Vocação: enfermagem

Rodrigo Gomes
EntreFios - tecendo narrativas
5 min readApr 15, 2021

A enfermeira Maria Izélia Gomes fala sobre sua jornada, passando da infância até a pandemia de Covid-19, o maior desafio dos seus 27 anos de carreira

Por Rodrigo Gomes

A enfermeira Maria Izélia Gomes / Arquivo Pessoal

Nascida em Morada Nova, no Ceará, Maria Izélia Gomes lembra vagamente do interior, visto que veio para a capital do estado quando tinha entre dois e três anos de idade.

Na cidade, a família grande — composta por ela, seus pais e seus dez irmãos, na época — se organizava da seguinte forma: o pai trabalhava e era dono de uma mercearia, a mãe cuidava dos afazeres de casa e dos filhos, os irmãos mais velhos trabalhavam para ajudar com as despesas e os mais novos — grupo do qual Izélia fazia parte — se dedicavam aos estudos.

Com uma agradável nostalgia, ela relembra sua infância, as brincadeiras, os eventos e os afetos. O relato é marcado por seu entusiasmo: “As lembranças que eu tenho mais claras são… banho de chuva na rua e, quando entrava em casa, a mãe tinha feito batata-doce cozida pra gente tomar com leite ou cuscuz; e essas lembranças chegam a ter um cheiro específico, a gente lembra do cheiro do alimento, do cheiro da chuva… são momentos de que jamais esquecerei”.

Aos nove anos, foi morar na casa da irmã Irene, em Acopiara, no Ceará, para estudar e ajudar nos cuidados do sobrinho recém-nascido. Viveu lá até a época do pré-vestibular, quando retornou para a casa dos pais, em Fortaleza. Izélia se emociona ao falar da irmã já falecida, que foi muito responsável pela sua formação, tanto profissional, quanto pessoal. “Devo muito a ela; sem dúvida, tenho ela como mãe”, diz.

Quando perguntada, na infância e juventude, sobre “o que queria ser quando crescer”, ela respondia prontamente: “Eu queria ser enfermeira”.

A pergunta foi para introduzir uma conversa sobre sua formação profissional. A hoje enfermeira cursou por um período duas faculdades: pedagogia na Universidade Estadual do Ceará (Uece) e enfermagem na Universidade de Fortaleza (Unifor). Devido a dificuldades, teve de abandonar a pedagogia após dois anos de curso, porém a experiência na pedagogia lhe ajudou a obter trabalhos de aula particular e um emprego como professora do ensino fundamental no Colégio Christus, onde atuou por cinco anos.

A renda obtida como professora ajudava a pagar despesas, particularmente da faculdade de enfermagem, já que a família tinha as finanças apertadas e não podia ajudar com esses gastos. E, na condição de estudante, ela ainda não podia atuar na enfermagem.

Em dado momento, a enfermagem começou a exigir mais em estágios e, depois de formada, em 1993, abriu-se a opções de empregos na área. Com isso, veio a decisão de abandonar a pedagogia de vez. Começou atuando como bolsista do Núcleo de Atenção Médica Integrada (Nami) da Unifor; depois, como coordenadora da Unidade de Saúde Zélia Correia, em 1995; em seguida, entrou como celetista na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac-UFC), em 1997; e passou em um concurso da Prefeitura de Fortaleza para trabalhar no Instituto Dr. José Frota (IJF) — também chamado de Frotinha — da Parangaba, em 2001.

Atualmente, ela continua trabalhando no Frotinha da Parangaba como enfermeira assistencial e na Meac como enfermeira na chefia imediata, sendo que, depois de alguns anos como celetista, conseguiu prestar concurso pela UFC e tornou-se concursada também na Meac, em 2004. No IJF, são atendidas as urgências e emergências médicas e, na Maternidade-Escola, são atendidos gestantes e bebês de alto risco.

Indo à questão da pandemia, a enfermeira respira um pouco e coloca: “A Covid chegou pra desarrumar mesmo… e desestruturar o que já não tinha estrutura, de certa forma, principalmente as urgências e emergências do Estado”. Ela também destaca o caráter desconhecido da doença, com a qual não se sabia como lidar. “Nós fomos aprendendo com a experiência e a vivência do dia a dia… e fomos descobrindo da pior maneira o que era a dor da doença e da morte. Ainda estamos nessa luta”.

Outro ponto desse desafio é como ele afeta a saúde mental dos profissionais de saúde, especialmente os da linha de frente. “A gente que tá na linha de frente tem pavor da doença, tem o medo, mas tem que se fortalecer para ajudar quem tá precisando mais do que a gente, que é o paciente”. Posto isso, indago se foi o maior desafio de sua carreira, e ela responde com um sonoro “com certeza!”. Ampliando a reflexão, Izélia fala sobre os colegas da área da saúde que faleceram devido à Covid-19 e sobre a segunda onda que voltou “mais agressiva e mais devastadora do que a primeira”.

Maria Izélia, à esquerda, na Meac-UFC / Arquivo Pessoal

Na maternidade, em meio à pandemia, há um paradoxo da vida e da morte. Algumas vidas começando e há vários esforços para que outras não terminem. Isolamento, EPIs, exames de sangue, entre outros, fazem parte, segundo Izélia, do esforço para proteger as pessoas na Meac. Mas, infelizmente, há complicações e casos de mães que falecem.

Em 2019, Izélia ingressou no mestrado em Saúde da Criança e do Adolescente, na Uece, e teve de conciliar os estudos com os dois empregos em plena pandemia, momento de muita ansiedade, esforço e cansaço. Para ela, valeu a pena, tanto pela formação, como pelo resultado, que foi um manual validado de prevenção e de cuidados com a pele do recém-nascido, especialmente quanto às lesões causadas por dispositivos médicos.

Em relação à vacinação da Covid-19, a enfermeira lamenta pelo negacionismo de algumas pessoas e defende a vacinação com o otimismo de que o cenário melhorará e que se possa abraçar as pessoas como antes, sem temer se contaminar e contaminar o outro.

Por fim, Maria Izélia conta que seus planos futuros são acalmar o ritmo, cuidar da saúde e pensar no autocuidado. Quando se sentir melhor, pretende fazer um doutorado e se aposentar, fechando um ciclo marcado por vocação.

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Rodrigo Gomes
EntreFios - tecendo narrativas

Estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)