#Verificamos: declarações de Heitor Férrer contêm imprecisões

EntreFios checou afirmações feitas pelo deputado estadual Heitor Férrer, candidato à Prefeitura de Fortaleza, durante entrevista ao jornal O Otimista em 18 de agosto

Por Lídia Hellen, Caio Cysne,
Isadora Lima e José Manuel

Heitor Férrer é um dos 11 candidatos à Prefeitura de Fortaleza / Reprodução - Facebook

O EntreFios verificou declarações concedidas pelo deputado estadual Heitor Férrer (Solidariedade), um dos 11 candidatos à Prefeitura de Fortaleza. As afirmações foram feitas durante entrevista ao jornal O Otimista em 18 de agosto, ainda na condição de pré-candidato.

Os trechos verificados receberam etiquetas de “verdadeiro”; “verdadeiro, mas”, quando há ponderações aos dados apresentados; “subestimado”; e “exagerado”.

Em suas declarações, Férrer apresenta dados sobre a Covid-19 relacionados ao estado do Ceará e à Prefeitura de Fortaleza em comparação a outros estados do Brasil, bem como a países europeus e a gastos realizados pelo município.

Verificamos as quatro declarações seguindo a metodologia de checagem e as etiquetas adotadas pela Agência Lupa, uma agência brasileira de checagem de declarações públicas.

Entramos em contato com a assessoria do candidato, mas até o fechamento desta checagem não obtivemos retorno.

Veja, a seguir, o resultado da checagem de cada uma das declarações selecionadas.

VERDADEIRO
“A Prefeitura de Fortaleza gasta com saúde 29% do seu orçamento. A legislação determina que os municípios gastem no mínimo 15%. A Prefeitura de Fortaleza gasta o dobro”.

A frase “a Prefeitura de Fortaleza gasta com saúde 29%” é verdadeira. Esses gastos se referem ao plano orçamentário anual. Segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA), o valor planejado para gastos em saúde na capital cearense foi de 30,09% em 2020, aproximadamente R$ 2,541 bilhões, enquanto que, em 2019, os gastos orçamentários foram de 29,9%, representando um aumento de 6,8 % em relação ao ano de 2018, quando o valor foi de aproximadamente R$ 1,66 bilhão.

É verdadeira a afirmação do candidato em relação à lei que determina uma porcentagem dos gastos para a saúde. A Lei Complementar nº 141, sancionada em janeiro de 2012, define o que pode ser contabilizado como gasto na área da saúde e fixa percentuais mínimos de investimento por parte da União, estados, Distrito Federal e municípios. A União deve investir na saúde o valor do ano anterior somado à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Os investimentos dos estados e do Distrito Federal deverão corresponder a 12% de sua receita. No caso dos municípios, o percentual é de 15%.

Destacamos que a Saúde ocupa o primeiro lugar no orçamento da Prefeitura de Fortaleza em ambos os anos citados, sendo R$ 2.107.298.158,71 em 2018 e R$ 2.441.185.782,06 em 2019, totalizando R$ 4.548.483.940,77

Para Heitor Férrer, o conceito de “saúde” deveria envolver outros segmentos da administração pública para além de gastos com ambulatório, remédios e hospitais. O deputado entende que é necessário investir em saneamento básico, emprego e renda, moradia e lazer para garantir que o cidadão tenha saúde de qualidade.

SUBESTIMADA
“Nesse dois último anos, 2018 e 2019, se gastou com urbanismo R$ 1,644 bilhão […]. Sabe quanto de moradia? R$ 97 milhões”.

A declaração foi classificada como subestimada porque os números criticados como muito altos por Heitor Férrer são, na verdade, ainda maiores. Mas não muito maiores.

Heitor Férrer informa que os gastos com urbanismo em 2018 e 2019 somam R$ 1,644. No entanto, de acordo com o Relatório de Prestação de Contas de 2018 e 2019 da atual gestão, a despesa com urbanismo foi de R$ 722.843.640,60 em 2018 e de R$ 1.032.702.608,66 em 2019, totalizando R$ 1.755.546.243,26. Nos dois anos, esse segmento está entre as quatro áreas com maiores investimentos, representando 10,51% e 12,06%, respectivamente, apresentando um aumento significativo para esse setor.

Ressaltamos que os valores previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) para Urbanismo eram de R$ 697.903.411,00 em 2018 e de R$ 852.494.454,00 em 2019, números inferiores ao que efetivamente foi gasto.

Já com moradia (Habitação) foi gasto R$ 32.713.978,65 em 2018 e R$ 27.166.088,39 em 2019, totalizando R$ 59.880.067,04, representando 0,48% e 0,33% do orçamento da Prefeitura nos respectivos anos. A previsão de gastos na LOA era de R$ 71.866.257,00 para 2018 e de R$ 52.136.331,00 para 2019. Até agosto deste ano, foram empenhados R$ 10.999.634,88, sendo que a previsão era de R$ 79.727.082,00.

VERDADEIRO, MAS
“Nós temos hoje o maior índice do número de mortes por milhão de habitantes. Ceará e Fortaleza é o primeiro da lista no ranking, quando diz que dos 8 mil e 200 mil cearenses mortos, que é o terceiro em números brutos, nós somos os primeiros em números relativos, só perdemos para o Amazonas […]. Você tem São Paulo, que o número de mortos por milhão é de 430 paulista, por milhão de habitantes. No Ceará são 986, é o dobro”.

