As (des) informações através do celular

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7 min readJun 29, 2020

O fácil acesso a novas tecnologias traz também o risco das fake news e das deep fake

Tyane Leal

Uma preocupação que segue ocorrendo durante a pandemia causada pelo coronavírus pode ser ainda maior com a aproximação das eleições municipais no Brasil. Mesmo que novas datas ainda estejam sendo discutidas devido ao distanciamento social, o alerta é em relação aos riscos e perigos com as fake news e as deep fake, que são vídeos falsos. A rapidez em que se disseminam pela internet e a facilidade de acesso pelos celulares preocupam não só pré-candidatos a prefeitos e vereadores, mas os eleitores e a Justiça. Até porque a sensação de impunidade perante à lei é outra situação que pode agravar ainda mais estas práticas.

Arte: Roger Monteiro

As fake news são conteúdos produzidos para disseminar mentiras sobre acontecimentos com intuito de manipular e influenciar a opinião pública. E deep fake é a tecnologia que usa inteligência artificial para criar vídeos falsos. E não é só nas redes sociais, estas informações também são repassadas diariamente pelo WhatsApp.

Desde as últimas eleições para presidente e para governador no Brasil, em 2018, quando surgiram várias listas com linhas telefônicas usadas para disparar estas mensagens durante a campanha eleitoral, o assunto tem sido debatido e apurado com maior frequência. A questão veio à tona mais uma vez desde março deste ano, mas devido a outro foco: a divulgação de informações enganosas sobre a covid-19.

As notícias e vídeos falsos, na maioria das vezes, passam despercebidas pelos internautas. Mas o que preocupa é fato deles repassarem e criarem uma rede de notícias erradas, não apuradas e perigosas. Durante as últimas eleições presidenciais, por exemplo, surgiram informações sobre empresas brasileiras que teriam contratado uma agência de marketing na Espanha para repassar inúmeras vezes mensagens políticas a favor do então candidato Jair

Bolsonaro, hoje sem partido. Em janeiro deste ano, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News no Congresso Nacional identificou as listas telefônicas de WhatsApp responsáveis pelas mensagens em 2018. A rede usada na época foi feita com o uso de robôs pró-Bolsonaro por meio de celulares conectados em computadores, inclusive do Senado. Os aparelhos faziam o envio em massa das notícias falsas contra adversários do agora presidente da República.

Notícia fraudulenta

O especialista em fake news e professor de direito eleitoral na Universidade Mackenzie de São Paulo, Diogo Rais, diz que fraude é a principal definição para a prática de criar e divulgar informações falsas que podem agravar uma situação ou prejudicar alguém. Segundo o especialista, estes conteúdos fraudulentos podem estar em toda parte, tanto em grupos familiares por meio de grupos no WhatsApp, quanto difundidos para toda a sociedade em diversos perfis nas redes sociais. Em período eleitoral, esta situação pode mudar o rumo do pleito. “As notícias espalham-se de diversas formas e a checagem da verdade é fundamental para diminuir a propagação. Uma boa estratégia são as agências de fact-checking para verificar links das matérias antes de clicar”, esclarece Rais.

Sensação de impunidade

O advogado criminalista Mateus Marques explica que ainda não existe uma legislação específica sobre o tema e que ainda esteja incorporada ao Código Penal Brasileiro. Mesmo assim, ele ressalta que existe a recente Lei n. 13.834/2019 que foi criada com a finalidade de punir delitos de fake news praticados em período eleitoral.

“Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral. Pena — reclusão, de 2 a 8 anos e multa”, explica o advogado.

Os perigos

Uma nova tecnologia ganhou notoriedade em meados de 2019: as Deep Fakes, que são construções de imagens que utilizam ferramentas de inteligência artificial (IA) para modificar vídeos de maneiras nunca antes vistas, onde há uma inserção de rostos e modificações nas expressões de pessoas da filmagem. O jornalista mineiro Bruno Sartori, mais conhecido como “o bruxo dos vídeos”, é o pioneiro desta ferramenta no Brasil.

Bruno viu sua popularidade aumentar ao criar vídeos sátiricos do Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. O poder, segundo ele, é o seu tema favorito. Para o mineiro, não existe ainda uma ferramenta para identificar se o vídeo é verdadeiro ou falso, e ele dá dicas para a verificação (principalmente em época eleitoral): a análise do contexto das imagens, a observação da qualidade do vídeo e se há algo de muito estranho no rosto da pessoa. Porém, ressalta que o avanço tecnológico é muito acelerado e que erros podem ser corrigidos rapidamente.

A política é um dos setores mais afetados pela propagação de notícias falsas em circulação nos aplicativos de celulares, principalmente em épocas de campanha eleitoral. Com este novo recurso, a preocupação é com a capacidade de distorção nas redes socias das informações originais durante o período de votação. Para Sartori, uma foto fora de contexto já é capaz de distorção na internet.

“Agora você imagina um vídeo de uma pessoa falando um absurdo, assumindo algo que não fez. Com certeza as deep fakes vão distorcer bastante a população em épocas eleitorais”, opina Bruno.

