Uma máquina de costurar

Rikelme Silva Souza
EntreFios - tecendo narrativas
3 min readApr 17, 2021

Margarida de Melo Souza vai do fazer chapéu de palha no roçado à paixão de costurar em uma cidade grande

Por Rikelme Souza

Minha avó, Margarida de Melo Souza / Imagem: Rikelme Souza

Enquanto observa a fotografia de seus falecidos pais, entre mexidas nos óculos e olhares profundos, Margarida tenta relembrar sua infância e o que viveu durante seus 67 anos, desde quando nasceu em Massapê, no Ceará, até sua chegada a Fortaleza com sua família.

Desde muito nova, já estava acostumada com uma grande família, onde seria acolhida por seus 17 irmãos e irmãs. Contudo, mesmo criança, não pôde desfrutar da infância: desde cedo, todos os 18 irmãos, assim que pudessem, já saíam para trabalhar e fazer seus próprios chapéus de palha, como é de costume naquela região.

Enquanto passa a mão no rosto, relembra uma infância difícil, em que nenhum dos irmãos teria liberdade, nem mesmo a oportunidade de conhecer o ambiente escolar. Em uma família tão grande, com tão pouco dinheiro, relembra da difícil situação em que todos trabalhavam para que todos tivessem o que comer. Diante de tanta pressão, dos calos criados pelo trabalho no roçado, descobre um amor pela delicadeza de costurar.

Ao se casar, teve a oportunidade de sair de casa. Contudo, mesmo em Senador Sá — então distrito de Massapê — , a vida era difícil. Casada aos 21 anos, com quatro filhos, seu esposo Afonso trabalhava como servente, enquanto Margarida, com sua primeira máquina de costura, comprada com muito esforço e suor, começa a costurar.

Com as dificuldades passadas durante aqueles seis anos em Senador Sá, eles se mudam para Fortaleza em busca de uma vida melhor, tanto para si, quanto para a família. E com olhos cheios de lágrimas relembra as dificuldades vividas, as bebidas que dificultavam a relação familiar, as necessidades pelas quais passavam, às vezes, para que uma vida melhor aos seus filhos pudessem dar.

Contudo, sua vida mudara para melhor. Como devota de Nossa Senhora de Fátima, sempre teve fé que um dia tudo mudaria e melhoraria. Aos poucos, sua costura se tornou seu próprio sustento, ajudando o esposo, que abriria uma bodega.

A máquina de costura se tornaria, por meio da sua curiosidade e paixão pelo ofício, uma forma de aprendizagem, já que nunca teve alguém que lhe ensinasse a costurar.

Mesmo passando por vários lugares de Fortaleza, procurando um lugar para chamar de seu, sempre que estivesse triste ou chateada, sentava-se para costurar. Via ali um lugar para chamar de seu. Toda vez que sentasse ali, diante de sua máquina, os problemas viriam a acabar.

Mesmo com quatro filhos, nunca se negou a ajudar e acolher mais um. Adotada de criação, viria também futuramente a chamar de filha a Neide. Por curiosidade, ao ver sua mãe adotiva costurar, também passou a sentar-se diante de uma mesa de costura.

Mesmo cansada por desde tão nova trabalhar, não se imagina um dia dizendo que irá parar de costurar. Vê em pequenas peças de roupa e de costura seu esforço se demonstrar. Com uma voz rouca e meio trêmula, olha para as máquinas e se vê a costurar. Não se cansa de fazer isso, pois é algo que ama e que gosta de fazer. Imagina diminuir o ritmo e de pouco em pouco descansar. Cansada de tantos fardos nas costas, fala com alegria que tudo que pode fazer pela família, ela já fez, e que a única coisa de que se arrepende é de não ter sido tão presente na infância de seus filhos, por tanto trabalhar.

Com um sorriso no rosto, ao olhar para as fotos de seus filhos e com um terço na mão, se diz grata por ter conseguido dar uma vida melhor para seus filhos, que não precisam abdicar de sua juventude e nem da escola para poder ter o que comer, vestir e brincar.

Com um olhar profundo, volta a olhar mais uma vez para o quadro de seus pais, dizendo ser grata por ter uma família tão unida, que, mesmo com as dificuldades, todos sempre tentam se ajudar. Diante de tudo que teria vivido, as mesmas mãos responsáveis pelos chapéus de palha feitos em um interior, hoje são as mesmas mãos que costuram em uma cidade grande.

--

--