Vida de ganhadeira

A trajetória de trabalho da lavadeira Lúcia Oliveira

Por João Victor Oliveira

Ganhadeira é o nome que se dá à mulher que vive do ganho, ou seja, do seu próprio trabalho. Desde criança, Lúcia Oliveira tira seu sustento da lavagem de roupas e conta sobre isso numa manhã nublada, em um dos seus dias de trabalho. A entrevista aconteceu na cozinha de sua casa, na pequena cidade de Arneiroz, no Ceará. Eu, sentado à mesa; ela, em pé passando roupa. Fui a esse encontro com muitas dúvidas e questionamentos, mas o que era para ser somente um perfil tornou-se um relato de memórias emocionantes.

Lúcia Oliveira em sua casa / Arquivo pessoal

Maria Lúcia Sousa de Oliveira Rodrigues, 49 anos, nasceu na Fazenda Umburanas, zona rural do município de Arneiroz, no interior do Ceará. Filha mais velha de um casal de agricultores, Lúcia deu os primeiros passos entre a labuta da roça e o fiar dos algodões, sem saber que, mais tarde, herdaria aquilo que seus pais mais lhe ensinaram: a coragem.

Quando perguntada sobre sua infância, Lúcia sorri, mareja os olhos, larga o ferro e fala sobre tudo de que sente saudade. Ela começa relembrando as brincadeiras com bonecas de sabugo, os balanços das árvores e até as casas improvisadas que ela e sua irmã montavam nos terreiros. Em cada memória, uma nostalgia “da época boa da vida”, como ela mesma diz. Lúcia sempre gostou de estudar, mesmo sem muitas oportunidades. Ela relata que estudava para as provas indo e vindo da roça, com uma folhinha de revisão dada pela professora, já que não dava tempo de estudar em casa devido aos afazeres.

A vida da menina Lúcia não foi fácil. Começou a trabalhar aos 7 anos cuidando dos irmãos, pilando e moendo milho, colocando água na cabeça e limpando a casa de quatro cômodos. Desde cedo, a menina decidiu que era preciso ganhar alguns trocados para ajudar a família. Começou seu trabalho de ganho lavando roupas no rio e passando em ferro de brasa. Segundo a família, não existiam roupas mais brancas e mais bem engomadas do que aquelas que passavam pelas mãos de Lúcia. Quando pergunto quanto ganhava, ela diz que era pouco. Dava a maior parte para comprar comida e tirava alguns trocados para comprar um esmalte ou um shampoo com cheiro agradável, que, para ela, era uma riqueza.

Aos 10 anos, saiu de casa e foi ajudar sua tia do município vizinho. O salário? A comida! Lúcia conta que as dificuldades eram tantas que só foi embora porque, ali, tinha o que comer. Ela diz que sofreu, trabalhou muito, sentia saudade de casa, mas não podia voltar devido à necessidade.

“A gente não passava precisão. A gente passava fome”.

Nesse instante, Lúcia silencia, une as mãos e fica séria. Segundo ela, são as memórias das maiores dificuldades da vida que a fazem perceber como já sofreu.

Ela conta que, aos 13 anos, foi para Arneiroz trabalhar em casa de família. A menina acanhada trouxe meia dúzia de roupas e a vontade de ganhar seu próprio dinheiro. Com o passar do tempo, foi desenvolvendo apreço pela culinária, e os temperos já ganhavam outros sabores em suas hábeis mãos.

Mesmo com um trabalho difícil, Lúcia relata que sempre aproveitou a vida. Entre risos, conta que encontrou no forró a melhor forma de se divertir, e não havia uma festa na região em que ela não marcasse presença. Era de pau de arara, de cavalo e até a pé. Era uma das primeiras a chegar e a última a sair. Ou melhor, só saía mesmo no último acorde de “Está chegando a hora” — música que, segundo ela, representava o fim das festividades. Por 18 anos, viveu dessa forma: trabalhando na mesma casa e dançando nos salões da região.

Depois disso, fez faxina, vendeu pamonha e fez torta por encomenda. Mas não parou por aí. Atualmente, ela exerce a mesma atividade que a trouxe para o ganho: a lavagem de roupas. São duas lavagens por semana e o que ela ganha ajuda a complementar a renda da família. Pergunto sobre quando ela pretende parar de trabalhar, e ela olha para o horizonte, sorri e afirma: “Quando eu me aposentar ou quando meu filho se formar e puder me ajudar”.

Lúcia é o espelho da mulher brasileira. Sua história se cruza com a de muitas que vivem do suor do rosto e na esperança de uma vida melhor. Afinal, toda mulher brasileira em sua essência é ganhadeira!

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