Nova rotina aos 57 anos

Beatriz Napoleão Rocha
EntreFios - tecendo narrativas
4 min readOct 24, 2020

Em meio à pandemia, a coordenadora pedagógica Leila Lima teve que assumir uma tarefa bem distinta da que ocupa a sua rotina desde os 18 anos de idade

Por Beatriz Napoleão

Leila, antes da pandemia, aproveitando para relaxar após uma de suas muitas semanas cansativas / Arquivo pessoal

Mãe, amiga, esposa e coordenadora. Aos 57 anos, Leila, com a chegada da pandemia e a necessidade do isolamento social, teve que acrescentar a função “dona de casa” à sua descrição.

Foi criada por sua mãe e tias, que, nos anos 1940 e 1950, iam de encontro à norma social e sempre foram incentivadas a trabalhar fora de casa, formando assim uma escolinha na cidade de Crateús-CE.

Leila cresceu com a mesma tendência a se afeiçoar mais pela sua vocação pedagógica do que pelos afazeres domésticos. Aos 18 anos iniciou sua carreira na educação como uma “faz-tudo”: se precisassem de professora substituta para o infantil, ela supria essa falta, dava aula para os jovens adultos.

Por muitos anos, foi descredibilizada por ser nova demais ou por seu modo de se vestir e até por se misturar com os alunos. Diziam que isso não era postura de educadora. Assumindo, depois, cargos como telefonista, secretária e auxiliar administrativa e, às vezes, mantendo mais de um emprego por vez.

Quando voltou a trabalhar em escolas, tornou-se coordenadora financeira, um cargo que realizava tarefas tanto da parte administrativa, quanto da pedagógica. Em 2015, foi convidada para ser coordenadora pedagógica, cargo que ocupa até hoje.

Em 2020, com a chegada da pandemia de Covid-19, Leila se viu com bastante medo, não só pela sua vida, mas também a dos filhos e do marido. Sem admitir a entrada de ninguém em casa, teve que aprender a realizar os trabalhos domésticos.

Ela confessa que, depois de sete meses com sua nova rotina, “até que dá gosto deixar tudo pronto, apesar da preguiça que eu ainda tenho muita”. Leila acha curioso que ela e a irmã, Liliana, tenham sido criadas do mesmo modo e pelas mesmas influências, mas a segunda ter paixão pelos afazeres da casa, segundo ela. “É muito prendada, nasceu para ser dona de casa”, considera.

Leila fica muito orgulhosa por, agora, não precisar mais depender de alguém para as tarefas domésticas e destaca, entre risos, que é mais um ponto em que conseguiu sua independência, mesmo que tardia.

“As pessoas não são muito acolhedoras com mulheres que colocam a carreira em primeiro lugar”, escreveu a autora Taylor Jenkins Reid. Leila comprovou essa frase durante o início do seu casamento. A família do marido ficava horrorizada com o fato de ela preferir trabalhar fora a cuidar da casa. Sua sogra chegava a apresentá-la aos outros sempre acrescentando: “Ela trabalha, mas não gosta de cozinhar, acredita nisso?”.

Esse comportamento a deixava desconcertada, já que em sua família sempre encontrava apoio para trabalhar em tempo integral, fossem os irmãos que se tornavam babás de seus filhos; fosse a mãe, que dava aquele empurrãozinho necessário para uma decisão mais ousada. O marido, Sávio, nunca compartilhou desses ideais da família e sempre apoiou Leila em sua carreira pedagógica.

Leila com marido e filhos; da esq. à dir.: Sávio, Ana Tereza, Leila, Edilberto e Beatriz / Arquivo pessoal

Leila também destaca que hoje tem dado mais atenção ao seu lado maternal e relembra a adaptação dos filhos à sua rotina corrida. “O Edilberto odiava as escolas em que eu trabalhava, pois via que eles [colegas] estavam roubando a mãe dele. Depois a Ana Tereza, que sempre foi muito independente, então não afetou muito ela. Já a Beatriz, eu tinha acabado de assumir a coordenação, então eu queria me provar como profissional e não tirei nem o resguardo todo: em um mês fiquei em casa; no outro, já voltei a trabalhar”, detalha ela.

Leila se torna mais feliz ao ver os filhos seguindo seus passos e conquistando suas independências logo cedo na vida.

Sobre a rotina que está prestes a começar, com o retorno das escolas e ainda com os afazeres domésticos, Leila acredita que vá conseguir conciliar sua nova vida com a antiga, já que não fica tão “traumatizada” a cada um dos afazeres, podendo fazer tudo com mais calma. Agora que viu que é possível conciliar o trabalho fora de casa e os afazeres domésticos, pensa que vai conseguir se organizar melhor.

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