro”, uma brincadeira (às vezes de mal gosto), e isso era embutido na mente de quem estava do outro lado. Do lado que recebia todas essas ações. Isso fez com que Ricardo não fizesse nada em relação a isso. Hoje, aos 46 anos, Ricardo caracteriza a situação como bullying e xenofobia.

O trauma deixou marcas até hoje. Ricardo se assusta com mais facilidade de barulhos de explosão, que fez com tivesse muita raiva de objetos explosivos no geral. Além disso, guarda na memória esse momento com pesar e insatisfação, sendo um dos momentos mais agonizantes da sua adolescência. Sobre o bullying, ele costuma usar essa situação para advertir seus dois filhos não só sobre as práticas de bullying, mas para que se previnam caso esteja ocorrendo com eles, incentivando a relatarem e não ficarem calados, sempre afirmando que eles não estão sozinhos.

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