A declaração “nós temos hoje o maior índice do número de mortes por milhão de habitantes. Ceará e Fortaleza é o primeiro da lista no ranking” é verdadeira, mas os números da pandemia de Covid-19 no Brasil oscilam ao longo do tempo. Fortaleza foi considerada a 2ª capital com maior número de mortes por milhão de habitantes em abril, mas em agosto as pesquisas mostraram que a cidade tem o maior número de mortes por 100 mil habitantes, e não por milhão de habitantes. Já o estado do Ceará também é considerado o 1º no ranking de estados com maior número de mortos por milhão, mas, dependendo do veículo de imprensa, a posição pode ser oscilatória.

Durante a pesquisa, nossa equipe não encontrou um site oficial do Consórcio dos Veículos de Imprensa, grupo que no mês de junho passou a divulgar os números de casos e de mortes relacionados à pandemia de Covid-19 no Brasil como alternativa aos números oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde. Portanto, os números encontrados para checagem dessas declarações dependem dos veículos de imprensa.

Já a afirmação “quando diz que dos 8 mil e 200 mil cearenses mortos, que é o terceiro em números brutos, nós somos os primeiros em números relativos, só perdemos para o Amazonas” é insustentável. Não foram encontrados dados públicos que sustentem tais declarações. Procurada a assessoria do deputado Heitor Férrer, não obtivemos respostas sobre a fonte das declarações. Além disso, a fala do candidato não é clara, causando dúvidas na quantidade de mortos.

Até o momento (13 de outubro), segundo dados oficiais do Governo do Ceará, já foram 798.783 pessoas infectadas e 9.140 óbitos em todo o Ceará. Desse total, foram 52.196 casos e 3.880 óbitos em Fortaleza.

“Você tem São Paulo, que o número de mortos por milhão é de 430 paulistas por milhão de habitantes. No Ceará, são 986; é o dobro”. A declaração é exagerada. O relatório divulgado em 9 de agosto pelo Consórcio de Veículos de Imprensa a partir de dados das secretarias de Saúde mostra que o número de mortes por milhão no estado de São Paulo foi de 543, e o do estado do Ceará correspondia ao número de 868, o que corresponde a 59% a mais das mortes em São Paulo, ou seja, bem menos que o dobro.

EXAGERADO
“Qual foi a diferença da Alemanha para a França, da Alemanha para a Itália, da Alemanha pro Reino Unido? Um item […]. Na Alemanha, se morreu 6 mil alemães, na Espanha [foram] 36 mil. Qual foi o fracasso da Espanha? O respirador. E aqui, em Fortaleza, a falta de respirador, que eu vi a reportagem hoje, agora que tá chegando no Ceará respirador, naquele lote de 700 respiradores. Se esses respiradores tivessem chegado no início, com certeza, Erivaldo [jornalista de O Otimista], teríamos 4,5 mil mortos ou 5 mil, em vez dos 8 mil”.

Para a análise da veracidade, dividimos a declaração em três momentos, sendo uma considerada exagerada; e outras duas, insustentáveis.

A afirmação “Na Alemanha, se morreu 6 mil alemães, na Espanha [foram] 36 mil” é exagerada. No dia da entrevista concedida por Heitor Férrer, os países citados apresentavam dados de mortos divergentes àqueles apontados pelo candidato. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) coletados em 18 de agosto, a Alemanha contabilizava 9.232 mortes por Covid-19, enquanto a Espanha totalizava 28.789. Ou seja, Férrer apresentou dados inferiores para o número de mortes na Alemanha e dados superiores para a Espanha, aumentando ainda mais a disparidade entre os números de mortes nos dois países.

Contudo, é fato que os dois países apresentaram estratégias diferentes para o enfrentamento do coronavírus em território nacional. Quanto aos dados de enfrentamento da pandemia em cada país, na Alemanha, a taxa de letalidade era de 2,8%, segundo dados divulgados pelo jornal El País em 15 de abril. O país contava com checagem em massa da população, com 25.749 mil testes por milhão de habitantes. Segundo o site UOL, o território alemão contava, à época, com 25.000 leitos de UTI completos, com suporte respiratório.

Já no território espanhol, a taxa de letalidade era de 10,8%, com 28.753 mil testes por um milhão de habitantes. Em entrevista para UOL e El País, profissionais de saúde e pacientes falam da dificuldades enfrentadas continuamente dentro do hospital, e também a falta de materiais como máscaras e respiradores e com o acesso a UTIs do país, que operavam com o dobro de sua capacidade, segundo o El País.

A segunda afirmação (“E aqui, em Fortaleza, a falta de respirador, que eu vi a reportagem hoje, agora que tá chegando no Ceará respirador, naquele lote de 700 respiradores”) foi classificada como insustentável.

De fato, o número total de respiradores comprados pelo Governo do Ceará foi de 700 equipamentos. No entanto, tais equipamentos chegaram ao longo de semanas, e não apenas em 17 de agosto, como sugere a afirmação de Férrer. Segundo a Secretaria de Saúde do Ceará, em 17 de agosto, o estado recebeu 45 respiradores, estando previsto para a semana seguinte a chegada das outras 40 unidades que faltavam para completar o número total de 700 aparelhos.

Por fim, o trecho “se esses respiradores tivessem chegado no início, com certeza, Erivaldo [jornalista de O Otimista], teríamos 4,5 mil mortos ou 5 mil, em vez dos 8 mil” foi classificado como insustentável por ser uma projeção especulativa, por supor como teria sido se o estado tivesse adquirido os respiradores meses antes.

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