Viver é melhor do que sonhar

A professora Francisca Mendes, do curso de Design de Moda da UFC, emociona-se ao relembrar de sua trajetória acadêmica e de seu percurso de Limoeiro do Norte para Fortaleza

Por Luís Norões

Francisca em sua sala / Luís Norões

Numa quinta-feira que marcava o início do último mês de 2022, Francisca me recebeu em sua casa. Com seu sorriso frouxo e repleto de afeto, me ofereceu um assento e foi para o seu quarto preparar-se para conversar comigo. Mesmo quando afirmei que não seria necessário gravá-la, insistiu em arrumar-se, colocar brincos, vestido estampado e óculos.

Falei de maneira breve que gostaria de abordar sobre o início de sua trajetória acadêmica e ela, de prontidão, aceitou falar sobre esse fragmento limitado das suas mais de quatro décadas de existência. Comecei questionando sobre sua escolha pela carreira acadêmica e, com um travesso “sim, senhor”, a professora retomou sua época de graduação, toda efetuada em Limoeiro do Norte, interior do estado do Ceará.

Cursando História, Francisca, logo no início do seu ensino superior, teve contato com projetos de pesquisa e outras nuances que logo lhe chamaram atenção. Enquanto a ouvia responder minha primeira pergunta, aproveitei para tirar fotos espontâneas da limoeirense. Todavia, com sua simpatia habitual, não conseguiu conter a gargalhada e misturou suas palavras com risadas altas e sinceras ao notar que estava sendo fotografada.

De tanto ouvir colegas e professores falarem com afeto das pesquisas desenvolvidas, a historiadora afirma que começou a desenvolver essa paixão pela carreira acadêmica. Contudo, a certeza de que iria enveredar por esse caminho veio na metade do curso, quando decidiu que iria fazer mestrado e resolveu canalizar suas energias para essa missão.

Na época graduanda, Francisca concluiu o curso de História um semestre antes do tempo, pois a seleção para o Mestrado iria abrir justamente no período em que acabou terminando a graduação. Aprovada não só para iniciar sua vida na pós-graduação, a cearense conseguiu também uma vaga para professora substituta, quando teve seu primeiro contato com a sala de aula e concluiu que, ali, suas ambições vocacionais faziam todo o sentido.

Logo após a sua aprovação no Mestrado, outro novo ciclo viria a se iniciar. A filha do meio precisaria sair de casa para correr atrás do que almejava em Fortaleza, capital das terras alencarinas. Os duzentos quilômetros, além de a separarem de sua primeira casa, a deixariam distante de seus amigos, familiares e companhias que a moldaram nos seus anos iniciais de vida.

Em março de 2001, Francisca chegou à capital cearense e de lá nunca mais moveu sua residência fixa. Aprovada nas primeiras colocações, a professora ressalta que só conseguiu se manter na capital por conta da bolsa de estudos conquistada durante o Mestrado. Com a bolsa de 760 reais, a pós-graduanda conseguia suprir todas as suas necessidades sem precisar de auxílio financeiro por parte da sua família.

“Eu não viria se eu não tivesse uma bolsa. Quando chegasse aqui, iria viver de quê? Iria morar com quem? Iria fazer o quê?”. Falou lembrando de como o incentivo foi essencial para sua carreira acadêmica. “Nunca ninguém me podou. Enquanto eu não tinha bolsa, meu irmão bancava minhas passagens para Fortaleza para fazer as seleções de Mestrado. Sempre houve incentivo para fazer o que é nosso, como diria mamãe, fazer a nossa parte”, disse sorrindo.

Questiono-a se as horas estudadas, a distância de casa e o esforço para ascender valeram a pena. Ela, de prontidão, diz: “TOTAL!!!”. Francisca afirma hoje estar onde sempre quis. No paraíso. Professora efetiva da Universidade Federal do Ceará (UFC) há mais de 13 anos, faísca os olhos assim que começa a falar de seu trabalho, dos alunes e de como ama sua profissão.

“Com certeza. A partir do estudo vem a independência emocional, a independência financeira e o empoderamento feminino de conseguir ter a base e falar: ‘Eu banco, eu posso e eu faço’”, diz a professora quando perguntada se o estudo era o principal pilar da sua carreira.

Quando a peço para citar duas pessoas importantes no seu processo de crescimento, Francisca fala de seu orientador, Júnior, e, imediatamente, afirma que vai chorar. Logo em seguida, enche seus olhos de lágrimas e lembra do mestre com profunda gratidão. “Foi ele que pegou no meu braço e disse: ‘Você vai para o Mestrado’. Se não fosse ele, com certeza eu não estaria aqui. Ele viu em mim um potencial que hoje eu tento retribuir vendo nos alunos e os incentivando para fazer a mesma coisa”, acrescenta a docente sem conseguir conter os soluços.

Francisca emocionada ao falar do orientador / Luís Norões

Júnior plantou e regou, em Francisca, a semente da pesquisadora. O apoio moral e intelectual foram cruciais nesse processo de crescimento. Sem o seu incentivo, a historiadora afirma que seu esforço não teria valido de nada. Ela não conseguiu lembrar de uma segunda pessoa nesse processo do Mestrado.

“O Serviço Público é esse lugar no qual a gente tem a liberdade pra atuar em diversas frentes e por isso que a gente tem menos horas de sala de aula”, diz a tutora do Programa de Educação Tutorial (PET), orientadora, professora e amiga de vários alunos do curso de Design de Moda.

Quando peço um recado final para o jovem interiorano que deseja tentar a carreira acadêmica longe de casa, Francisca parafraseia Júnior, chamado por ela de Guru de Vida, e fala: “Estude, cara. Porque, se você se garantir, ninguém vai poder falar nada de você”. E ainda acrescenta: “O que eu posso dizer pro povo é que estude. Um dia aquilo vai fazer sentido”.

Encerro a conversa perguntando o que ela diria para a Francisca do passado. Soluçando, sem conter as lágrimas e demasiadamente emocionada, diz: “Eu diria que valeu a pena. Ainda bem que ela veio. Já que, se ela não tivesse vindo, a história seria outra”.

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