Sobre o futuro das deeps fakes, o humorista destaca que é uma técnica bastante utilizada no entretenimento, podendo criar conteúdos que eram impossíveis anos atrás e com isso tem um futuro promissor na área. Em relação a preocupação destas manipulações, Bruno reforça a criação de conteúdos falsos e com intenção de manipular a população. Ao final, ele opina que no futuro possa surgir uma legislação própria que penalize de forma mais precisa quem usa de forma indevida esta tecnologia.

Para o especialista Rais, o combate de deep fakes é o mais desafiador porque refere-se à visão e por isso o impacto é ainda maior, principalmente em época eleitoral. Os conteúdos falsos podem ser extremamente sofisticados e o efeito pode ser negativo ou positivo para o candidato, como por exemplo, uma declaração de apoio não verdadeira. “As deep fakes são mais desafiadoras, elas enganam seu principal sentido que é a visão. O eleitor olha um vídeo de uma pessoa falando ou fazendo o que nunca fez ou falou. Você confia mais no que você vê ou no que é falado pelo candidato? ”, alerta Rais.

O jornalismo é o principal meio de informação para a sociedade. Mas as pessoas não se contentam apenas com as notícias apuradas e confirmadas pela mídia tradicional. Rais diz que elas acabam se baseando apenas no que recebem pela internet e por isso ressalta a importância da imprensa na busca pela veracidade dos fatos. Aliada ao fato de não repassar informação que não foi checada, ele diz que acessar conteúdo oficial é uma das formas de combate às fake news e deep fakes.

A jornalista da Rádio Gaúcha e GaúzhaZH, Kelly Matos, tem a mesma opinião. Para ela, um simples ato de não repassar algo suspeito pode evitar a disseminação de mentiras. “Nós comunicadores muitas vezes temos o papel de certificadores. Quando vou entrar no ar, eu ligo para várias pessoas, envio mensagem para governador, prefeito, jornalistas. Tudo para trazer a informação mais certificada”, ressalta.

“Não existe democracia sem uma imprensa forte”

Vivemos tempos loucos e radicais. Assim que o Deputado Sebastião Melo do Partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB) define os tempos atuais, onde o jornalismo tem sido alvo de duras críticas sobre o seu papel na esfera política.

“Não é que a imprensa não erre. Ela erra. Contudo, não é por isso que deixa de ter um papel fundamental para garantir a democracia. Não existe democracia forte sem uma imprensa forte”, destaca Melo.

As incertezas

Desde fevereiro deste ano, o Brasil tem enfrentado a pandemia da covid-19. O mundo inteiro está em isolamento social para combater a disseminação do vírus. Com isso, segue a incerteza em relação às eleições municipais sobre prorrogação ou realização nas datas já marcadas. O pré-candidato a prefeito, Sebastião Melo enfatiza a importância da vida neste período.

“Ao que tudo indica as eleições ocorrerão em dezembro. Com a pandemia no país, vivemos uma politização de algo que não deveria ser politicado: a vida. Muitos estão usando esta estratégia do pânico para crescer em popularidade”, exemplifica Sebastião.

Para o deputado, muda completamente o jogo eleitoral e os prefeitos, na sua opinião, estão melhorandosuas respectivas imagens com o atual cenário do país. Segundo Melo, agora é momento de debater com a sociedade para buscar melhorias.

Sobre a liberdade de opinião em épocas de fake News, o atual vice-prefeito de Porto Alegre, Gustavo Paim, opina que é essencial. E para combater essa desinformação em campanhas, a estratégia é ter mais informação , com imprensa livre, fomento a democracia e conferência de dados e fatos com empresas de fact-checking.

Em relação ao auxílio de seus eleitores, Paim ressalta que o trabalho com informação e credibilidade é de suma importância, em colaboração com órgãos de imprensa. Que o eleitor cuide dos seus compartilhamentos de notícias em suas redes, cheque e busque informações com conscientização.

“Tem que ter informação para saber quem são os candidatos, o que pensam, pontos positivos e negativos para que que o eleitor possa fazer sua melhor escolha. Que os veículos de comunicação trabalhem com fact-checking”, opina Gustavo.

Em meio a várias informações e desinformações, os eleitores precisam apurar e pesquisar o que é verdade ou não, inclusive sobre como será o próprio pleito de 2020. A empresária Luciane Bandeira, de 52 anos, diz que procura saber detalhes das eleições diretamente na página do seu candidato. Mesmo assim, ela apura tudo em sites de grandes grupos jornalísticos. “Busco informações em sites renomados, pois não acredito em tudo o que é veiculado. Sobre as fake news, não compartilho. Já meu marido dissemina nas redes sociais, pois para ele a esquerda usa disso para desmoralizar a direita”, relata a empresária.

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Contadora de histórias nas horas vagas. Escrevo sobre dores que não consigo curar. Sou amor da cabeça aos pés. Escrever é libertador.